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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Jaime Neves e o 25 de Novembro

 

Jaime Neves e o 25 de Novembro

     
   Eanes, o homem que gosta das pessoas e suscita lealdades, é o chefe do Comando Operacional do 25 de Novembro. Neves é o chefe operacional.

      Graças ao DL 577-A/75, do Governo de Pinheiro de Azevedo, Jaime Neves integrou no Regimento de Comandos da Amadora (RCA), onde predominam oficiais do curso de 53/57 da Academia Militar, cerca de 300 veteranos constituindo duas companhias; uma sob comando de Sousa Gonçalves - da 2ªCCMDS - a outra comandada por Sampaio Faria - da 3ª CCMDS. Na reserva ficaram outras duas.
      Concentrando o ódio da esquerda totalitária, em especial do MRPP, o RCA é alvo de ataques da RTP e da EN bem como de frequentes manifestações junto ao quartel, chegando a Somague a tentar impedir a saída de viaturas. Militarmente isolados na grande Lisboa, o RCA conta com o apoio de ex-comandos fortemente organizados e espalhados pelo país, bem como do apoio político de Pires Veloso, do Cónego Melo, do Partido Socialista e da Igreja. No plano operacional, o RCA conta com quatro companhias no Norte; Braga, Vila Real, Lamego e Porto; duas do Centro e o Regimento de Cavalaria de Estremoz - o regimento de Spínola. O maior apoio porém é o que sentem por parte da designada maioria silenciosa.
      A Ordem de Operações, uma guerra civil, segundo o seu autor, Ramalho Eanes, é apresentada por este, acompanhado por Rocha Vieira, ao General Costa Gomes. Na ausência de Eanes, a planeada distribuição de armas é efetuada principalmente ao Partido Socialista através de Edmundo Pedro e Manuel Alegre por Galvão de Figueiredo, sob ordem de Tomé Pinto, tendo Eanes assumido a responsabilidade enquanto chefe do Comando Operacional.
      Os principais objetivos dos militares democratas são; o quartel da força aérea de Monsanto, a Polícia Militar e outros na calçada da ajuda, o COPCON no Forte do Alto Duque em Belém, e os paraquedistas de Tancos. A unidade de Monsanto não ofereceu resistência aos homens de Neves. Foi na Calçada da Ajuda que os cerca de trezentos comandos, agrupados em três companhias, enfrentam mais de dois mil militares; a de Jaime Neves, acabado de ser promovido a tenente-coronel, que sobe a calçada de chaimite, a 113ª do capitão Manuel Apolinário, que entra na calçada pelo lado esquerdo, e a 112ª do capitão António Lourenço, que desce a calçada.
      Pelas oito horas do dia 26 de Novembro, a chaimite de Neves, onde vão Ribeiro da Fonseca, Arnaldo Cruz e Vitor Ribeiro, inicia a progressão na Calçada da Ajuda, rebentando subitamente sobre ela uma trovoada de tiros vindos de todos os lados; do quartel e das casas particulares à esquerda. Há confusão de gritos, tiros e correrias, Neves, com meio corpo de fora da viatura, via rádio, dá ordens aos seus homens para não responderem ao fogo. José Eduardo Oliveira Coimbra vindo do cimo da calçada com a 112ª é atingido em cheio na crossa da aorta, acabando por morrer no Hospital Militar de Infectocontagiosas. Na CCMDS 113ª o furriel Joaquim dos Santos Pires é morto pelo fogo de metralhadora proveniente do Regimento de Cavalaria 7, frente ao quartel da Polícia Militar. Obedecendo à ordem de contenção, os comandos cercam o quartel da PM conseguindo posição de domínio. Do lado contrário é morto o aspirante Ascenso Bagagem. Neves avança de chaimite e derruba o portão de Lanceiros 2, tomando o quartel sem um tiro. Na frente da formatura na parada dos militares derrotados ordenada por Jaime Neves está Mário Tomé, que revelou honra na derrota. Quanto ao comandante da unidade, que revelara grande bravura na Guiné, ter-se-á refugiado debaixo de uma secretária, segundo Tomé. Ás três horas termina a operação, seguindo-se a passagem de passaportes aos militares derrotados, tendo ficado no comando do quartel da Polícia Militar, o bracarense Jaime Abreu Cardoso, figura lendária entre os comandos.
      Ao terceiro dia, a 112ª Companhia de Comandos cerca o Forte do Alto do Duque com o objetivo de prender Otelo e todo o Copcon. Mas foi Eanes que, surgindo com um grupo armado, levou Otelo, recusando-se a prendê-lo, contrariamente à exigência deste. No quartel apenas havia alguns fuzileiros, que incitavam à acção, e alguns oficiais. 
     
