Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

domingo, 13 de agosto de 2017

Pedrógão Grande e a Liberdade


  A tragédia de Pedrógão Grande remete-nos para o drama da Guerra Colonial. Trilhar o mato de arma em punho, sentidos alerta, prontos a matar para viver, constituía o terror de todos os jovens da época. Transitar, hoje, numa qualquer estrada nacional, atemoriza qualquer um perante o risco de ser apanhado num incêndio mortífero.
  Nunca, antes de Pedrógão Grande, ficou exposta com trágica evidência, a solidão, o abandono a que são votados os cidadãos perante a inevitabilidade da morte, entregues a si próprios, indefesos, à mercê das chamas. Perceber o fim, sem lhe poder resistir, caminhar, compulsivamente para ele, em muitos casos acompanhado dos entes queridos, é dor que a imaginação não alcança, nos suscita solidariedade e angústia, e nos devia humanizar. Estas pessoas são dignas de recolhimento e do luto de todos. Inútil, talvez, mas um bálsamo para os seus familiares e sobreviventes. Um tempo de reflexão para todos.
   Deprimente foi o desfilar de entidades múltiplas, em que esteve patente, desde a primeira hora, a preocupação de preservação geral da imagem pública e da hierarquia, a alusão precipitada a causas extraordinárias do sinistro, a falsa garantia de total empenho das forças de proteção, a resistência injustificada à divulgação de informação, a cruel responsabilização das vítimas aludindo a hipotética curiosidade e desrespeito destas de ordens das autoridades, a relutância na assunção de responsabilidades, culminando com a “programada” ida para férias do senhor Primeiro Ministro, que mais pareceu destinar-se à atenuação do desgaste político da sua  imagem perante a opinião pública.
   Tudo isto, explícita ou implicitamente, mostrou como a preservação da dignidade dos cidadãos, objetivo constitucional primordial está, atualmente secundarizado, subordinada à disputa do poder das novas oligarquias. Uma distorção que afastou governantes de governados e que terminará em opressão ou revolução se os mecanismos democráticos não a corrigirem. A tentação do despotismo é uma condição permanente do homem e dos grupos sociais que constitui, que nenhum regime político consegue, por si só, suprimir. Só instituições democráticas independentes e fieis à Declaração Universal dos Direitos do Homem a pode controlar. Os sinais de falência institucional têm sido sucessivos e cumulativos, abalando os pilares do regime, essencialmente, por revelarem um défice de cultura democrática e de valores morais de grande parte das elites, sem os quais, nada funciona.
   Quando se subjugam os cidadãos com a interminável escalada tributária sem que se revele empenho no combate à corrupção e ao esbanjamento de dinheiros públicos, recusando, muitas vezes, o escrutínio político, outras, pondo em causa a ação dos Tribunais, revela-se a total ausência de respeito pela dignidade daqueles e falta de sustentabilidade democrática do regime.
   A Falência sucessiva de entidades bancárias e na estrutura empresarial em geral, acompanhada de declaração de impotência das autoridades de supervisão, deixa os cidadãos, empregados e empregadores, entregues à sua sorte, ao instinto, à perspicácia, à permanente incerteza da retribuição do seu trabalho, do qual, o Estado, indiferente, a bem ou a mal, não se dispensa de colher os seus frutos. Um ambiente de terrorismo económico e fiscal que, a persistir, acabará, mais tarde ou mais cedo, num baixar de braços generalizado.

   Aumentar continuamente a idade da reforma introduzindo simultaneamente crescentes dificuldades ao exercício das profissões, conduzindo à exclusão profissional e social precoce dos cidadãos, revela profundo cinismo, oculto poe pretextos  múltiplos, como os da produtividade e da proteção ambiental.
   Julgo que já se disse tudo sobre as causas dos incêndios; aumento das temperaturas máximas, abandono rural, ação criminosa, insuficiência de meios de prevenção e combate, errado planeamento e gestão florestal, resistência ao estabelecimento de centrais a biomassa, etc. Adivinha-se nova escalada de constrangimentos para os proprietários, em grande parte, vítimas da incúria do Estado na sua obrigação de proteção de bens, mas também do ódio ancestral de alguma classe política, que, pacientemente, aguarda, há décadas, o momento de novos avanços pela coletivização da propriedade.
   Tenho porém, para mim, que, uma das causas remotas do abandono do interior se deveu à revolução liberal - 1820 a 1834 - na sua sanha de aniquilamento da aristocracia, que sustentava o antigo regime, expropriando-lhe o património ou eliminando-lhes a possibilidade de preservação do mesmo, abolindo a lei do morgadio. Com as sucessivas gerações, a propriedade rural, em geral, tornou-se economicamente inviável. Inevitável o abandono.
   Mas também a Revolução Industrial, ainda em curso; a compulsão do desenvolvimento tecnológico e da produtividade, a industrialização da produção alimentar e a produção agrícola intensiva, a predominância da economia dos serviços, constituem as causas mais remotas e persistentes do fenómeno.
   A dinâmica económica europeia atual, por vezes, remete ao paradigma futebolístico; daquelas equipas que têm um ataque exuberante e uma frágil defesa. Avançada tecnologia e abandono do mundo rural, conduzindo-nos à reavaliação da importância da fisiocracia.
Mais importante que a riqueza monetária de uma nação é a preservação da dignidade das suas gentes. Do património humano. E isso é, tão-somente, uma questão de cultura. E são as elites, acima de todos, que têm a responsabilidade de a demonstrar, pela sua ação e omissão. E é aqui que o atual regime falhou rotundamente apesar de todas as "juras" de amor à Liberdade.

Peniche, 13 de Agosto de 2017
António Barreto

terça-feira, 8 de agosto de 2017

A Ameaça Vermelha; Alberto Gonçalves, (Matéria-Prima Edições)


   Pensando tratar-se de um ensaio sobre o socialismo na Europa atual, e, especificamente, no Portugal de hoje, e, porque aprecio o estilo da escrita de Alberto Gonçalves, adquiri a “A Ameaça Vermelha”. Foi, por isso, algo desapontado, que “ataquei” a obra que consiste, afinal, numa mera compilação de crónicas avulso publicadas na imprensa, algumas das quais, até já tinha lido.
   No seu estilo sarcástico, contundente e algo temerário mas corajoso, Alberto Gonçalves revela todo o seu ceticismo pelas consequências que poderão advir para o país pela fórmula política que sustenta o atual Governo.  Considerando o socialismo uma via para o empobrecimento e ausência de Liberdade, ao serviço de elites pseudointelectuais e partidárias que nada mais pretendem além de poder a qualquer custo - convicção que partilho -, Alberto Gonçalves, exprime, de forma por vezes grosseira, um enorme desprezo pelo atual Primeiro Ministro e pelos líderes dos partidos que apoiam o seu Governo.
“É isto: em pleno século XXi, como se costuma dizer, a mera propriedade privada ainda é um assunto delicado na sociedade portuguesa. Por muito que adoremos derrubar tabus, e que qualquer dia se derrubem os interditos ao incesto e ao bestialismo, está para durar o tabu de cada um ter direito ao que adquiriu mediante trabalho, herança ou sorte.”

Peniche, 08/08/2017
António Barreto