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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sábado, 2 de dezembro de 2017

Belmiro de Azevedo

     


Há um genuíno sentimento de perda na sociedade portuguesa pela partida de Belmiro de Azevedo. Simboliza o moderno capitalismo; o que saiu do 25 de Abril de 74. Construiu uma obra notável sem os favores do Estado ou dos partidos que dele se servem. Um exemplo de coragem e persistência. A sua obra mais notável, no setor da distribuição, fez mais pelos portugueses que qualquer governo; aumentou-nos o poder de compra ao reduzir os preços dos bens de primeira necessidade e melhorou-nos a qualidade de vida ao tornar-nos acessíveis a tecnologia, aliviando-nos as rotinas domésticas, aprofundando e ampliando a socialização e a cultura. Não esteve só, mas fez parte do processo, tendo sido pioneiro e vanguardista, também no setor da comunicação e noutros. Um sinal de que há, na sociedade portuguesa, forças que a podem tirar da quase indigência económica. Fez, exemplarmente, a destrinça entre despesa e investimento, conceito que carece de maior valorização entre nós.

   Porém, há um lado lunar no modelo empresarial que adotou que importa ter presente. É certo que a turbulência económica e social são consequências inevitáveis do progresso tecnológico e económico mas, esta, nem sempre é virtuosa. A proliferação de grandes centros de distribuição chegou às pequenas cidades e, mesmo nestas, difunde-se pelos bairros, abalando as economias locais, condenando à insolvência os pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços que lhes davam vida. A pequena mercearia, o talho, a peixaria, as lojas de roupas, de eletrodomésticos, de sapatos, etc., as pequenas oficinas de serviços; carpintarias, pichelarias, serralharias, construção, eletrodomésticos, etc.., vão desaparecendo, deixando as cidades e as vilas desertas. Pode argumentar-se que a ineficiência é insustentável e que deve ser banida em nome de melhor qualidade de vida futura. Pode ser, mas não estou certo de que valha a pena. À redução do custo de vida sucedeu, para muitos, o desemprego, o trabalho precário e a emigração. É que, enquanto as empresas tradicionais recorriam aos serviços locais, estabelecendo uma rede económica de baixa produtividade mas difusora do valor acrescentado criado localmente, os grandes grupos, ampliaram e verticalizaram a oferta, arrebatando todos os ganhos de todas as cadeias de valor inerentes aos seus negócios. Consta que, por cada posto de trabalho criado pelas grandes superfícies, três são destruídos. Assim, os seus armazéns são projetados, construídos, equipados e mantidos por empresas dos próprios grupos, e quando recorrem a subcontratação alavancam a razão de troca em seu benefício graças ao ascendente negocial de que dispõem minimizando as margens de lucro dos seus parceiros assim condenados aos baixos salários. Mas não é tudo. Concentrando a distribuição num semi-monopólio resultante do esvaziamento dos circuitos tradicionais, as grandes superfícies constituem o principal veículo de escoamento da produção local, cujo valor acrescentado controlam ao cêntimo reservando para si a “parte de leão”, deixando-lhes apenas o suficiente para continuarem a produzir. Isto depois de lhes terem imposto os investimentos inerentes, cobrando-lhes rendas faraónicas e imputando-lhes todos os riscos do correspondente negócio, constituindo-se em meros gestores da produção alheia! Uma versão atualizada dos “pecados” do capitalismo identificados por Carl Marx.

   Se a criação líquida de postos de trabalho é incerta, o mesmo ocorre relativamente à qualificação dos seus colaboradores. Só no topo da hierarquia a qualificação e os bons salários ocorrem; na base da pirâmide, o maior contingente de emprego criado é desqualificado, mal pago, e sujeito a condições de trabalho, por vezes, infame. A dissidência é duramente castigada. A cultura é a do “homem providencial” e da obediência. O resultado traduz-se na brutal concentração económica. Se há criação de riqueza, e há, a maior parte vai direitinha para o topo. Mil e trezentos milhões de euros! Não estou certo que todo este valor corresponda a riqueza criada e, se foi, deveria ter sido melhor distribuída pela cadeia humana subjacente.

   Neste processo, estão envolvidos os poderes públicos centrais e locais; os primeiros porque vêm neles um meio de excelência de controlo macroeconómico através da redução da inflação, os outros uma saborosa fonte de receitas para a insaciável voracidade dos seus orçamentos. Os mercados municipais, em vez de agentes de promoção das economias locais, entraram em decadência por falta de investimento público, muitas vezes comprometido com os promotores das grandes superfícies. A tentativa inicial de controlo da expansão daqueles estabelecimentos, na defesa da economia tradicional, depressa se esboroou. Saiu da agenda política. Uma economia débil, desprotegida, em mercado aberto, conduz ao endividamento progressivo e a novos constrangimentos do progresso económico transferindo para os países desenvolvidos a riqueza endógena. Um círculo vicioso difícil de contrariar.

   Belmiro de Azevedo jogou exemplarmente o jogo da economia de mercado, na distribuição, nas telecomunicações, nos laminados de madeira etc., mas não creio que tenha sido exemplar na distribuição da riqueza produzida e no respeito pela dignidade dos seus colaboradores. No melhor e no pior, foi um exemplo donde poderemos colher grandes ensinamentos sendo merecedor da minha admiração e respeito.

  António Barreto  Peniche,
  02 de Dezembro de 2017 


sábado, 25 de novembro de 2017

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves e o 25 de Abril (4)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves e o 25 de Abril (4)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves, em Montepuez (4)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves, em Montepuez (4)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves, o último Guerreiro do império (3)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves, o último Guerreiro do império (3)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves, o último guerreiro do império (2)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves, o último guerreiro do império (2)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves; o último guerreiro do império (1)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves; o último guerreiro do império (1): descrição.

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves; o último guerreiro do império (1)

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves; o último guerreiro do império (1): descrição.

