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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

As sardinhas de Gabriel

"...,Pietro Crespi continuou a almoçar lá em casa às terças-feiras, ultrapassando o fracasso com uma serena dignidade. Manteve a fita preta no chapéu como prova de apreço pela família e era com alegria que demonstrava o seu afeto por Úrsula, levando-lhe prendas exóticas: sardinhas portuguesas, marmelada de rosas turcas e, em certa ocasião, um magnífico xaile de Manila." (Cem Anos de Solidão)
 
 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

domingo, 28 de janeiro de 2018

Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marquez, Livros RTP)


Dupla surpresa; edição RTP - muito boa estrutura; capa, papel e letra - e Continente; nunca pensei encontrar bons livros por aqui. Enganei-me. Já lá vi outro, do William Faulkner. Também RTP.

   Prémio Nobel em 1982, Cem Anos de Solidão e o seu autor, atingiram uma projeção e difusão mundial inusitadas. De tal modo que, andava por cá quase um sentimento de culpa por não o ter lido. Calhou. E agora, depois de o ler, pergunto-me a que deverá tamanha fama; se pela qualidade da obra se por comiseração pelo povo colombiano. Aposto nesta última.

   Ficção inspirada na aldeia natal de Marquez e na história da sua própria família, a obra revela-se de um impressionismo surrealista grotesco e decadente. Macondo é ficção de Aracataca e José Arcádio Buendia, personagem central, é a de seu avô coronel Nicoláz Marquez Mejia tal como Úrsula é a de sua avó Iguarán Cotes. O enredo do romance tem coincidências com a história familiar e da Colômbia; o duelo de morte que dá origem à migração de José Arcádio e à fundação de Macondo, é a réplica do que seu avô travou e no qual matou Medardo Pacheco, levando-o a Aracataca, com o remorso. A guerra entre liberais e conservadores, a guerra dos mil dias, foi travada de 1899 a 1902, na qual seu avô participou pelos liberais, serviu para criar outro personagem central; o “mítico” coronel Aureliano Buendia, sucessivamente derrotado, acabando, tal como Nicoláz Marquez, a fabricar peixinhos de ouro na oficina da grande casa branca, fulcro da história e da vida dos Mejia. Semelhantemente, o “quarto dos penicos” não é nem mais nem menos que o local onde eram guardados os penicos das colegas de colégio da mãe de Gabriel, Luiza Santiago Marquez Iguarán, quando lá passaram férias. No livro, o episódio passa-se com Renata Remédios, a Meme. O Massacre das Bananeiras, referido no livro no qual José Arcádio Segundo foi o líder dos grevistas, efetivamente, aconteceu em Ciénaga, nos anos vinte, na sequência de uma greve dos trabalhadores da empresa americana United Fruit Company. O exército, comandado pelo general Cortés Vargas  abriu fogo contra 5000 grevistas, incluindo mulheres e crianças, desconhecendo-se o número exato de mortes. Algo entre 300 e 3000, carregados em vagões e transportados até ao mar onde foram despejados.

   Apesar do tédio, a fluidez e simplicidade da linguagem, bem como o confronto, sempre fascinante com, termos novos, aqui e ali, conduziram-me até à página ducentésima, altura em que, comecei a perceber a essência da obra.  Uma obra triste, trágica mesmo, na qual não há uma réstia de esperança nem de enaltecimento. Tudo é decadência. Nem a guerra, nem o trabalho, nem a cultura, nem a religião são causa de motivação ou de enaltecimento. Os projetos nascem destituídos de perenidade. Um vago misticismo, uns amores intensos e transitórios, outros de compensação, outros incestuosos, uns arremedos de iniciativa económica, tudo acaba num recém-nascido  “rabo de porco”, inevitável fruto do incesto, sem futuro, portanto.

   No fundo, trata-se do tremendo testemunho dum povo que vive no limiar da sobrevivência, em povoados onde nada acontece, esquecidos do mundo, e que terá justificado o recurso de Gabriel Garcia Marquez, à exuberante fantasia que povoa a obra. Destacam-se seja pelo narrador, seja pelos personagens, curiosas reflexões acerca do homem, sua natureza profunda e das sociedades em que se agrega. Hoje Aracataca, está no mapa do turismo internacional, sendo facilmente acessível, onde há um roteiro que recria os principais episódios da obra. No fim de contas, aqui reside, quanto a mim, a virtude da obra; chamar a atenção para um povo longínquo e bom, retirando-o do isolamento, tal como, a muitos dos seus visitantes, não menos isolados nas suas prósperas metrópoles.

"Atualmente, a única diferença entre liberais e conservadores é que os liberais vão à missa das cinco e os conservadores vão à das oito."  

"No fundo, enganava-se a si própria, tentando prepará-la para a felicidade doméstica, porque estava convencida de que uma vez satisfeita a paixão, não havia homem na Terra capaz de suportar nem que fosse por um dia uma negligência que estava para além de toda a compreensão." 

