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Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Do Capitalismo VIII

Para Voltaire, capitalismo é o sistema que obriga os ricos a fazerem trabalhar cada vez mais os pobres. Já o direito de propriedade, segundo Rousseau, decorria, exclusivamente, do direito do agricultor ao produto do seu trabalho, ano após ano; o direito à posse da terra que cultivava.

Fervilha o debate em torno da produção, o fisiocrata Quesney, oriundo de camponeses abastados, cirurgião e médico ordinário do rei, nobilitado em 1752, proprietário rural, analisa e identifica as causas do anacronismo da agricultura francesa, propondo novos métodos; do arrendamento em vez da parceria e do uso do cavalo em vez do boi para as lavras. Quantificou o impacto dos novos métodos num acréscimo de 2/3 da produção face à dos métodos tradicionais. Para Quesney, a única classe produtiva era a dos cultivadores, da qual saía toda a riqueza da nação, das restantes classes, os proprietários dependiam dos agricultores; todos os outros dependiam destes e constituíam a classe improdutiva. Um capitalismo mercantil colonial, uma embrionária indústria manufatureira e uma agricultura atrasada face à que se praticava na Holanda e em Inglaterra, caracterizava a economia francesa da época.

Largamente influenciado pela fisiocracia, Turgot, intendente e depois Inspetor Geral das Finanças, dá mais um impulso à análise de classes, ao atribuir ao capital manufatureiro papel fulcral do progresso agrícola. Escalona as classes destes setores e dos mercadores, do investidor ao operário e ao agricultor, estes, agora, simples assalariados detentores apenas da sua força de trabalho braçal. Preconiza a abundância de capitais e as baixas taxas de juro, opõe-se ao dirigismo e ao protecionismo. Defende a liberdade económica, considerando que cada homem conhece melhor o seu interesse que outro para quem esse interesse é indiferente e que o interesse particular coincide sempre com o interesse geral quando há liberdade de comércio. Pugna pela liberalização do comércio e das profissões, leva-a à prática enquanto governante acabando por sucumbir à forte resistência das corporações. Contudo, as suas ideias fazem o seu caminho acabando por estabelecerem-se tratados de comércio com a Inglaterra, em 1786, e com a Rússia, em 1787.

A burguesia acaba por ser a principal beneficiada com a revolução de 1789 ao ver realizadas as suas principais aspirações; como a abolição de privilégios, de monopólios e o desmantelamento da corporação dos juízes.

Os operários são admitidos nas assembleias primárias onde apresentam os seus cadernos de queixas, exigindo salários dignos, estabilidade e equiparação constitucional do trabalhador à propriedade dos ricos.


Assegurado o seu predomínio contra a nobreza, a burguesia, através da lei de Chapelier, de 1791, suprime as confrarias e ilegaliza a organização e concertação de mestres e operários na prossecução de supostos interesses comuns. 

domingo, 25 de setembro de 2016

O "crime" da acumulação

Formas de acumular riqueza há muitas, nem todas lícitas, nem todas justas. Ladrões há muitos e dos mais variados tipos. Chicos espertos também. Destes, são candidatos a ladrões os que atribuem proveniência criminosa ou injusta os "tarecos" que alguns dos seus semelhantes têm a "desfaçatez" de possuir. Talvez o exagero resulte da inutilidade das suas vidas e da suprema ânsia de protagonismo, à sombra do erário familiar ou do Estado. A falta de vida e, quem sabe, um certo complexo de culpa subconsciente, leva-os a assumir velhas causas que lhes garantam palco, influência e uma réstia de autoestima induzida pelos seus "pobrezinhos", como os definia António Alçada Batista.
 
Eis alguns exemplos da "execrável" prática de acumulação que agora exigem confiscar:
 
Ei-los em flagrante, de volta do cesto do pão! E o magano com aquela samarra chique de Chaves? Hum...têm cara de potenciais perigosos proprietários!
 
Hum...estas, cá para mim, andavam a tirar o mestrado de acumulação...de água!
 
Olhem esta!..., já está no bairro chique de Saint Dennis a estudar a  nobre ciência da acumulação na universidade de Bidonville que se vê lá atrás! E está a rir-se! Não era uma escola boa para os nossos filhos e netos?
 
Aqui vão eles, a pé, pelos pirinéus a acumular dias de marcha...bandidos! Nas barbas da Pide e da Guarda Civil! É preciso ser ganancioso!
 
 
 
Olhem-me este manjar!, a bem dizer, estes maganos já tinham acumulado!, É preciso ter lata! em plenos Pirinéus, uma sardinha para cada um?, ou será um entrecosto?, um luxo!
 

Um, dois, três, quatro, palacetes de acumuladores...oferecidos...Isto só visto!
 