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves e o 25 de Novembro

Zaratustra não era do Benfica!: Jaime Neves e o 25 de Novembro

sábado, 4 de novembro de 2017

Johnny Cash sings "Man In Black" for the first time (with intro)

O Contributo de Jesus Cristo no progresso humano



  
É, sem qualquer dúvida, a consciência da minha profunda ignorância e a convicção da transitoriedade do conhecimento, que propulsiona a minha curiosidade na demanda de mim próprio e do mundo "caminhando" com as minhas próprias ferramentas. Astronomia, cosmologia e física Quântica são matérias que me fascinam. Posto isto, uma breve introdução; O racionalismo funda-se no iluminismo, e este, no Renascimento que por sua vez nasce bem no coração da Igreja Católica. É verdade! A extraordinária prosperidade do comércio veneziano e florentino associada à sumptuosidade da hierarquia eclesiástica católica, ao contributo de mecenas como os Médicis e outros mercadores, em simultâneo com o esbulho dos camponeses e a infame perseguição dos hereges de que resultou a criação dessa aberração criminosa que foi a Inquisição - extinta em Portugal, apenas, em 1842, e de que hoje, ainda há vestígios - gerou um movimento estético na história da humanidade. fundador da modernidade, com o contributo difusor dos Descobrimentos Portugueses. Ateliers e estúdios de homens de arte proliferaram em Florença, Veneza e Roma, e daí para toda a europa, com enaltecimento da história de Jesus Cristo. Ninguém fica indiferente perante a Pietá, o teto da Capela Cistina, ou a arte sacra das telas de Leonardo da Vinci, de Miguel Angelo ( A Últuma Ceia), de Paolo Varonese (Deposição de Cristo), de Giorgio da Castelfranco, de Boticelli, Ticiano ( A Coroação), Tintoretto (A última Ceia). Nesses ateliers, na boa tradição helénica, fermentaram os temas profanos, da física, da geometria, da aritmética, da astronomia. Da Vinci e outros, desenhou novas máquinas de guerra, máquinas agrícolas e até de locomoção. Um processo que alastrou até aos nossos René Descarts com o seu Discurso sobre o Método, Jean Jaques Rousseau com o seu Contrato Social, Immanuel Kant com a sua Crítica da Razão pura e muitos outros criadores dos alicerces das sociedades modernas, fundadas na confiança do Homem na sua própria razão e consequente “libertação” dos dogmas católicos condicionadores da ação dos cidadãos e dos regimes políticos, eminentemente teocráticos, até à Revolução Francesa de 1789. Porèm, não deve confundir-se a mensagem de Jesus Cristo, Homem, com o comportamento abjeto da Igreja Católica na Idade Média. Ora, então, o desenvolvimento científico subsequente ao iluminismo, proporcionou o desenvolvimento tecnológico e com este, proliferação da produção de bens alimentares, a explosão demográfica - de cerca de 800 milhões de habitantes na Terra no final do século XIX para os cerca de 6,5 mil milhões no final do século XX -, o aumento da esperança média de vida, o conforto, e a proliferação de toda a espécie de bens, essenciais e supérfluos, afinal, convertidos nos novos dogmas da ciência e da tecnologia, que as economias tornaram invioláveis. Um absurdo de que devemos tomar consciência por reverter os princípios da racionalidade, fundadores do iluminismo. Na verdade, quer a expansão demográfica, quer a tecnológica, colocam hoje em risco, não só a sobrevivência do homem, como a do próprio planeta. Aqui chegados, é para mim claro desde há uns bons anos, que, se a ciência e a tecnologia mudaram o meio, a natureza humana permanece inalterada; instinto de sobrevivência, e de domínio territorial e social prevalecem como os principais “driveres” da ação dos homens, com seu cortejo injustiça e desumanidade.  

   E é precisamente aqui que entra Jesus Cristo. É ele que nos diz para amarmos o próximo como a nós mesmos. Reparem, não se limita a dizer-nos, como Saramago, para perguntarmos ao outro: - E você quem é? Recomenda-nos que amemos os outros como a nós próprios! Ao fazê-lo revoluciona a principal motivação da ação individual, atenuando ou neutralizando a sua própria natureza profunda; cooperar com o outro em vez de o subjugar. É esta a base das sociedades modernas; só vingam assentes no respeito “amor” pelo outro. Mas não ficou por aqui; a universalidade é também a matriz da mensagem de Cristo; numa época em que proliferavam as organizações tribais fechadas em si próprias, Jesus Cristo dirigiu-se a todos sem distinção; gentios, ímpios e Blasfemos!, recordemos aquela mulher, oriunda de outra comunidade - gentia -, procurou Jesus, cheia de fé, pedindo-lhe uma graça; perante a rejeição dos que o rodeavam, Cristo, num gesto convicto, fez-lhe o milagre, mostrando que, no seu “reino” não há lugar à exclusão. Lindo! Maravilhoso!, Finalmente, é Jesus que, perante os nossos erros - “pecados” - nos possibilita a reconciliação connosco próprios - e “Deus”. A convicção de que, o arrependimento sincero nos permite readquirir a inocência e a oportunidade do trilhar os caminhos do bem. Em suma; é este mecanismo introduzido por Jesus Cristo que permite ao Homem sair da sua condição de besta e assumir a sua condição de “filho de Deus”, ou “filho do bem”. Deu-nos uma nova referência de vida; o respeito do outro baseado no amor e não no medo. Isto, é, quanto a mim, o essencial da mensagem de Jesus Cristo, Homem ou Deus. Quanto às Igrejas, confesso, que tenho sempre o pé atrás, apesar de admirar alguns santos. 
 
(Deposição de Cristo, Paolo Varonese)

Peniche, 04 de Novembro de 2017

terça-feira, 17 de outubro de 2017

A insustentabilidade das causas antropogénicas do "Aquecimento Global".


 
 
   O site "Climate Change is Natural" publica trabalhos através dos quais, os respetivos autores de origens diversas, concluem, que o impacto  no efeito de estufa do aumento da concentração do CO2 na atmosfera é marginal e foi sobreavaliado pelo IPCC.
 
Thus, all evidences suggest that the IPCC GCMs at least increase twofold or even triple the real anthropogenic warming. The GHG theory might even require a deep re-examination.”


http://notrickszone.com/2017/10/16/recent-co2-climate-sensitivity-estimates-continue-trending-towards-zero/#sthash.2htwN7lL.2nHXzGjN.dpbs

