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Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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domingo, 29 de janeiro de 2017

Encontro ao entardecer

 
  
 
   Ali no Portinho D´Areia, na pequena marisqueira debruçada sobre o mar de Peniche encontrei-me com os meus amigos Joel, Mário e Fernando para um cafezinho bem quentinho e amena cavaqueira ao correr da memória. O mar estava magnífico como sempre; verde escuro e encapelado, com o vento ameaçador e o céu cinzento. Na pequena praia, já despida de areia, emergiam os calhaus acinzentados, lambidos pelas sucessivas vagas. Junto à estrada, teimosas, as árvores exibiam as suas persistentes e improváveis copas em tons de verde e azul.
 
   Todos eles com ligações à indústria e, ou, comercio de pescado e marisco, os dois últimos ainda no ativo. Com um caso no Serviço Nacional de saúde a correr, Joel recordou outros do seu passado a que se seguiram recordações de outras peripécias do Fernando e do Mário a propósito do mesmo tema.
 
   Contou o Joel de quando teve que se deslocar ao Hospital de Santa Maria num "Rolls-Royce" - uma ambulância do INEM -, e regressar numa "carroça" - uma ambulância corrente degradada -, tendo demorado seis horas até Peniche - tiveram que passar por Almeirim para deixar outro doente e o motorista não conhecia o caminho. O resultado foi a subida da sua tensão a 21 obrigando-o a sujeitar-se a medicação de emergência no hospital da cidade. Uma demonstração de como as ambulâncias podem matar os doentes.
 
   Fernando contou daquela vez já longínqua  em que deslocou um rim ao falhar o chuto na bola quando disputava um jogo de futebol ao serviço clube da terra. Confrontado com o diagnóstico, a necessidade de cirurgia e o correspondente custo de quinze mil escudos, o Fernando conseguiu balbuciar que era apenas um funcionário administrativo e que não podia fazer tal despesa.  Desanimado, dada a insuficiência do "desconto", durante o regresso lembrou-se de recorrer a um cirurgião local que tinha feito trabalho idêntico a um amigo. Pediu-lhe oito mil escudos, que reduziu para sete assim que o Fernando mostrou surpresa, e depois para cinco quando este referiu ter sido esse o custo da operação que ele tinha efetuado ao tal amigo, há tempos. Um caso de mercantilismo que não difere muito dos do merceeiro, do tendeiro ou do cigano. Afinal, mudam os argumentos, mas a natureza humana não.
 
   Mas o mais engraçado foi a "parte" do Mário. Com dificuldades de visão foi ao hospital regional onde preencheu a papelada necessária à marcação de uma consulta de oftalmologia. Como a consulta tardava, um dia, a sua mulher, passando por aqueles lados, foi indagar, tendo sido informada que nada constava. O bom do Mário, preocupado, dirigiu-se aos serviços hospitalares logo que pôde e foi então que a funcionária que o tinha atendido da primeira vez lhe explicou: - Como faltava preencher os campos relativos à identidade dos seus pais e avós, arrumei o processo na prateleira superior da estante, que agora está inacessível porque emprestei a escada ao servente de pedreiro que ainda a não trouxe. Foi então que o nobre Mário sugeriu pedir-se uma escada emprestada aos bombeiros em frente. Foi o que fez após a anuência da interlocutora. Lá conseguiu aceder ao processo e que os serviços lhe dessem seguimento. Após a consulta-cirurgia recuperou a visão a um nível que nunca tivera. Tudo sobre rodas.
 
   Não se avistavam barcos no horizonte e o mar continuava encapelado e verde escuro.

O caso Trump e os falsos democratas

                                                                   Madre Superiora

   "De repente, o populismo ameaça o planeta. Tudo o que não encaixa no sistema democrático tal como controlado pelos mesmos de sempre – é populismo. A vitória de Trump e a hipótese de vários partidos de "esquerda" ou "direita" na mesma onda ganharem eleições na Europa fazem soar alarmes. Muitos dos que gritam "populismo!" lembraram-se de Santa Bárbara quando trovejou. Ter apoio popular porque, à "direita", se deseja pôr termo à emigração descontrolada? Populismo. Ter apoio popular porque, à "esquerda", se quer alternativas aos excessos do capitalismo especulativo? Populismo. Até se vêem laivos populistas na razoável "táctica dos afectos" de Marcelo. Mas não se acusa de populistas todos os políticos que prometem em eleições o que não tencionam cumprir. Ou os que usam os media em palhaçadas, como Obama, para manter a popularidade."