Estão a ver? eles em bandos em busca de acumulação?, vão pelos caminhos enlameados junto às barracas para não serem vistos! Aposto que construíram umas sumptuosas moradias e uns belos centros de exploração de trabalhadores!
 
Olhem-me para estes a acumularem água, lá pelas franças...isto da acumulação é genético...
 
Ena pá!, todos acumulados no jardim da bela mansão...
 
Agora o mais grave; estão a ver aqueles ferros todos? É ou não é acumulação? E de capacete!
 
 
À parte o registo irónico, apesar das fotos comoventes, foi assim que muitos ganharam o dinheirinho com que compraram as suas casinhas e montaram os seus negócios na sua terra natal que agora os "amigos do povo" querem coletivizar pela via tributária. Fugiram da miséria e, enganados pelas falsas juras de liberdade, voltaram a ela para serem espoliados, mais uma vez. Andei por lá. Estive com eles. Sei como viviam; com temperaturas superiores a  vinte graus célsius negativos, apesar do subsídio de intempérie, iam na mesma trabalhar para as obras. Jerónimo, de Guimarães, carpinteiro, com seu fato de zuarte roto andava pelos telhados "a acumular" o trabalho que lhe renderia mais uns cobres. António, de painel de quatro a cinco metros às costas, sozinho, em plena chuva, ia forrando as paredes interiores., da casa ainda sem telhado. José o aprendiz que queria estudar, punha dois sacos de cola de 25 kg cada às costas e subia para o 3º piso para aumentar a produtividade. Rodrigo ficava com as mãos hirtas ao juntar as ripas de madeira para o forro do sótão. Lá, o sol não aquece, faziam-se fogueiras em bidons, para aquecer as mãos. Nas barracas de champigny onde, sem aquecimento, suportavam a inclemência do inverno, recuperavam das canseiras e ignomínia do trabalho clandestino nas obras, normalmente de exteriores. Mais tarde, tornaram-se caseiros, vivendo em anexos, tratando dos quintais dos senhorios nas horas livres. Alguns eram especialistas do isolamento de interiores, o placouplatre, eletricistas, canalizadores, mecânicos. Outros, começavam a ocupar cargos de chefia nas grandes construtoras de automóveis como a Renault. Assim Juntaram os seus dinheiros, construíram as suas casas em Portugal, puseram os filhos a estudar, foram-se integrando na sociedade francesa graças à tradicional tolerância das autoridades locais e à sua necessidade de trabalhadores, conquistaram o seu espaço e são respeitados pela "sociedade das Luzes". Muitos deles, ou os seus descendentes, vêm agora ameaçado o fruto desta epopeia, pelos extremistas, hipocritamente autointitulados defensores dos "trabalhadores", quando, afinal, não toleram o seu sucesso. Este é um dos muitos casos de acumulação por sobretrabalho, que, felizmente, graças ao progresso capitalista e pressão dos sindicatos, reverteu parcialmente para o trabalhador, ao contrário da sociedade pré-industrial e industrial, dos séculos XVII, XVII e XIX, em que revertia integralmente para os senhorios, nobreza e clero e, ou para a alta burguesia, mercadores ou banqueiros, restando ao trabalhador camponês-artesão ou operário, o suficiente para sobreviver e executar as tarefas que lhe atribuíam. O pobre, enquanto tal, suscita os favores dos "progressistas" mas torna-se seu alvo, logo que se emancipa tornando-se livre de dependência de terceiros; estado, igreja ou demagogos paternalistas, que, afinal, vivem à sua custa.
 
As fotos são de Gerald Blancourt, um haitiano parisiense que se comoveu com a epopeia dos portugueses em frança e foi ao seu encontro, testemunhando-a extensiva e profundamente. Eis o link do seu magnífico blogue. Obrigado Gerald! Um grande, grande abraço de gratidão.
 

domingo, 18 de setembro de 2016

As justificações de Rousseau a madame de Francueil

 
 
Entrée de l'Exposition Universelle de Jean Beraud
 
Ninguém se conhece sem ter sido submetido às circunstâncias mais adversas. A luta pela sobrevivência liberta todas as fraquezas do homem conferindo-lhe capacidade para o despojamento total do seu amor-próprio. Todas as indignidades, todas as barbaridades, todas as submissões são possíveis, num contexto de grande adversidade. Todos os dias o vemos, dois mil anos após Cristo.  

O século XVIII francês foi de transição económica e política, assistindo-se ao fim da economia feudal e do absolutismo e à introdução da contratação livre e do parlamentarismo com representação popular. A turbulência económica resultante do desmantelamento da estrutura vigente que culminou com fim do trabalho servo e escravo, agravou a vida dos camponeses, agora livres mas sem terra nem amos nem senhores, não restando a muitos deles outro destino senão a vagabundagem e a marginalidade que os conduziria ao trabalho forçado, nas casas comunais, ou à forca.
 