domingo, 13 de agosto de 2017

Pedrógão Grande e a Liberdade


  A tragédia de Pedrógão Grande remete-nos para o drama da Guerra Colonial. Trilhar o mato de arma em punho, sentidos alerta, prontos a matar para viver, constituía o terror de todos os jovens da época. Transitar, hoje, numa qualquer estrada nacional, atemoriza qualquer um perante o risco de ser apanhado num incêndio mortífero.
  Nunca, antes de Pedrógão Grande, ficou exposta com trágica evidência, a solidão, o abandono a que são votados os cidadãos perante a inevitabilidade da morte, entregues a si próprios, indefesos, à mercê das chamas. Perceber o fim, sem lhe poder resistir, caminhar, compulsivamente para ele, em muitos casos acompanhado dos entes queridos, é dor que a imaginação não alcança, nos suscita solidariedade e angústia, e nos devia humanizar. Estas pessoas são dignas de recolhimento e do luto de todos. Inútil, talvez, mas um bálsamo para os seus familiares e sobreviventes. Um tempo de reflexão para todos.
   Deprimente foi o desfilar de entidades múltiplas, em que esteve patente, desde a primeira hora, a preocupação de preservação geral da imagem pública e da hierarquia, a alusão precipitada a causas extraordinárias do sinistro, a falsa garantia de total empenho das forças de proteção, a resistência injustificada à divulgação de informação, a cruel responsabilização das vítimas aludindo a hipotética curiosidade e desrespeito destas de ordens das autoridades, a relutância na assunção de responsabilidades, culminando com a “programada” ida para férias do senhor Primeiro Ministro, que mais pareceu destinar-se à atenuação do desgaste político da sua  imagem perante a opinião pública.
   Tudo isto, explícita ou implicitamente, mostrou como a preservação da dignidade dos cidadãos, objetivo constitucional primordial está, atualmente secundarizado, subordinada à disputa do poder das novas oligarquias. Uma distorção que afastou governantes de governados e que terminará em opressão ou revolução se os mecanismos democráticos não a corrigirem. A tentação do despotismo é uma condição permanente do homem e dos grupos sociais que constitui, que nenhum regime político consegue, por si só, suprimir. Só instituições democráticas independentes e fieis à Declaração Universal dos Direitos do Homem a pode controlar. Os sinais de falência institucional têm sido sucessivos e cumulativos, abalando os pilares do regime, essencialmente, por revelarem um défice de cultura democrática e de valores morais de grande parte das elites, sem os quais, nada funciona.
   Quando se subjugam os cidadãos com a interminável escalada tributária sem que se revele empenho no combate à corrupção e ao esbanjamento de dinheiros públicos, recusando, muitas vezes, o escrutínio político, outras, pondo em causa a ação dos Tribunais, revela-se a total ausência de respeito pela dignidade daqueles e falta de sustentabilidade democrática do regime.
   A Falência sucessiva de entidades bancárias e na estrutura empresarial em geral, acompanhada de declaração de impotência das autoridades de supervisão, deixa os cidadãos, empregados e empregadores, entregues à sua sorte, ao instinto, à perspicácia, à permanente incerteza da retribuição do seu trabalho, do qual, o Estado, indiferente, a bem ou a mal, não se dispensa de colher os seus frutos. Um ambiente de terrorismo económico e fiscal que, a persistir, acabará, mais tarde ou mais cedo, num baixar de braços generalizado.

   Aumentar continuamente a idade da reforma introduzindo simultaneamente crescentes dificuldades ao exercício das profissões, conduzindo à exclusão profissional e social precoce dos cidadãos, revela profundo cinismo, oculto poe pretextos  múltiplos, como os da produtividade e da proteção ambiental.
   Julgo que já se disse tudo sobre as causas dos incêndios; aumento das temperaturas máximas, abandono rural, ação criminosa, insuficiência de meios de prevenção e combate, errado planeamento e gestão florestal, resistência ao estabelecimento de centrais a biomassa, etc. Adivinha-se nova escalada de constrangimentos para os proprietários, em grande parte, vítimas da incúria do Estado na sua obrigação de proteção de bens, mas também do ódio ancestral de alguma classe política, que, pacientemente, aguarda, há décadas, o momento de novos avanços pela coletivização da propriedade.
   Tenho porém, para mim, que, uma das causas remotas do abandono do interior se deveu à revolução liberal - 1820 a 1834 - na sua sanha de aniquilamento da aristocracia, que sustentava o antigo regime, expropriando-lhe o património ou eliminando-lhes a possibilidade de preservação do mesmo, abolindo a lei do morgadio. Com as sucessivas gerações, a propriedade rural, em geral, tornou-se economicamente inviável. Inevitável o abandono.
   Mas também a Revolução Industrial, ainda em curso; a compulsão do desenvolvimento tecnológico e da produtividade, a industrialização da produção alimentar e a produção agrícola intensiva, a predominância da economia dos serviços, constituem as causas mais remotas e persistentes do fenómeno.
   A dinâmica económica europeia atual, por vezes, remete ao paradigma futebolístico; daquelas equipas que têm um ataque exuberante e uma frágil defesa. Avançada tecnologia e abandono do mundo rural, conduzindo-nos à reavaliação da importância da fisiocracia.
Mais importante que a riqueza monetária de uma nação é a preservação da dignidade das suas gentes. Do património humano. E isso é, tão-somente, uma questão de cultura. E são as elites, acima de todos, que têm a responsabilidade de a demonstrar, pela sua ação e omissão. E é aqui que o atual regime falhou rotundamente apesar de todas as "juras" de amor à Liberdade.

Peniche, 13 de Agosto de 2017
António Barreto

terça-feira, 8 de agosto de 2017

A Ameaça Vermelha; Alberto Gonçalves, (Matéria-Prima Edições)


   Pensando tratar-se de um ensaio sobre o socialismo na Europa atual, e, especificamente, no Portugal de hoje, e, porque aprecio o estilo da escrita de Alberto Gonçalves, adquiri a “A Ameaça Vermelha”. Foi, por isso, algo desapontado, que “ataquei” a obra que consiste, afinal, numa mera compilação de crónicas avulso publicadas na imprensa, algumas das quais, até já tinha lido.
   No seu estilo sarcástico, contundente e algo temerário mas corajoso, Alberto Gonçalves revela todo o seu ceticismo pelas consequências que poderão advir para o país pela fórmula política que sustenta o atual Governo.  Considerando o socialismo uma via para o empobrecimento e ausência de Liberdade, ao serviço de elites pseudointelectuais e partidárias que nada mais pretendem além de poder a qualquer custo - convicção que partilho -, Alberto Gonçalves, exprime, de forma por vezes grosseira, um enorme desprezo pelo atual Primeiro Ministro e pelos líderes dos partidos que apoiam o seu Governo.
“É isto: em pleno século XXi, como se costuma dizer, a mera propriedade privada ainda é um assunto delicado na sociedade portuguesa. Por muito que adoremos derrubar tabus, e que qualquer dia se derrubem os interditos ao incesto e ao bestialismo, está para durar o tabu de cada um ter direito ao que adquiriu mediante trabalho, herança ou sorte.”

Peniche, 08/08/2017
António Barreto

quarta-feira, 19 de julho de 2017

O Estrangeiro (Albert Camus)

   Albert Camus é um escritor que trago "atravessado" desde o tempo da minha passagem por Cape Town, quando o Director local da Alliance Francaise, no decurso de uma espécie de exame aos meus conhecimentos da língua francesa, me falou dele. Com o passar do tempo, percebi que se trata de um dos mais importantes escritores contemporâneos de idioma francês.
 