(repescado do texto de hoje de Eduardo Cintra Torres no Correio da Manhã)

http://www.cmjornal.pt/opiniao/colunistas/eduardo-cintra-torres/detalhe/o-populismo-e-a-defesa-do-sistema?ref=eduardo-cintra-torres_destaque



domingo, 22 de janeiro de 2017

Eles que trabalhem mais

  
 
Field of Flowers 1910 (Egon Schiele)
 
   Quando ouvi Jorge Sampaio, ainda Presidente da República, responder ao jornalista que o questionava sobre a crise económica do país, que "os empresários têm que trabalhar mais", pensei com os meus botões: - se quiserem! Pensava eu, na minha "santa" ingenuidade, que nenhum governo pode obrigar os empresários a trabalhar mais. Enganei-me. Pode. Tal como no célebre filme "Os Cavalos Também se abatem" protagonizado por Jane Fonda e Michael Sarrazin, os pequenos empresários podem ser obrigados a trabalhar até caírem para o lado de exaustão. Perante a asfixia do "novo proletariado" estatal, todos lutarão pela sobrevivência das suas empresas até à ruina.
 
   Vem isto a propósito do salário mínimo e do aumento de cerca de 5% imposto pelo governo em sede de "concertação social" ao patronato, representado pelas grandes confederações. A guerra à economia dos baixos salários decretada pelos comunistas foi assumida, embora mais discretamente, pelos restantes partidos e figuras políticas destacadas. Ninguém discorda. No entanto, pondo de lado o populismo, a bondade das políticas inerentes ao processo tem efeitos perversos. Desde logo no desígnio democrático da Liberdade, uma vez que deixa de ser possível a livre contratação entre entidades autónomas, em função do seu próprio interesse. O Estado arroga-se o direito de definir os interesses de cada um tal como quando lhes impõe uma carga tributária demolidora.
 
   Ora então, vamos a factos; o Primeiro Ministro com o apoio dos partidos que o suportam decidiu aumentar o salário mínimo, prometendo aumentos futuros, "porque criam emprego". A ser verdade é o "ovo de colombo" da economia! Adeus crise. Nestas matérias impõe-se avaliar o designado custo de oportunidade, isto é; o que se perde em contrapartida da adoção de uma medida económica.
 
   O propósito é o de aumentar a procura interna, a faturação das empresas e as receitas públicas. Tal verificar-se-á no curto prazo, no entanto, o ajustamento ocorrerá, inevitavelmente, no longo prazo. Lembremo-nos, antes de mais, que Portugal tem uma pequena economia aberta, de baixa competitividade e baixa produtividade face aos seus parceiros europeus. Se tivermos em conta que o aumento de salário mínimo tem de ser repercutido nos restantes salários, mesmo que moderadamente, que o impacto dos salários nos custos gerais de produção pode chegar aos 50%, para um aumento salarial de 5%, os custos de produção aumentam 2,5 % colocando em risco todas as empresas com ganhos de produtividade inferiores. Ora se o PIB em 2016 aumentou cerca de 1,2 %,  um grande número de empresas está condenada. Numa primeira fase, todos os empresários procurarão resistir, diversificando a oferta e a clientela, inovando e racionalizando custos, mas muitos deles acabarão por sucumbir face à persistência do agravamento de custos salariais e dos designados custos de contexto, destinados a financiar as administrações central e local, sem contrapartidas. -Ah!, mas isso é ótimo!", dizem os "novos aristocratas" , políticos e académicos; - Temos que libertar a economia das empresas ineficientes, incapazes de inovar, criando reserva de mercado para as mais competitivas; com maior intensidade de capital, capital humano mais valioso, maior valor acrescentado e, consequentemente, maior produtividade, melhores salários e mais receita fiscal. Tudo certinho, não fora a particularidade da já referida economia de mercado em que operamos; serão os concorrentes das empresas nacionais, detentores de fatores de produção mais competitivos, que acabarão por beneficiar do aumento da procura interna nacional, pressionando a balança comercial, as contas externas, o défice orçamental e o endividamento. -Tudo sobre rodas"; dirão os mesmos políticos e académicos: - Com um empurrãozinho, os excluídos acabarão por empregar-se no exterior, livrando-nos dos encargos inerentes e, a médio prazo, ainda contribuirão para engordar as remessas externas. Em compensação, franquearemos as portas à imigração, preferencialmente de não cristãos, como convém à República, dotando o país da mão de obra de que necessita para os investimentos públicos que se avizinham e, simultaneamente, de eleitores dos partidos do Estado. Provavelmente é isto que esperam os promotores do aumento do salário mínimo, indiferentes à angústia da legião de excluídos, trabalhadores e empresários.