A maior preocupação porém era com a sublevada tropa especial de paraquedistas de Tancos, liderados pelo major Mascarenhas Pessoa, dos quais se esperava forte reação. Tal não viria a ocorrer graças a uma inteligente manobra administrativa do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, general graduado Morais e Silva que proíbe o fornecimento de alimentação, atribuição de verbas e qualquer tipo de apoio aos militares sublevados, desmoralizando-os, até porque boa parte deles são instruendos. A recusa de apoio aos paraquedistas por parte de Heitor Almendra, a alma mater dos paras, conterrâneo e amigo de Neves, acabado de regressar de Angola com centenas de paraquedistas, que despreza Mascarenhas pessoa, desativaria em definitivo a sublevação dos boinas verdes.

      Ao fim de quatro dias, os principais suportes militares do PREC estão dominados e Jaime Neves, com os pés em chaga, pode então descalçar as botas e caminhar para a posteridade.
      Para Jaime Neves, o 25 de Novembro foi um contragolpe na extrema-esquerda e nos comunistas de Cunhal. Porém, a fragilidade de oposição do PCP alimenta a suposição de que a principal intenção de Cunhal, Pato, Lourenço e companhia, consistia na entrega das províncias ultramarinas à órbita soviética através do “internacionalismo proletário”. Angola, com as manobras de Rosa Coutinho, a independência e o MPLA no poder duas semanas antes do 25 de Novembro parece comprová-lo.
     
Duas das consequências do 25 de Novembro foram o fim da oclocracia e a eleição de Ramalho Eanes para a Presidência da República; o primeiro democraticamente eleito, com o apoio de Jaime Neves, que participa na sua campanha. Este não tem apetência pela atividade política e recusa-a, considerando os políticos, tal como Torga - seu conterrâneo - “papagaios insinceros”. Confia na intransigência da defesa da democracia do seu amigo e camarada Eanes, cujo caráter conhece, por isso o apoia.


      Formalmente, é o “Documento dos Nove”, elaborado por Melo Antunes, considerado por Ramalho Eanes e muitos outros “ o pai da Democracia em Portugal” que põe termo ao PREC. Um documento que evita a aniquilação do PCP constituindo simultaneamente um aviso à extrema-direita. Jaime Neves, contrariamente ao que foi difundido, não quer “dar cabo” do PCP nem da Intersindical, não se coibindo porém de criticar ambos. Apesar de tudo, Neves não está satisfeito; quer deitar a mão aos lideres do PREC e “no mínimo, expulsá-los de Portugal”, nunca, encostá-los ao “paredón”.
     
Efetuadas as comoventes honras militares aos falecidos furriel Pires e tenente Coimbra, os seus funerais são sentidos pelo Povo. No de José Coimbra, tripeiro da rua de Santo Ildefonso, milhares de pessoas inundaram a ponte D. Luis, que parece ter tremido com a carga humana. Jaime Neves fica com a sua kalashnikof.

Sintetizado de "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

Jaime Neves e o PREC

 

Jaime Neves e o PREC (6)

      
      A primeira etapa do PREC desenvolve-se até ao 28 de Setembro durante a presidência de António de Spínola; a segunda vai até princípios de Agosto de 1975 e caracterizou-se pelas nacionalizações e reforma agrária, comandadas pelo PCP, que controlava organismos do Estado, refreadas pela reação do povo nortenho a partir de março com a vaga anticomunista. Por fim, a terceira e última fase que culminou no 25 de Novembro graças à oposição de alguns oficiais do MFA à insanidade revolucionária comunista.
 