   Talvez o prefácio de Jean Paul Sarte seja mais valioso do que a obra em si mesma. Esta, na minha insignificante opinião, parece-me constituir um eficaz meio de aprendizagem para aspirantes a escritores: Capítulos pequenos, frases curtas, termos simples, profusão de vírgulas criteriosamente colocadas, eficácia na transcrição das citações ou diálogos. História de um personagem "sem história", a quem a vida corria pachorrentamente, sem ambições nem sonhos, limitando-se à observação do quotidiano e a deixar-se ir pelo acaso. A aparente serenidade com que aceitou a morte da mãe, decorrente do estranho reconhecimento de que nada mais tinham a dizer um ao outro, a ausência de amor a Maria, apesar do relacionamento íntimo que mantinham, a complacência, ou resignação, ou a indiferença com que aceitava o seu casamento com ela, mostra um personagem incapaz de afetos vinculativos, profundos, ou sequer, ódio - o assassínio do Árabe, que o condenaria à morte, foi, sobretudo, motivada pelo acaso; medo e descontrolo. Apesar de tudo isto, só uma convicção o habitava; a inutilidade da Fé como meio de alívio do medo que sentia pela proximidade da morte. Pelo meio, descreveu com mestria e sensibilidade o meio envolvente, em especial, os episódios passados à beira-mar com Maria quase nos fazendo-nos, partilhar da quietude e fascínio do mar.  Salamano e o seu cão representam uma excelente metáfora do absurdo quase comovente; em permanente guerra com o cão, já sarnoso, o solitário Salamano, que há muito perdera a mulher, não podia passar sem ele, sofrendo imenso com o seu desaparecimento.
 
   Que nos quis dizer Camus? Não sei!, Num estilo quase maniqueísta, binário; sim, não, talvez que o nenhum tipo de amor é suficientemente importante para viver; ou, simplesmente, que não vale a pena viver. No entanto, quando submetido aos rigores da prisão, percebeu que bastaria um dia de vida para "sustentar" cem anos de cárcere. Um aparente paradoxo; por um lado, para Camus, um dia de vida parece igual a décadas de vida, significando total ausência de espectativa, por outro, num dia de vida conseguia vida para cem anos, indiciando inusitada capacidade de disfrutar dela, dos seus infinitos cambiantes e detalhes, decorrente, afinal, da privação da liberdade, ou seja, da drástica restrição de vida.
 
Introdução de Sartre:
 
   Camus somente propõe e não se inquieta com justificar o que, por princípio, é injustificável.
 
   A arte é uma generosidade in útil...
 
   ...por debaixo dos paradoxos de Camus encontro algumas avisadas observações de Kant com respeito à "finalidade sem fim do belo".
 
Citando Camus no "Mito de Císifo": Um homem é mais um homem pelas coisas que cala do que pelas coisas que diz.
 
É que, o silêncio, como diz Heiddegger, é o modo autêntico da palavra. Só se cala aquele que pode falar.
 
Para Camus o drama humano é, ao invés, a ausência de toda a transcendência: "Não sei se este mundo tem um sentido que me ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que, de momento, me é impossível conhecê-lo.
 
De O Estrangeiro:
 
   Compreendi então que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem custo passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se maçar. De certo modo, isto era uma vantagem.
 
   A mãe costumava dizer que nunca se é completamente infeliz. Mesmo na prisão continuava a concordar com ela, quando o céu se coloria e que um novo dia entrava na minha cela.
 
   Não há, no fundo, nenhuma ideia a que não nos habituemos.
 
   Também eu me sinto pronto a tudo reviver. Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do mundo.
 
Peniche, 19/07/2017  

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Os evangelhos Apócrifos (VII conclusão) (France Quéré, editorial Estampa)



SEGUNDA PARTE

Descida de Jesus aos Infernos

 
   Não me suscita qualquer interesse esta segunda parte, embora reconheça que possa dar uma exotérica e metafórica peça de teatro. Trata do impacto de Jesus no Inferno; Satanás e Hades (nem sei qual a diferença entre ambos; parece que um será o diabo e outro o inferno), discutem, recriminando-se mutuamente, pelos seus insucessos na difusão do mal na Terra, por intervenção de Jesus, cuja crucificação tinha inviabilizado definitivamente os seus projetos maléficos.

   …A voz retiniu de novo: “Abri as vossas portas.” Ouvindo esta palavra pela segunda vez, Hades perguntou, como se não soubesse: “Quem é este rei da glória?” Os mensageiros do mestre disseram-lhe: “É o Senhor, o forte, o corajoso, o Senhor herói das batalhas.” Mal tinha pronunciado estas palavras, as portas de bronze quebraram-se, e as barras de ferro partiram-se, e todos os mortos foram desligados das cadeias que os retinham, e nós com eles. E o rei da glória entrou, sob a forma de um homem, e as trevas do inferno tornaram-se esplendorosas.

    Logo Hades Gritou: “Fomos vencidos! Ai de nós! Mas quem és tu que possuis tal poder e tal império? Quem és tu, tu que aqui vieste isento de falta? Tu que pareces pequeno e realizas grandes coisas, tu que és humilde e sublime, escravo e mestre, soldado e rei, tu que comandas os mortos e os vivos? Tu foste crucificado e deposto no túmulo, e eis-te de novo livre, e aniquilaste o nosso reino. És tu esse Jesus de quem Satanás, nosso chefe supremo, nos falou, dizendo-nos que a cruz e a morte te fariam herdar o mundo inteiro?”
  
   Então, o rei da glória agarrou pelo alto da cabeça o chefe supremo, Satanás, e entregou-o aos anjos dizendo: "Metei-lhe cadeias nas mãos e nos pés, no pescoço e na boca." Depois dando-o a Hades disse: "Toma-o e vigia-o rigorosamente até ao meu regresso."

   Hades, então, recriminou Satanás por ter feito crucificar Jesus, uma vez que Ele desceu ao Inferno despojando-os, e que tal poder era previsível pela grande quantidade mortos que tinha ressuscitado.

   E enquanto eles falavam, o Senhor abençoou Adão, marcando a sua testa com o sinal da cruz. Teve o mesmo gesto com os patriarcas e os profetas, os mártires e os antepassados, e imediatamente os mandou sair do inferno, e enquanto caminhava, os santos padres cantavam por trás deles e diziam: "Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor , Aleluia.. A ele o louvor de todos os santos.

FIM

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Os evangelhos Apócrifos (VI) (France Quéré, editorial Estampa)


   cont.
O Crucificado

   Espantou-se o Centurião, glorificando-o e considerando-o justo, retiraram as multidões batendo no peito, afligiram-se Pilatos e a sua mulher, indiferentes manifestaram-se os Judeus perante aquele, amigos de Jesus e mulheres que o tinham acompanhado mantiveram-se à distância, e foi José de Arimateia, membro do Concelho, com Fé no Reino de Deus, que, inesperadamente, tendo pedido a Pilatos o corpo de Jesus, o desceu da cruz e, enrolando-o num lençol branco, o depositou num túmulo novo, que preparara para si próprio e se chamava “O Jardim de José”. E foi este José, o José de Arimateia, que, além de Nicodemo, este moderadamente, enfrentou e recriminou os Judeus quando estes os procuravam bem como aos apóstolos e a todos os que tinham ajudado Jesus diante de Pilatos, agora escondidos, para os confrontar: - Fica a saber que apenas a hora nos impede de te castigar, pois o sábado começa. Mas, sabe-o também, tu nem sequer uma sepultura mereces. Deitaremos a tua carne aos pássaros do céu. Disseram-lhe os Judeus. Retorquiu José: Vós falais com a arrogância de Golias, que insultou o Deus vivo e o santo David….Na verdade, receio que a cólera (divina) já se abata sobre vós e sobre os vossos filhos, como dissestes. Tal ousadia custou-lhe a prisão e a sentença de morte pelos mesmos que tinham exigido a crucificação de Jesus.