   Convém ter presente que, esta, é apenas mais uma das dificuldades que, prepotentemente, têm sido impostas pela Comissão Europeia, pelos Governos nacionais e elites internas, sob os mais variados pretextos, aos trabalhadores e empresários nacionais, cuja consequência, em última análise consiste na destruição das economias locais, na desertificação, no isolamento e na macrocefalia. Algo que começa a ser identificado e denunciado no âmbito da ONU, entidade que, paradoxalmente, tem contribuído fortemente para esta realidade,
 
   Para ilustrar a demagogia do Governo e seus apoiantes, lembremo-nos de que, em matéria de avaliação da dignidade salarial, o que releva é o poder de compra respetivo e que, aqui sim, são os Governos e não as empresas os primeiros e únicos responsáveis pela inusitada carga fiscal aplicada aos cidadãos e empresas, nomeadamente, sobre bens de primeira necessidade e ao processo operacional, para financiamento de um Estado despesista, sobreendividado, onde alastra o nepotismo e o jacobinismo; um Estado insaciável, incapaz de controlar a corrupção, colonizador da sociedade civil para satisfação das clientelas do poder, como sempre fez, afinal, de modos diferentes, desde a fundação da nacionalidade.
 
   Grosso modo, cerca de 50% dos encargos dos cidadãos com a água, a luz e os combustíveis, são impostos estatais! Porque não reduz o Governo a carga fiscal sobre estes bens essenciais e outros, como o pão, o leite, os hortícolas, a carne e o peixe, compensando-a, racionalizando custos, eliminando serviços redundantes, reduzindo os custos operacionais induzidos nas empresas para que estas possam acumular o capital necessário ao investimento, à criação de emprego e à redução de preços? Sabemos porquê! A tentação da definição de bons e maus é uma estratégia eleitoral compulsiva e conforme aos interesses dos que ocupam o poder, implicando a manipulação da opinião pública. Aqui reside a maior fragilidade dos sistemas democráticos, constituindo, em simultâneo, um dos paradoxos da atualidade nacional, a saber; os partidos progressistas, são, afinal, os maiores aliados do Grande Capital, consubstanciado nas multinacionais, e grandes empresas estrangeiras que, inexoravelmente, vão ganhando o mercado interno. A Liberdade de acesso e de manutenção da atividade empresarial é cada vez mais uma miragem ao cidadão português, mais uma vez condenado à subserviência, com a cumplicidade dos autoproclamados "patriotas" ainda dominados pelo isolacionismo do Estado Novo que os moldou.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Mário Soares, o Personagem, o Político e o Homem


 
Claude Monet - La route de Vétheuil, 1880

   Desde há largos anos que percebi que Mário Soares não era defensor da liberdade, nem patriota e nem sempre amigo do seu amigo. O "campeão da Liberdade", o "pai da Democracia", o "patriota", o "amigo inflexível de todas as horas" foram atributos de um personagem ficcionado por ele próprio, pelo seu partido e pela generalidade da comunicação social, na sequência do golpe do 25 de Abril de 1974. Para tal conclusão basta captar o essencial de alguns episódios marcantes de uma história política com cerca de 50 anos. 

   Desde logo, a imposição de uma ideologia política, “o caminho irreversível para o socialismo”, consagrado constitucionalmente em 1976 com a colaboração do Partido Socialista que se apresentava em maioria na Assembleia Constituinte, revela que o conceito de Liberdade de Mário Soares e do seu partido, se restringia à sua liberdade de impor aos outros a sua ideologia, propósito que lhe era negado pelo antigo regime. Tal facto, por si só, é suficiente para descredibilizar o regime instituído enquanto Democracia autêntica, bem como todos os alegados “democratas” que o impuseram, entre os quais, e mais que qualquer outro, Mário Soares, pela omissão de oposição, apesar do enorme prestígio de que gozava, na época, junto da população e da generalidade da Comunicação Social.