"Com o seu tremendo sentido prático ela não conseguia perceber o negócio do coronel, que trocava os peixinhos por moedas de ouro e depois transformava as moedas de ouro em peixinhos e assim sucessivamente, de modo que cada vez tinha de trabalhar mais à medida que mais vendia, para satisfazer um circulo vicioso e exasperante. Na verdade, o que a ele lhe interessava não era o negócio mas sim o trabalho. Precisava de tanta concentração para engastar as escamas, incrustar minúsculos rubis nos olhos, laminar as guelras e montar as barbatanas, que não lhe sobrava um só vazio para o encher com a desilusão da guerra." 

"Taciturno, silencioso, insensível ao novo sopro de vitalidade que sacudia a casa, o coronel Aureliano Buendia compreendeu, isso sim, que o segredo de uma boa velhice não é mais que um pacto honrado com a solidão." 

“Aureliano Segundo decidiu que a levaria para casa e que a protegeria, mas a sua boa intenção foi frustrada pela inteligência inquebrantável de Rebeca, que precisara de muitos anos de sofrimento e miséria para conquistar os privilégios da solidão, e não estava disposta a renunciar a eles em troca de uma velhice perturbada pelos falsos encantos da misericórdia.” 

“A outra guerra, a sangrenta de vinte anos, não lhes causou tantos estragos como a guerra corrosiva do eterno adiamento. O próprio Coronel Gerineldo Márquez, que escapou a três atentados, sobreviveu a cinco feridas e saiu ileso de incontáveis batalhas, sucumbiu ao assédio atroz da espera e afundou-se na derrota miserável da velhice a pensar em Amaranta, entre os rombos de luz duma casa emprestada.” 

“Fernanda, pelo seu lado, procurou-a apenas nos trajetos do seu itinerário quotidiano, sem saber que a busca das coisas perdidas está dificultada pelos hábitos rotineiros e é por isso que dá tanto trabalho a encontra-las.” 

“Era quase tão expedita como quando tinha sobre os seus ombros a responsabilidade da casa. Contudo, na impensável solidão da decrepitude, teve tal clarividência para analisar até os mais insignificantes acontecimentos da família que, pela primeira vez, viu claramente as verdades que as suas ocupações de outros tempos a tinham impedido de ver.

“Deu-se conta de que o coronel Aureliano Buendia não perdera o carinho pela família por causa do endurecimento da guerra, como ela antes julgava, mas sim que  nunca tinha gostado de ninguém, nem sequer da sua esposa Remédios, nem das incontáveis mulheres de uma noite que passaram pela sua vida, e dos filhos muito menos. Verificou que não tinha feito aquelas guerras todas por idealismo, como toda a gente pensava, nem havia renunciado à vitória eminente por cansaço, como toda a gente pensava, mas sim que tinha ganho e perdido pelo mesmo motivo, por mera e pecaminosa soberba. Chegou à conclusão de que aquele filho por quem ela teria dado a vida, era simplesmente um homem incapacitado para o amor.” 

“Amaranta, por outro lado, cuja dureza de coração a espantava, cuja concentrada amargura a amargava, foi revelada na última análise como a mulher mais terna que jamais existira, e compreendeu com uma magoada clarividência que as injustas torturas a que submetera Pietro Crespi não eram ditadas por uma vontade de vingança, como toda a gente pensava, nem o lento martírio com que frustrou a vida do coronel Gerineldo Márquez tinha sido determinado pela bílis da sua amargura, como toda a gente pensava, mas sim que ambas as atitudes foram uma luta de morte entre um amor desmesurado e uma cobardia invencível, triunfando finalmente o medo irracional que Amaranta sempre teve do seu pobre e atormentado coração.” 

“A vida escoava-se-lhe a bordar o sudário. Poderias dizer-se qur bordava durante o dia e desbordava durante a noite, e não na esperança de, dessa maneira, derrotar a solidão, mas sim exatamente o contrário, para a manter.” 

““A notícia de que Amaranta Buendia zarpava ao crepúsculo levando o correio da morte espalhou-se por Macondo antes do meio-dia e às três da tarde havia, na sala, um caixote cheio de cartas. Os que não quiseram escrever deram recados verbais que Amaranta anotou num livrinho com o nome e a data da morte do destinatário. “Não se preocupe”, tranquilizava os remetentes. “A primeira coisa que farei ao chegar será perguntar por ele e darlhe-ei o seu recado.”” 

“Ela pensava nessa altura que uma forma de amor derrotava a outra, porque estava na índole dos homens repudiar a fome uma vez satisfeito o apetite.” 

“Fernanda rebelou-se intimamente contra aquele dolo do destino, mas teve forças para disfarçar em frente da freira.

            - Diremos que o encontrámos a flutuar na cestinha – sorriu.

            - Ninguém vai acreditar nisso – disse a freira.

            - Se acreditaram na Sagrada Escritura – retorquiu Fernanda – não vejo porque não haverão de acreditar em mim.”

“Durante o dia, os militares andavam pelos rios das ruas, com as calças enroladas pelo meio das pernas, a brincar aos naufrágios com as crianças. À noite, depois do toque de recolher, derrubavam as portas à coronhada, tiravam os suspeitos das camas e levavam-nos numa viagem sem regresso.” 