Deposição de Cristo, Paolo Varonese

(É curioso como, quer os Apóstolos, quer outros partidários de Jesus, se mantiveram, discretamente, à distância, após a condenação daquele, sem um único gesto de revolta! Terá sido por medo? Por debilidade da crença? Ou antes resignação perante o conhecimento da inevitabilidade das provações Divinas, transmitidas, metaforicamente, por Jesus, na Última Ceia? E porque ficou José de Arimateia, o único que defendeu Cristo abertamente, com risco da própria vida, na obscuridade da doutrina católica?)

   Ora sucedeu que, quando os sumos sacerdotes, mandaram buscar José para assistir à deliberação sobre o tipo de morte que lhe aplicariam, verificaram que tinha desaparecido, apesar da porta permanecer selada com a chave na posse de Caifás! O povo, estupefacto e aterrado, finalmente, deixou em paz os que, perante Pilatos tinham defendido Jesus.

   Ainda, os sumos sacerdotes, digeriam estes acontecimentos procurando uma forma de controlar os danos, quando os soldados que guardavam o túmulo de Jesus - para impedir os discípulos deste levarem o seu corpo -, os informaram das coisas extraordinárias que tinham presenciado, e os deixara semimortos, em que, pela meia-noite, um anjo resplandecente, vindo do céu, rolou a pedra do túmulo e, sentando-se sobre ela, anunciou às mulheres, cuja identidade desconheciam e que iam cuidar e velar o corpo de Jesus, que este tinha ressuscitado e estava na Galileia, pedindo-lhes para avisarem os seus Discípulos.
Ressurreição

   Incrédulos e temerosos, os sumos sacerdotes, subornaram os guardas para divulgarem que tinham sido os discípulos de Jesus a levar o seu corpo enquanto dormiam, sossegando-os, caso o assunto chegasse aos ouvidos do Governador, pois eles se encarregariam de os proteger.

   O caso é que, entre os sacerdotes e Levitas, Adas e Ageu, mais um doutor, vindos da Galileia, relataram aos chefes da sinagoga ter visto Jesus, na montanha Milkom, falar aos seus Discípulos, instruindo-os para difundirem a sua doutrina pelo mundo inteiro, batizarem os convertidos e fazendo-lhes milagres, conferir-lhes imunidade a venenos e capacidade de agarrar serpentes, sendo elevado aos céus, falando-lhes ainda.
Jesus na montanha Milkon

   Contrariados, os sacerdotes reagiram com aspereza, fazendo-os jurar silêncio, subornando-os, dando-lhes de comer e beber e reenviando-os para a Galileia acompanhados de três dos seus sequazes. Desconcertados com tais relatos, sacerdotes, chefes da sinagoga e anciãos, não descortinando explicações para os mesmos, limitaram-se a balbuciar que não se deviam fiar em incircuncidados. Foi então que Nicodemos sublinhou a genuinidade do povo do Senhor, que, sob juramento, tinha testemunhado os mesmos acontecimentos, lembrando-lhes os ensinamentos das Sagradas Escrituras acerca da elevação aos céus de Elias. Sugeriu então que mandassem procurar Jesus por todo o território de Israel, para o caso de ter sido levado por um espírito, para uma das montanhas. Sem sucesso. Encontraram José de Arimateia, mas não ousaram prendê-lo.

   Os sacerdotes e companhia, felizes por terem notícias de José e desejosos de saberem o que se tinha passado com ele, mandaram emissários entregar-lhe uma mensagem onde lhe pediam para regressar à sua família, retratando-se, tratando-o por pai José e confessando-se transidos por não o terem encontrado na sala onde o tinham prendido. José mostrou-se feliz com o teor da mensagem, sentindo-se, finalmente, livre de perigo.  Hospedou-os, rezou com eles pela manhã e regressou a Jerusalém montado numa jumenta, tendo sido recebido pelo povo com grandes manifestações de alegria. - A paz esteja contigo. Benvindo sejas. E ele respondia: A Paz esteja convosco! Recebeu-o Nicodemo que, radiante, ofereceu um festim em sua casa, em sua honra para a qual convidou Anás, Caifás, os Anciãos, os sacerdotes e os levitas, que decorreu num ambiente de festa.
Maria Madalena

   No dia seguinte, sacerdotes, entre os quais Anás e Caifás, chefes da sinagoga e levitas, regressaram a casa de Nicodemo, onde José ficara hospedado, pedindo-lhe, invocando as escrituras, que lhes contasse o que se tinha passado aquando do seu desaparecimento. José então explicou que, pela meia-noite de sábado, quando se encontrava a rezar - tinha sido trancado na décima hora de 6ª feira -, a casa onde estava entrou em grande convulsão, tendo ficado quase cego com uma espécie de clarão, caindo por terra apavorado. Então, alguém lhe pegou na mão, levantando-o, momento em que sentiu água fresca correr sobre si da cabeça aos pés, enquanto emanações de mirra lhe chegavam às narinas. Limpando-lhe a cara e abraçando-o, o inesperado visitante disse-lhe: - Não tenhas medo, José. Abre os teus olhos e vê quem é aquele que te fala. Levantando o olhar, José viu Jesus, ficando ainda mais aterrado pensando tratar-se dum fantasma pondo-se a recitar os mandamentos, no que foi acompanhado pelo “fantasma”.  Ora como os fantasmas fugiam ao ouvir recitar os mandamentos, José pensou tratar-se de Elias, o Rabi. – Eu não sou Elias. – Quem és tu, Senhor? – Eu sou Jesus. Disse-lhe o que parecera um fantasma, contando-lhe o que lhe tinha acontecido após a crucificação. José, ainda inseguro, pediu-lhe para lhe mostrar o lugar onde o colocara. E mostrou; ainda lá se encontravam o lençol e o sudário. E José teve a certeza de que estava na presença de Jesus, que, com todas as portas fechadas o levou para sua casa, para junto da sua cama, dizendo-lhe: - A Paz esteja contigo! Abraçando-o, Jesus disse-lhe para permanecer em casa quarenta dias e que ia juntar-se aos seus irmãos da Galileia.
José de Arimateia
   Perante o relato de José, os sacerdotes e companhia, desfaleceram e abstiveram-se de comer até à nona hora. Foi então que Nicodemo os interpelou, incitando-os a ganhar coragem com a proximidade do dia do Senhor, o sábado, o que os fez levantar e comer e beber depois de terem louvado a Deus, regressando, finalmente, cada um para sua casa.