   O processo da desastrosa descolonização imposta pelas grandes potências do pós guerra incluindo dos países agora “nossos amigos” no âmbito da União Europeia, permanecerá como uma mancha negra indelével da sua atividade política. Apesar da partilha de responsabilidades, Mário Soares foi cúmplice nesse processo de que resultou dezenas de milhares de mortos, centenas de milhar de desalojados, milhões de africanos subjugados pelos novos opressores e de que nunca se arrependeu apesar do estado de miséria dos respetivos povos. O conceito de Liberdade de Mário Soares, neste caso, cingiu-se às elites dos partidos envolvidos na guerra colonial de matriz socialista e não ao Povo correspondente, no afã de agradar aos novos senhores do mundo que lhe proporcionavam a ascensão ao poder em Portugal. Nem libertador nem Patriota. Mário Soares foi um ás da sobrevivência política, de ética e altruísmo duvidosos.

   Também lhe tem sido, consensualmente imputado, o crédito da adesão de Portugal à CEE, enquanto opção estrategicamente decisiva para a estabilidade política e o progresso económico do país. Não o vejo assim. Antes de mais, as negociações com a CEE tinham sido estabelecidas por Marcelo Caetano, na sequência do 2º Pacto Colonial, que definia o objetivo comum de desenvolvimento da economia Portuguesa e em especial das Colónias com o propósito de a preparar para a liberalização. Por outro lado, a adesão, implicitamente, constituiu a capitulação de uma nação que, em mais de oito séculos, travou, com todas as vicissitudes conhecidas, as mais bravas batalhas em todos os continentes, algumas simultâneas, por vezes contra inimigos mais poderosos, então sim, compelida pela ânsia de Liberdade, de resto, fundadora da Nação, pela mão e pelo génio de Afonso Henriques. Com a adesão à CEE e mais tarde à UE com a anuência de Mário Soares e, mais uma vez, pela mão do PS, Portugal alienou os principais fatores que caracterizam um país livre; emissão de moeda, política cambial, pautas alfandegárias e política macroeconómica. As duas intervenções do FMI, em 1977 e 1983, no financiamento do Governo após o desbaratamento das reservas herdadas do Antigo Regime, revelaram a incapacidade de sobrevivência da III República sem apoio externo. Foi então que se verificou o período de ouro da economia portuguesa do atual regime, de 1986 e 1992, graças, essencialmente, aos fundos europeus. Mais revelou covardia política na medida em que tal visava, também, comprometer os parceiros europeus na salvaguarda de eventuais riscos de nova deriva comunista interna. Tal não é compaginável com os atributos de coragem política, de amor à liberdade e de patriotismo com que Mário Soares foi consagrado pelos seus correligionários.

   Relativamente à sua lendária lealdade aos amigos, recordo os casos de Henrique Galvão, Salgado Zenha, Rui Mateus, Edmundo Pedro e de José Sócrates.

   Henrique Galvão, sim, foi um herói rocambolesco cuja história tem sido ignorada, apesar do seu pioneirismo na luta contra o regime de Salazar, que enfrentou de peito aberto, sem apoios e com destemor, acusando frontalmente o regime, num discurso histórico que proferiu na Assembleia Nacional, pelas atrocidades cometidas contra os negros das colónias. Valeu-lhe, mais tarde a prisão no forte de Peniche e toda uma história fascinante que encheria os écrans caso tivesse acontecido noutras paragens. Morreu no Rio de Janeiro, na miséria, apesar da caridade do país irmão. No leito de morte, teve um visitante político nacional. Um só. Mário Soares! Confesso que é comovente. Mas, em 42 anos de democracia, Mário Soares não foi capaz de enaltecer publicamente o contributo remoto de Galvão, “o inventor” de Humberto Delgado na luta contra o regime autoritário de Salazar. Por uma razão; Henrique Galvão, sendo democrata, era anticomunista e iberista. E Mário Soares queria todos os louros da luta “antifascista”. Falhou a lealdade à memória do principal precursor do 25 de Abril.

