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domingo, 22 de março de 2020

No Segredo dos Deuses

              (Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)


O Médio-Oriente:  

   O Médio-Oriente - do Paquistão ao norte do Iraque, mediterrânio e Somália - de que fazem parte dois dos maiores produtores mundiais de petróleo - Irão e Arábia Saudita -, tem uma relevância geoestratégica de que resulta permanente disputa entre as potências económicas mundiais.

   O incontestado domínio histórico anglo-americano - britânicos no Irão e Iraque e americanos na Arábia Saudita - deu lugar a um complexo jogo político de bastidores, envolvendo, paralelamente, negócios de armamento entre países Ocidentais e a URSS (Rússia) por um lado e as potências regionais por outro.

   Numa Europa anémica, incapaz de resistir à chantagem das potências dominantes, onde cada membro fazia os seus negócios esconsos, o Ocidente, em especial a França, apostava no Iraque apesar do envolvimento deste no financiamento do terrorismo internacional.

   Com uma história excecionalmente rica - berço da História -,o Iraque, possuidor de abundantes recursos minerais, petróleo e água - rios Tigre e Eufrates -, objeto de sucessivas disputas territoriais seculares, proporcionava ao Ocidente algum equilíbrio estratégico face à influência que, á época, a URSS tinha na região. Por outro lado, enquanto governado pela fação sunita, o Iraque funcionaria como tampão às aspirações expansionistas xiitas a partir do Irão, constituindo uma ameaça ao Ocidente desestabilizando a NATO a partir da Turquia.

   Na sangrenta guerra Irão-Iraque para a qual Saddam Hussein - “homem sólido, duro, com grandes qualidades”, considerava Alexandre de Marenches - foi encorajado, por erro de análise do departamento de informação francês, verificou-se o paradoxal apoio dos israelitas à causa de Teerão consubstanciado no fornecimento de armas. Quanto ao Ocidente, incluindo Portugal, fornecia armamento a ambas as partes!

   Testemunho do anacronismo e barbaridade do regime dos Ayatollas - o Irão, à época, tinha cerca de oitenta mil membros do clero, entre Ayatollas (bispos) e mollás (padres), disseminados por todo o país, em cidades, aldeias e departamentos -, são as “crianças sapadoras”. O exército iraniano usava crianças para a desminagem do terreno! Alexandre de Marenches visitou, no Iraque, um campo destes jovens prisioneiros; meninos sem pernas e, ou, sem braços, decepados na tenebrosa missão de fazer explodir minas ocultas. Caminhar sobre os cadáveres dos meninos constituía garantia de segurança para os militares iranianos!

   A Inépcia americana:

   A República Islâmica do Irão, hoje uma das maiores causas da instabilidade regional e internacional, é o resultado da ostensividade e inépcia da administração Cárter que decidiu derrubar a monarquia autocrática de Mohammad Reza Pahlavi - a dinastia Pahlavi teve início em 1925, na sequência do golpe de 1921 de que resultou a deposição de Amade Xá Cajar e a subida ao trono de Reza Xá Pahlavi por sua vez deposto e exilado pelos aliados (que detinham o controlo total da exploração petrolífera no Irão), por se recusar a expulsar os alemães que, no passado, tinham dado precioso contributo à modernização daquele país - e substitui-la por uma democracia do tipo ocidental de cariz socialista (Jimmy Carter era um democrata).

   A administração Cárter revelou um total desconhecimento do caráter tenebroso do integrismo muçulmano xiita liderado pelo radical ayatola, Ruhollah Musavi Khomeini, exilado - no Iraque de 1963 a 1978 e em Paris, de 1978 a 1979 - pelo Xá Pahlavi, que decidiu poupar-lhe a vida.

   Beneficiando da complacência iraquiana e francesa, o ayatola desenvolveu intensa propaganda revolucionária a partir de Berlim Oriental, onde estava instalado o quartel-general do partido comunista clandestino iraniano - “Toudeh” -, que gravava os seus discursos apelando à revolta popular e à deserção dos militares, e que, depois de copiados, eram distribuídos profusamente pela população iraniana.

   Para ilustrar a causa da proliferação da subversão revolucionária no Irão, Alexandre de Marenches estabelece uma curiosa comparação entre a ditadura e a autocracia; enquanto o ditadura elimina os dissidentes a autocracia tolera-os. Foi o caso do Xá Reza Pahalavi e foi a causa última do fim do seu reinado. A educação que o Xá recebera na Europa e o confisco de terras que fizera ao clero - incluindo as do ayatola Khomeini - e que distribuíra pelos camponeses - constituíram causas da tolerância daquele e do ódio implacável deste.

   Magro, franzino e tolerante, contrariamente ao seu pai, um gigante a quem “ninguém ousava mentir”, ao Xá Reza Pahalavi “ninguém ousava dizer a verdade”. Confrontado com os planos de deposição da administração Cárter revelou-se incrédulo e confiante no reconhecimento Ocidental da importância estratégica do seu reinado. Detentor de um poderoso exército, este garantia a estabilidade na região.

   Infelizmente, nem nos EUA, nem na Europa, se fazia a menor ideia de que, entre a população iraniana, havia pessoas que viviam como os europeus do século XI! Nem a CIA nem a SAVAK – respetivamente os serviços secretos americanos e iranianos - se haviam apercebido da convulsão social em marcha. A ânsia de modernização do Império iraniano levara o monarca a cometer certas imprudências que se revelaram fatais.

   Já com a revolução em marcha em Teerão, confrontado com a turbulência popular em curso, o monarca afirmou perentoriamente que jamais, em circunstância alguma, mandaria abrir fogo contra o seu Povo. Alexandre de Marenches compara Mohammed Reza Palavi, ao Czar Nicolau II e a Luis XVI, vencidos pela própria fraqueza pessoal.

   Jimmy Cárter, o inefável, enviou um seu emissário - general Hauser - num périplo aos quartéis iranianos ordenando a não intervenção militar no movimento revolucionário sob pena de cessação do fornecimento de armamento. Assim foi Khomeini colocado no poder motivando a explosão da revolução xiita.

   Acolhido incondicionalmente em Marrocos pelo rei Hassan II, Mohammed Reza Palavi, confrontado com os riscos que a sua presença representava para o monarca anfitrião e respetiva família, refugiou-se nas Bahamas donde passou ao Egipto onde viria a falecer. Hassan II tinha o sentido da honra, da lealdade e da solidariedade.
 
Alexandre de Marenches
 
Peniche, 07 de Março de 2020
António Barreto

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