   No dia seguinte, sábado, doutores, sacerdotes e levitas, sentindo o odioso que se tinha abatido sobre eles, reuniram-se para tentar perceber as causas, tendo sido informados por Levi, um doutor da lei, cujo mestre fora Simeão, o chefe da sinagoga, que conhecera os pais de Jesus; que estes, eram tementes a Deus, praticavam a oração, pagavam o dízimo três vezes por ano e ofereciam sacrifícios e holocaustos ao Senhor.  Simeão, disse Levi, tomando Jesus nos seus braços, declarou-se ao Mestre pronto a partir, pois reconhecera naquele menino a salvação de todos os povos e a glória do povo de Israel. Simeão abençoou Jesus e seus pais, anunciando a boa nova a Maria: - Esta criança veio para a queda e a ressurreição de muitos em Israel, e para ser um sinal de contradição. E tu próprio, uma espada te trespassará a alma, a fim de que muitos a corações sejam revelados os pensamentos.
Simeão, Jesus, Maria e José
   Sempre renitentes, mas insistindo na compreensão da verdade, os sacerdotes mandaram chamar o pai de Levi para se pronunciar quanto ao testemunho do seu filho, que ambos confirmaram. Decidiram então voltar a ouvir o testemunho aos rabi Abas, Fines e Ageu, enviando emissários à Galileia, que os encontraram e trouxeram a Jerusalém, à presença dos sacerdotes, a quem confirmaram, separadamente, o que anteriormente lhes tinham contado do que tinham visto na montanha Milkon; Jesus sentado ensinando os discípulos  tendo sido cobertos por uma nuvem que O levou para o céu, com estes prostrados de fronte contra a terra. Perante a coincidência dos três testemunhos, os sacerdotes, consideraram-nos verdadeiros  invocando a Lei de Moisés que estabelecia como suficientes para considerar verdadeira uma causa, dois ou três testemunhos coincidentes.

   Sacerdotes e levitas disseram entre si que, se a memória de Jesus durasse até Sommos - Jobel - o seu reino seria eterno e se levantaria um povo novo. De seguida, exortaram todo o Israel amaldiçoando  o que adorasse obras feitas pela mão do homem ou a criatura em vez do Criador, tendo respondido todo o povo: - Amen! Ámen! E cantaram hinos ao Senhor dizendo:

- Bendito seja o Senhor que deu o repouso ao Povo de Israel, como o tinha prometido. Não se perdeu uma única palavra de todas aquelas que ele tinha dito a Moisés, seu servo. Que o Deus Nosso Senhor esteja connosco como estava com os nossos pais. Que ele não nos conduza à nossa perda a fim de que possamos converter-lhe o nosso coração e caminhar em todos os seus caminhos, guardar os seus mandamentos e os julgamentos que ele legou aos nossos pais. E o Senhor reinará em toda a Terra nesses dias. E ele será o único Senhor e o único nome, o Senhor nosso rei! Ele mesmo nos salvará. Não há ninguém que se te assemelhe, Senhor, tu és grande, Senhor, e nós seremos curados! Salva-nos, Senhor, e nós seremos salvos! Pois somos a tua parte e a tua herança. E o Senhor não abandonará o seu povo, por causa do seu nome magnífico. Pois o Senhor começou por fazer de nós o seu povo. E voltaram a suas casas louvando a Deus, cuja glória permanece pelos séculos dos séculos, ámen!
Moisés

(Ora então que podemos concluir daqui, que os sacerdotes, levitas, anciãos, chefes da sinagoga e doutores, interpretavam e faziam cumprir as escrituras ao povo de Israel; que tomavam as suas decisões em assembleia após aturado debate, respeitando os preceitos religiosos; que tributavam a população com a aplicação do dízimo três vezes por ano e através de sacrifícios ou holocaustos; que ficaram aterrados com o abalo que a doutrina de Jesus iria provocar na ordem pública; que recorreram ao Governador romano porque podia condenar Jesus à morte por ofensa ao Imperador, enquanto as suas próprias leis não a prescreviam a quem ofendesse a Deus, e eles queriam matá-lo; que ficaram assustados e em dúvida quanto à verdadeira identidade de Jesus; que, incluindo Anás e Caifás, procuraram esclarecer essa dúvida com os meios de que dispunham e de acordo com as regras em uso; que, em face da coincidência de vários testemunhos, aceitaram Jesus como filho do Senhor e que tinha ressuscitado; que se arrependeram do sofrimento que lhe tinham causado e a José de Arimateia; que, seguindo a lei de Moisés aboliam a adoração de imagens feitas pelo homem bem como a pessoas além de Deus - os santos -; que José de Arimateia regressou a Jerusalém num ambiente semelhante ao que acontecera com Jesus Cristo; montado numa jumenta e glorificado pelo povo; que ficam por explicar as omissões da igreja Católica, aqui bem patentes).
(continua)

domingo, 2 de julho de 2017

Os evangelhos Apócrifos (V) (France Quéré, editorial Estampa)