      Neste período, Jaime Neves, ao serviço da Academia Militar, desenvolve várias ações, entre as quais a recolha de quarenta revolveres no Ministério da Economia, a dissuasão de alguns soldados da Guarda Nacional Republicana que, num ato de sublevação na cadeia do Linhó, se recusavam a içar a Bandeira Nacional; de uma outra vez, na mesma cadeia, pela persuasão da fama que o precede e do seu estilo simples e franco, com recurso a uma palestra em cima de uma mesa, põe termo ao motim que os cadastrados de alto coturno recentemente oriundos do Limoeiro tinham provocado. No caso do capitão cubano Peralta feito prisioneiro na Guiné e internado no Hospital Militar, cuja proteção contra rapto, que se receava por parte de ativistas de esquerda, lhe foi ordenada por Costa Gomes, então Presidente da República, Neves exigiu-lhe uma ordem escrita por conhecer e não “perdoar” o seu habitual “contorcionismo”.
      Injustamente Neves considerava Spínola um cobarde pelo facto de, no 11 de Março conhecido por “Matança da Páscoa”, ter fugido pelas traseiras do Palácio de Belém enquanto ele e os chefes da GNR e da PSP aguardavam no mesmo edifício ordens de avançar contra quem se supunha preparar o aniquilamento dos spinolistas; elementos da Aginter liderados por Guérin-Sérac.
      As ações sucedem-se, bizarras e quase ininterruptas, desde a prestação de socorro a polícias cercados em esquadras até ao ordenamento de filas para o cinema.
      Em Outubro Jaime Neves e o major Florindo Morais vão a Moçambique cujo Alto Comissário era então Vitor Alves - com a alcunha de garrafão -, buscar as Companhias de Comandos 20-43ª e 20-45ª que, em Lourenço Marques, se tinham envolvido em confrontos graves com os guerrilheiros da Frelimo, recusando-se porém a trazê-los sob prisão, intenção inicial de Costa Gomes, o que fazem com sucesso graças à estratégia de Neves de os conduzir ao Centro de Instrução de Comandos em Luanda, onde tinham feito o seu treino, para uma breve estadia apaziguadora antes do regresso a Lisboa onde passaram à disponibilidade.
      Os Comandos nasceram na guerra e para a guerra, contrariamente aos Fuzileiros e aos Paraquedistas, que já existiam antes de 1961, e são os que mais feitos têm de combate, mais armas capturadas, mais guerrilheiros abatidos e mais bases destruídas, do que qualquer outra tropa especial, e talvez até do que toda a tropa normal. Entre 1961 e 1974, cerca de oito mil comandos - um centésimo da tropa portuguesa total - fizeram a guerra de África; na qual morreram trezentos e sessenta, desapareceram trinta, e foram feridos, a maioria sem um pé, oitocentos. Nos seus cinquenta anos de vida, os Comandos são, desde 29 de Junho de 2012, a unidade mais condecorada de sempre do Exército Português. Terá sido esta guerra a mais brilhante nos quatrocentos anos de existência daquele corpo militar desde Schomberg? Quem herdará as condecorações do Centro de Tropas Comando após a sua extinção?
      Os comandos são voluntários, vêm de todo o território imperial, desde Minho a Timor, pretos, brancos, mulatos e amarelos, materializam a “sociedade multirracial” de Salazar, oferecem-se por puro idealismo patriótico e imperial, pelo desejo de aventura, por um desgosto de amor, por quererem fazer a guerra a sério, por terem lido Camões, Junger, Hemingway, Laterguy, por terem visto filmes como “O Último Comboio do Katanga”; outros procuram o suicídio heroico ou redentor ou a auto-demonstração de bravura.
      Abreu Cardozo, Almeida Bruno, Marcelino da Mata, Jaime Neves, Folques, Matos Gomes, Ferreira da Silva, Lobato Faria ou Chung, são alguns dos maiores comandos; homens casados com a guerra, que, como muitos outros comandos milicianos, lembram o português do século XV e XVI, temido no hemisfério sul e invejado pelos europeus, que o descreviam como “orgulhoso, duro, fechado, algo sinistro”. São os últimos heróis portugueses, heróis tristes a quem foi negada a mitificação da derrota, porque simplesmente a não houve. A ficção portuguesa parece ter medo destas figuras, quem sabe por castradores motivos políticos, ou simplesmente porque na sua claustrofobia, no seu minúsculo pedestal burguês e intelectual, os ficcionistas nem sequer os conhecem de outiva.
      Depois de combaterem os guerrilheiros em África, razão da sua fundação por Santos e Castro, os Comandos, miscelânea de militares do exército, incluindo as duas companhias regressadas de Moçambique, são recriados por Jaime Neves, constituindo o Regimento de Comandos da Amadora, que virá a ter uma ação decisiva no fim do PREC, esse período alucinatório em que muitos confundem História com histeria. Atuam contra manifestações e greves, uma delas a grande greve da TAP, cuja bandalheira a torna internacionalmente conhecida por Take Another Plane. Mais tarde, já derrotados, alguns grupos  dessa esquerda furiosa e infantilizada de que se destaca o MRPP onde militava gente como Durão Barroso, Ana Gomes ou Maria José Morgado - com quem o gadamaelense Manuel Ferreira da Silva tivera um béguin em Luanda -, tentam vingar-se cobardemente contra a família de Neves.
      Quase quarenta anos depois, o Capitão Chung não consegue perceber quem, próximo do 25 de Abril de 1975, esteve por trás da ação saneadora promovida pelo Capitão Marques Patrocínio, e outros indivíduos de pequeno estatuto, que afastou durante algum tempo do Regimento de Comandos da Amadora,vários oficiais, entre os quais, o seu comandante Jaime Neves e ele próprio. Um dos conjurados confessaria mais tarde,a Neves ter recebido de Cunhal, para si e sua família, a promessa de pagamento fora do país, o que ajudaria aquele a formar a convicção da influência do PCP neste episódio. A chegada a Lisboa da 6ª esquadra americana por essa ocasião proporcionou o boato de que Jaime Neves estaria a preparar um golpe à Pinochet, daí o saneamento. Num volte-face dramático num plenário do Regimento realizado a 4 de Agosto, Otelo Saraiva de Carvalho, que havia anuído ao saneamento, devolve o comando a Jaime Neves, tendo sido presos os conjurados, a maioria dos quais acabou por se arrepender e pedir perdão. 