   Quanto a Salgado Zenha, cofundador do PS e figura destacada na afirmação política deste partido, sofreu as consequências da oposição e da ira de Mário Soares, quando percebeu, denunciou e combateu a tentativa de infiltração comunista no partido através do MES de Manuel Serra. Apesar da vitória interna, Salgado Zenha acabou isolado e votado ao ostracismo político na sequência da sua derrota eleitoral às presidenciais. Mário Soares foi fiel aos amigos subservientes; que não punham em causa a sua liderança e autoridade. Afinal, a luta de Zenha, apenas retardou a vitória dos radicais que ascenderam ao poder pela mão de António Costa sem que se conheça qualquer oposição da parte do “pai da democracia”. Este, nunca hesitou em trucidar politicamente os amigos que o desafiavam.

   O caso Rui Mateus é, talvez, o mais emblemático de todos. Fundador da primeira hora, Rui Mateus garantiu, por vários anos, o financiamento do PS e a difusão externa do partido, graças aos conhecimentos que adquiriu na sua estadia no Reino Unido, na Suécia e nos Estados Unidos. Mário Soares permitiu que Rui Mateus fosse brutalmente sacrificado, destruído politicamente e pessoalmente, na sequência do caso Emáudio, do qual constituía a origem. Mais importante que salvar o amigo foi salvar-se a si próprio e ao partido. Sem dó nem piedade.

   Edmundo Pedro, o honrado, corajoso e leal Edmundo Pedro, que penou nas masmorras do Tarrafal as agruras da oposição ao regime de Salazar, “malhou” mais uma vez nos calabouços, agora do regime “democrático”, na sequência do caricato episodio das armas distribuídas ao PS por um subordinado de Ramalho Eanes por ordem deste, nos dias que antecederam os conflitos do 25 de Novembro de 1975. Edmundo Pedro, apesar de inocente, suportou silenciosamente o desconforto e opróbrio da cadeia “democrática” sem que Mário Soares, Manuel Alegre, companheiro do episódio, ou outro “camarada” o ilibassem do ilícito, como era de justiça. Mais uma vez, a amizade foi sacrificada ao partido e seus dirigentes.

   E o que dizer do incansável apoio de Mário Soares a José Sócrates até ao último momento? José António Saraiva referiu o seu recente livro “Eu e os Políticos” a respeito deste que “todos na esfera política e jornalística conheciam a sua compulsiva tendência para a mentira. Como foi possível a Mário Soares apoiá-lo apesar disso e do estado caótico das finanças públicas escondidas do grande público mas não ignoradas pelos mais próximos e que haveriam de conduzir o país à vergonha da exiguidade política e da indigência financeira? Fica bem confortar um amigo caído em desgraça, exceto quando, este, em nome do partido, conduziu o país à pré-insolvência, sacrificando os cidadãos, e é arguido de ilícitos graves cometidos durante o exercício dos mais altos cargos públicos. A pátria de Mário Soares nunca foi Portugal, mas o Partido Socialista, ao qual tudo e todos sacrificou quando entendeu necessário.

   Filho duma relação amorosa ilícita dum prelado com uma paroquiana, Mário Soares, foi um instrumento político de seu pai contra a igreja - que o excomungou - e contra o regime de Salazar - que o ostracizou - tal como o famoso Colégio Moderno, alfobre de socialistas e comunistas, entre os quais o célebre Álvaro Cunhal. Menino mimado, Soares nunca conheceu as agruras da luta pela subsistência material beneficiando do apoio paterno, do apoio do empresário português Manuel Bollosa quando no exílio em Paris, mais tarde, dos donativos dos países amigos ao Partido Socialista e, finalmente, do erário público seja pela remuneração das funções públicas que exerceu, seja pelos sucessivos financiamentos públicos e privados da sua fundação.

   Posto isto, a seu crédito releva a extraordinária sagacidade e coragem política que o caracterizou no combate ao regime de Salazar e a determinação na oposição à agenda totalitária do Partido Comunista, embora por causas meramente partidárias e apesar de nunca ter conseguido desenvencilhar-se da “chantagem política” que este partido exerceu sobre o PS que, finalmente, deu frutos em 2016, o ano da sua “partida”.

  Que tenha “partido” em paz consigo e com os seus são os meus votos, apesar de tudo.

Peniche 15 de Janeiro de 2017