Os Actos de Pilatos
   Pôncio Pilatos
   Mais tarde também chamados Evangelho de Nicodemo, são compostos de duas partes e terão sido escritos no século IV, como réplica a falsos escritos que o imperador Maximino Daia (311-312) tinha mandado elaborar e imposto nas escolas para vilipendiar Jesus Cristo. Com transcrições em várias línguas, apresenta Pilatos como principal testemunha da inocência, da excelência e da divindade de Jesus. Relata a conversão de Nicodemo e José de Arimateia e na segunda parte, pela pena dos filhos gémeos de Simeão, relata o caráter apocalítico da descida de Jesus aos infernos.
Memórias de nosso Senhor Jesus Cristo regidas sob Pôncio Pilatos
Prólogo
   Ananias, soldado da guarda real de ordem pretoriana e jurisconsulto anuncia-se o autor desta obra, traduzindo do hebraico para grego os escritos judaicos do tempo de Pôncio Pilatos, tendo-se convertido ao tomar conhecimento do Senhor Jesus Cristo pelas Sagradas escrituras, e recebido a honra do santo batismo. Tal sucedeu no ano 17 do imperador Flávio Teodósio e no ano 5 do reinado de Flávio Valentino.
   Vós, que lereis esta obra e dela fareis cópias, não esqueçais e rezai para que Deus tenha compaixão de mim e perdoe os pecados que cometi diante dele.
Paz àqueles que leem, àqueles que ouvem e às suas famílias, ámen.
Primeira parte
Caifás
Os sumos sacerdotes e os escribas apresentaram-se a Pilatos acusando Jesus, filho de José, o carpinteiro e de Maria, de se afirmar filho de Deus e rei e de ameaçar a lei do país violando o sábado ao curar, por meio de duvidosas manipulações, coxos, corcundas, pessoas com as mãos ressequidas, cegos, impotentes, surdos e endemoninhados, atribuindo tais façanhas a ligações a Belzebu, seu chefe, a quem todos obedeciam. Replicou Pilatos estar vedado aos espíritos impuros a expulsão de demónios.
   Pilatos chamou o mensageiro e disse-lhe: “Traz-me Jesus, mas trata-o respeitosamente.” O mensageiro saiu, e quando avistou Jesus prostrou-se diante dele. Depois, pegou na peça de tecido que segurava no seu braço, estendeu-a no chão, e disse: “Senhor, caminha sobre isso e entra, pois o governador chama-te,”
Tal enfureceu os sacerdotes que recomendaram o recurso a um simples arauto, que teria atuado sem deferências. Interrogado por Pilatos acerca de tal comportamento, o mensageiro disse ter visto em Jerusalém, para onde o enviara à procura de Alexandre, aquele homem, Jesus, sentado num pequeno jumento, sendo aclamado pelos filhos dos hebreus que seguravam ramos e estendiam as suas vestes no chão, dizendo: “Salva-nos, tu que estás nas alturas! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!”
Um episódio com as águias dos porta-estandartes, salvou-os da morte por se ter revelado autêntica a adoração daquelas a Jesus, ao debruçarem-se sobre ele por duas vezes, atemorizando, por sua vez, Pilatos, cuja mulher, de seguida, o advertiu do sonho que tivera acerca da inocência de Jesus. Tal não demoveu os judeus, de o continuaram a invectivar provocando a perplexidade de Pilatos, que perguntou a Jesus a razão do seu silêncio, tendo este respondido: “…cada um tem o poder da sua boca, é livre de dizer o bem e o mal. Eles que vejam!”
(Ora aqui está patenteada a questão do livre-arbítrio, como prerrogativa divina do Homem.)
Determinados, os sacerdotes, liderados por Anás e Caifás, acusaram Jesus de nascimento ilegítimo, negado pelos doze apóstolos, aceite, então, por aqueles, apesar de, estes, se terem negado ao juramento por ser pecaminoso. Gorada a acusação de ilegitimidade de Jesus, foi então acusado de desregramento por feitiçaria e por ter-se “gabado” de ser filho de Deus. Interrogados por Pilatos acerca desta determinação dos eclesiastas, os Apóstolos atribuíram-na às curas aos sábados, levando Pilatos, perplexo, a atribuir à caridade de Jesus, a determinação persecutória dos sacerdotes.
Indignado, Pilatos saiu do pretório e disse-lhes: “O sol é minha testemunha, não encontro nada de que se possa acusar este homem.”
Reafirmando Jesus como criminoso, os sumos-sacerdotes, desafiados por Pilatos a julga-lo segundo as leis locais, recusaram-se a fazê-lo por lhes estar vedada a pena de morte.
(Interessante a dimensão do ódio e, ou, medo, dos eclesiastas a Jesus; a sua lei proibia a sentença de morte, revelando óbvias e surpreendentes preocupações humanitárias, mas, no caso de Jesus, abdicavam da prerrogativa do seu julgamento, para lhe infligirem a pena de morte sem pecarem!)
Perplexo e contrariado, Pilatos voltou a Jesus perguntando-lhe se era o rei dos Judeus e que tinha feito para o quererem condenar com tal veemência, respondendo este, não ser deste mundo o seu reino, evidenciando a ausência de exércitos para impedirem a sua entrega aos judeus.
“- …Tu o dizes. Eu sou rei. Eu não nasci e não vim ao mundo senão  para fazer ouvir a minha voz a todos os que são da verdade.”
- O que é a verdade?- Perguntou-lhe Pilatos.
- A verdade é do céu, respondeu Jesus. Pilatos retomou: - “E sobre a terra não há verdade?” Jesus disse a Pilatos: - “Tu vês como os senhores do poder sobre a terra julgam aqueles que dizem a verdade!”
   (Está aqui bem patente, esta incapacidade persistente, de reconhecimento da verdade quando inconveniente aos poderes do momento.)
O julgamento de Jesus
   Perante e renitência de Pilatos os Judeus acusaram-no, então, de ter declarado que podia demolir e reconstruir o Templo de Salomão - que levara 46 anos a construir - em três dias, sem que tal o demovesse. Que blasfemara contra Deus e por isso merecia a pena de morte, correntemente aplicada a quem blasfemava contra César.
   - Que farei eu de ti? Perguntou o Governador. - Faz conforme o que recebeste. Respondeu Jesus. - E que recebi eu? - Moisés e os profetas anunciaram a minha morte e a minha ressurreição.
   Que o levassem para o julgarem conforma a sua lei, disse Pilatos; que não, porque a sua lei só prescrevia a lapidação para quem ofendesse a Deus e eles queriam crucifica-lo, respondiam os Judeus; mas afinal, nem todos querem a morte de Jesus, disse Pilatos ao ver alguns deles em lágrimas; mas, sim, queremos, viemos todos em conjunto pedi-lo por se ter afirmado filho de Deus e rei. Intercedeu Nicodemos pela libertação de Jesus, imerecedor da morte e que, tal como sucedeu a Jamnés e Jambrés, servos do Faraó, acabaria por perecer se os seus prodígios não tivessem origem divina. - Mas tu és seu discípulo, por isso tomaste o seu partido, responderam os Judeus estremecendo e arreganhando-lhe os dentes, instigando-o a tomar a verdade de Jesus e partilhar da mesma sorte.
   Um Judeu testemunhou perante todos como Jesus se comovera com a sua doença, que o mantivera tolhido de dor e acamado durante trinta e oito anos, e o curara, tal como a muitos endemoninhados e outras vítimas de maleitas diversas. Que tinha sido ao sábado, disseram os Judeus a Pilatos. Outro saltou e disse que, sendo cego de nascença, recuperara a vista quando Jesus pousou a mão na sua cabeça, após ter gritado com toda a força; - Tem piedade de mim filho de David. Um ex-corcunda, um ex-leproso, uma mulher que sofrera de hemorragias doze anos, todos afirmaram ter sido curados por Jesus. Que os testemunhos de mulher não contavam, disseram os Judeus. (Curiosa, esta desvalorização da mulher consagrada nas escrituras antes de Cristo). Que era um profeta, que submetia os demónios, que tinha reerguido Lázaro morto há quatro dias, que não sabiam porque os seus doutores em leis não lhe obedeciam, dizia a multidão, fazendo estremecer Pilatos, que lhes perguntou: - Porque quereis vós derramar sangue inocente? Pediu conselho a Nicodemos e aos 12 (11) homens (Apóstolos) que tinham testemunhado a legitimidade do nascimento de Jesus, que o remeteram para o veredito popular. Inquiriu o povo Judeu lembrando-lhes a tradição de libertação de um prisioneiro, pelos Ázimos, intercedendo, implicitamente, por Jesus. - Barrabás! Bramiram eles. - Que farei eu então de Jesus, aquele a quem chamam Cristo? - Crucifica-o! Não és amigo de César se o soltares. Ele diz-se filho de Deus e rei. É então aquele rei que tu queres e não César?
Nicodemo