Créditos a: "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

domingo, 12 de novembro de 2023

A Ética Republicana em Portugal

  

A Ética Republicana em Portugal


Pela noite dentro a camioneta pára junto à porta de Machado Santos, na rua José Estêvão. D. Beatriz, a mulher do almirante, foi intimada a abri-la. Rebentando com a fechadura a tiro, os intrusos perguntaram-lhe pelo marido. Queriam levá-lo à presença de Procópio de Freitas que lhe queria falar.


No interior, de pistola em punho, António, o filho do almirante estava pronto a resistir. Este, confiante na sua patente e no prestígio que granjeara, dissuadiu-o. Nada demoveu os intrusos. Abel Olímpio o tenebroso cabo que chefiava a brigada homicida, manteve-se inflexível, ignorando o pedido de garantia de regresso em segurança do detido.


Idealista, insatisfeito e intransigente, Machado Santos, a quem os republicanas deviam a vitória no 5 de Outubro, era um homem marcado. Os democráticos não lhe perdoaram as críticas ao governo, o apoio ao ditador Pimenta de Castro, o envolvimento no 13 de Dezembro de 1916 ( Revolta de Tomar, contra a entrada da IGM), e o 5 de Dezembro de 1917 em que alinhara ao lado de Sidónio contra o governo de Afonso Costa.


Traidor para os democráticos é odiado marinheiros, que não lhe perdoaram a humilhação da revista militar na rotunda ao lado de Sidónio. Incorruptível, patriota, Machado Santos, quando governante, fora implacável com especuladores e açambarcadores.


A pensão que lhe fora atribuída pelo congresso e a inveja que suscitava tornaram-no alvo de sucessivas acusações avulso com o propósito de destruição da sua imagem pública. Chegara a hora do desejado desfecho, do assassínio físico.


O relógio de parede batia a uma e meia. Perante o desespero de D. Beatriz, o cínico Olímpio assegurava o regresso do detido em segurança após rápida visita ao Arsenal. Porém, ignorou o pedido de palavra de honra.


Vestido à civil, o herói do 5 de Outubro seguiu na camioneta com os seus algozes. Num side-car, os redatores do “Imprensa da Manhã” acompanhavam-nos, e confraternizavam alegremente com os assassinos, eufóricos com a oportunidade jornalística.


Desceram pela Almirante Reis e pararam no Intendente, por avaria. Augusto Gomes, empresário teatral, foi mandado parar, tendo-lhe sido requisitada a viatura para “transportar um cadáver ao necrotério”.


Ao ver Machado Santos, o empresário percebeu o que se passava. Pediu para não matarem o almirante.


Dos doze marinheiros da comitiva, oito “valentes” dispararam sobre o herói do 5 de Outubro.


Porém, não seria a última vítima mortal da “ética republicana”, uma ficção criada por quem tem a consciência pesada.


Créditos a “Nobre Povo; os anos da República”, de Jaime Nogueira Pinto



Machado Santos