“Aureliano Segundo pensava sem o dizer que o mal não estava no mundo, mas sim num lugar profundo do coração de Petra Cotes onde qualquer coisa acontecera durante o dilúvio que tinha tornado os animais estéreis e o dinheiro escorregadio.”                                  

“Aureliano passou muito tempo sem sair do quarto de Melquíades. Aprendeu de cor as lendas fantásticas do livro sem capa, a síntese dos estudos de Hermann, o entrevado; os apontamentos sobre a ciência demontológica, as cifras da pedra filosofal, as Centúrias de Nostradamo e as suas investigações sobre a peste, de modo que chegou à adolescência sem saber nada do seu tempo, mas com os conhecimentos básicos do homem medieval.” 

“Ninguém soube nunca que era Petra Cortes quem mandava aquelas vitualhas, com a ideia de que a caridade continuada era uma forma de humilhar a quem a tinha humilhado.” 

“Aureliano teria podido fugir e até voltar a casa sem ser visto. Mas o prolongado cativeiro, a incerteza do mundo, o hábito de obedecer, tinham ressequido no seu coração as sementes da rebeldia.” 

“Nunca se viu naquela casa ninguém com melhor humor a toda a hora e em qualquer circunstância, nem ninguém mais pronto a cantar e a dançar e a deitar no lixo as coisas e os costumes estragados.” 

“Gastón não era apenas um amante feroz, de uma sabedoria e imaginação inesgotáveis, como era, talvez, o primeiro homem na história da espécie que fez uma aterragem de emergência e esteve prestes a matar-se a si e à noiva para fazer amor num campo de violetas.” 

“Nunca até então lhe ocorrera a ideia de que a literatura era o melhor brinquedo que se tinha inventado para gozar com as pessoas, como o demonstrou Álvaro numa noite de paródia. Passar-se-ia algum tempo antes que Aureliano se desse conta de que tanta arbitrariedade tinha origem no exemplo do sábio catalão, para quem a sabedoria não valia a pena se não fosse possível usá-la para inventar uma nova maneira de preparar o grão-de-bico.”

“O seu fervor pela palavra  escrita era uma trama de respeito solene e de irreverência mexeriqueira. Nem os seus próprios manuscritos estavam a salvo dessa dualidade. Tendo aprendido o catalão para os traduzir, Alfonso meteu um monte de páginas nos bolsos, que andavam sempre cheios de recordos de jornal e de manuais de artes estranhas, e uma noite perdeu-os em casa das rapariguinhas que iam para a cama por fome. Quando o sábio avô soube do caso, em vez de lhe fazer o escândalo receado, desatou a rir e comentou que aquele era o destino natural da literatura.” 

    “”O mundo estará fodido de vez”, disse então, “no dia em que os homens viajarem em primeira classe e a literatura no vagão de carga.”” 

   “Aturdido por duas nostalgias defrontadas como em dois espelhos, perdeu o seu maravilhoso sentido da realidade, até que acabou por recomendar a todos que saíssem de Macondo, que esquecessem o que ele lhes ensinara sobre o mundo e o coração humano, que se estivessem nas tintas para Horácio, e que, fosse onde fosse que estivessem, recordassem sempre que o passado era mentira, que a memoria não tinha caminhos de regresso, que toda a primavera antiga era irrecuperável, e que o amor mais desatinado e persistente era, de todos os modos, uma verdade efémera.” 

 

Peniche, 27 de Janeiro de 2018
António Barreto (JR)

domingo, 21 de janeiro de 2018

Cem anos de solidão

   "Taciturno, silencioso, insensível ao novo sopro de vitalidade que sacudia a casa, o coronel Aureliano Buendia compreendeu, isso sim, que o segredo de uma boa velhice não é mais que um pacto honrado com a solidão."
 
(Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão)
 
 
 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Gabriel Garcia Marquez (Cem Anos de Solidão)

      "Com o seu tremendo sentido prático ela não conseguia perceber o negócio do coronel, que trocava os peixinhos por moedas de ouro e depois transformava as moedas de ouro em peixinhos e assim sucessivamente, de modo que cada vez tinha de trabalhar mais à medida que mais vendia, para satisfazer um circulo vicioso e exasperante. Na verdade, o que a ele lhe interessava não era o negócio mas sim o trabalho. Precisava de tanta concentração para engastar as escamas, incrustar minúsculos rubis nos olhos, laminar as guelras e montar as barbatanas, que não lhe sobrava um só vazio para o encher com a desilusão da guerra."

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Cem Anos de Solidão

 
 
   
(Gabriel Garcia Marquez) 
"No fundo, enganava-se a si própria, tentando prepará-la para a felicidade doméstica, porque estava convencida de que uma vez satisfeita a paixão, não havia homem na Terra capaz de suportar nem que fosse por um dia uma negligência que estava para além de toda a compreensão."

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Cem Anos de Solidão

 
 

Gabriel Garcia Marquez

"Atualmente, a única diferença entre liberais e conservadores é que os liberais vão à missa das cinco e os conservadores vão à das oito."
 
(frase atribuída a Aureliano Buendia em "Cem Anos de Solidão")