   - Povo sempre rebelde, vós insurgis-vos até mesmo contra os vossos benfeitores! Disse-lhes Pilatos, evidenciando a falta de autoridade moral para o criticarem pela ingratidão que tinham demonstrado a Deus, que os tinha salvo em todas as provações por que passaram desde a saída do Egito até à adoração do bezerro fundido. - Nós reconhecemos como rei, César e não Jesus! Ora os magos trouxeram-lhe presentes do Oriente, como a um soberano. Mais disseram que este Jesus era quem Herodes queria matar quando ordenou o massacre das crianças e que José salvara ao fugir para o Egito. - Sim, É este! Responderam enquanto Pilatos lavava as mãos em água, frente ao sol dizendo: - Eu estou puro do sangue deste justo! Cabe a vós decidir! - Que o seu sangue recaia sobre nós e os nossos filhos!  Bramaram os Judeus.
(Grande era o ódio e, ou, medo dos sumos sacerdotes, de Jesus que os impelia a abdicarem de aplicar a sua própria lei, por não permitir a condenação à pena de morte, razão do recurso à lei romana. De facto, o discurso de Jesus ameaçava desmantelar a estrutura eclesiástica vigente, na qual tinham papel de destaque.)
   Pilatos, deu-se, então, por vencido, informando Jesus da sentença que lhe destinara; flagelação, segundo os costumes dos piedosos imperadores, seguida de crucificação no jardim onde tinha sido preso (o Jardim das Oliveiras), em simultâneo com a crucificação dos malfeitores Dimas e Gestas.
   Despojado de suas vestes, cingido de linho e ostentando a coroa de espinhos que lhe fora imposta, Jesus foi crucificado e disse: - Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Os soldados dividiram as suas roupas entre si, deram-lhe vinho azedo misturado com fel e, tal como os sumos sacerdotes, escarneceram dele desafiando-o a salvar-se, uma vez que, como dizia o letreiro. encimando a cruz, em grego romano e hebraico, era rei dos Judeus. Gestas,  (o mau ladrão) desafiou-o a salvar-se,  e a eles, se é que era Cristo, sendo de imediato repreendido por Dimas; que temesse a Deus, e recordou-lhe a justiça da sua condenação face à injustiça da condenação de Jesus, que nenhum mal fizera. - Senhor, lembra-te de mim no teu reino. Disse Dimas. - Em verdade, em verdade te digo, de hoje em diante tu estarás comigo no paraíso. Respondeu-lhe Jesus.
Soldados dividindo as vestes de Jesus

   Vieram as trevas, entre a sexta e a nona horas, por eclipse do sol, rasgando-se ao meio o véu do templo, exclamando Jesus com voz forte: - Pai, Baddoch efkid ruel (Pai, nas Tuas mãos entrego o meu espírito). E expirou!
(Diego Velasquez, 1632)
(continua)

domingo, 25 de junho de 2017

Os evangelhos Apócrifos (IV) (France Quéré, editorial Estampa)


Evangelhos da Paixão

Evangelho de Pedro

Deposição de Cristo, 1525, Correggio)

   Texto descoberto no Alto Egipto em Akemim em 1886, no túmulo de um monge, de origem síria e datado do ano 130. É o mais antigo texto apócrifo da Paixão; hostiliza os Judeus e atenua a culpa de Pilatos bem como o sofrimento de Jesus.
Quando eles levantaram a cruz, nela inscreveram: “Este é o rei de Israel.
Depuseram as suas vestes diante dele e dividiram-nas entre si tirando à sorte.
Um destes malfeitores admoestou-os nestes termos: “Os nossos crimes mereceram-nos este suplício, mas ele, que é o salvador dos homens, que mal vos fez ele?”
Eles, cheios de irritação, ordenaram que não se lhes partisse as pernas, com receio que a morte pusesse fim aos seus sofrimentos.
Era meio-dia e a escuridão estendeu-se por toda a Judeia. Eles estavam inquietos: tinham medo que o Sol se pusesse enquanto ele ainda vivia. A sua Lei diz, com efeito, que o sol não se deve pôr sobre um justiçado.
E um dentre eles disse: “Dai-lhe de beber fel misturado com vinagre”. Prepararam a bebida e deram-lha.
Interessante esta preocupação de limitar o sofrimento dos condenados, ao sol-pôr!
E o Senhor gritou dizendo: “Força, ó minha força, tu me abandonaste!” Tendo falado, foi elevado.
Nesse instante, o véu do Templo de Jerusalém rasgou-se em dois.
Então eles retiraram os cravos das mãos do Senhor e estenderam-no no chão. E toda a terra tremeu e houve um grande pavor.
Depois o Sol tornou a brilhar: era a nona hora.
                
Nem a história nem a arte renascentista italiana faz justiça a este homem bom que foi José de Arimateia.

José (de Arimeteia) tomou o Senhor, lavou-o, envolveu-o num lençol e levou-o para o seu próprio túmulo, chamado jardim de José.
Então os Judeus , os Anciãos e os Sacerdotes, conscientes do mal que tinham feito a si próprios, começaram a bater com a mão no peito e a dizer: “Ai das nossas faltas! O juízo aproxima-se, e o fim de Jerusalém."
Os Escribas, os Fariseus e os Anciãos reuniram-se entre eles, porque tinham compreendido que todo o povo murmurava e batia com a mão no peito, dizendo: “Se estes sinais extraordinários se deram pela sua morte, vede como ele era justo!”
E confrangedor ver, que, então, como hoje, a multidão não tem capacidade de avaliar, por si, os atos de outrem, necessitando de sinais místicos ou de entidades consideradas “iluminadas”.  A autêntica génese de todos os despotismos.
Petrónio foi o centurião enviado, com um corpo de soldados, por Pilatos, a pedido dos Anciãos para guardar o túmulo de Jesus, prevenindo o eventual roubo do seu corpo pelos seus discípulos, o qual poderia ser atribuído à Ressurreição ao terceiro dia, anunciada por Jesus, afetando a credibilidade daqueles. Contudo, coisas extraordinárias aconteceram, vozes e um homem, vindos dos céus, entrando este no sepulcro, de tal forma que, os guardas, assustados correram a contar a Pilatos o que tinham visto.
Pilatos respondeu: “Eu estou puro do sangue do Filho de Deus. Sois vós que o haveis querido.”
Maria Madalena, a discípula do Senhor, foi, com as suas amigas ao túmulo do Senhor cumprir os seus deveres conforme os costumes, encontrando o túmulo aberto, com um jovem , belo e de veste deslumbrante, sentado a meio, que as informou da ressurreição de Jesus, tendo-as amedrontado e provoca a sua fuga, apavoradas.
Pedro e os Discípulos, Judas tinha morrido, choraram desolados, seguindo para suas casas. Simão Pedro e André, pegaram nas redes e fizeram-se ao alto-mar.
(Continua)