É neste contexto que Jean Jaques Rosseau, homem de muitos talentos, se amantizou com uma mulher abastada, que tratou de abandonar logo que se lhe acabou a fortuna, trocando-a por outra com a qual recusou casar-se e de quem teve cinco filhos que entregou ao orfanato público sem cuidar de salvaguardar o seu reconhecimento futuro.
 
Rousseau, recusando assumir compromissos com as mulheres com quem viveu, para não sentir prejudicada a sua liberdade natural, desmereceu as suas reflexões expostas no seu "Contrato Social" onde preconiza a necessidade de o homem aceitar a perda de parte direitos  naturais ilimitados, em troca da liberdade civil e do direito de propriedade. Desrespeitou  a dignidade daquelas mulheres beneficiando da sua generosidade e afeto, sem outra contrapartida além da que atribuiu aos ricos face aos pobres, aceitando que repartissem com ele os seus bens   a troco da honra de o servirem indefinidamente.
 
Justifica Rousseau a entrega dos cinco filhos ao orfanato público com a precariedade financeira, a incompatibilidade dos afazeres familiares  com a ocupação de escritor, a confiança nos serviços públicos e o caráter saudável e enaltecedor do trabalhador agrícola, profissão que julgava destinada aos filhos.
 
A incapacidade de garantir o mínimo de condições de subsistência e educação a um filho, justifica sua entrega a quem tenha condições para tal, suscitando compreensão e comiseração pela intensidade da mágoa que induz no autor. Podia ser o caso, dadas as condições de completa miséria em que viviam os cidadãos franceses naquela época, à exceção dos eclesiastas, da alta nobreza e da alta burguesia. Mas não é. E não é porque Rosseau não amava os filhos como jurava, pois se assim fosse teria tido o cuidado de os identificar para mais tarde os reencontrar e acompanhar. E não o fez!
 
Rosseau valorizava a sua liberdade acima de tudo ao ponto de convocar terceiros - as suas duas mulheres - na sua promoção, alegando com desfaçatez, que os cuidados que os filhos lhe exigiriam impedi-lo-iam de exercer as tarefas de pensador, escritor e músico, que escolhera para si próprio. Mais uma demonstração da ausência de amor pelos filhos e do egotismo que o caracterizaram.
 
A confiança que dizia ter no orfanato público não tem sustentação, dada a profunda instabilidade social e económica inerente à construção duma nova ordem política, caracterizada pela incipiência, fragilidade e volatilidade das instituições públicas. Rousseau sabia disso e dizia confiar no oposto, o que faz dele hipócrita e cobarde.
 
Assegurou ainda a madame de Francueil, a quem suplicava acolhimento da sua segunda companheira - de quem, num ato abjeto, afinal, quereria ver-se livre, por estar doente -, que, ainda que tivesse condições, jamais educaria os filhos pelos padrões da alta sociedade, enaltecendo o trabalho agrícola classificando-o de digno e salutar, julgando que seria esse o encaminhamento profissional que o orfanato daria aos seus filhos. Ora, como não conhecia os filhos estava impossibilitado de o confirmar. Por outro lado, o trabalhador agrícola, graças à nova ordem, ficou entregue a si próprio, à sua capacidade de vender o único bem que possuía, a sua força de trabalho, em condições ainda mais precárias e miseráveis que anteriormente, tendo por horizonte o trabalho forçado comunal ou a forca.

Mas, se Rousseau valorizava tanto o trabalho agrícola enquanto meio dignificante da condição humana mais que qualquer outro, porque não o adotou ele para si próprio, o que lhe teria permitido manter a sua família e educar os seus filhos disfrutando do seu afeto? Na verdade, Rosseau não necessitava do afeto de ninguém; satisfazia-se com o máximo de liberdade que conseguia amando-se a si próprio. O seu carater abjeto fica mais uma vez exposto.
 
Ainda teve a desfaçatez de, suplicando ajuda, acusar madame de Francueil e a classe aristocrática em geral - que, afinal, lhe comprava os trabalhos que ia produzindo e difundia as suas ideias -, de roubarem o pão dos filhos em resultado da injusta concentração da riqueza que caracterizava a sociedade medieval. Um ato de extorsão puro, pela indução na solicitada benfeitora do sentimento de culpa e da obrigatoriedade de ajudar, consequência das injustiças sociais  das quais a considerava corresponsável, desobrigando-se desde logo de reconhecimento pelo ato de solidariedade que lhe suplicava.
 
Por tudo isto, considero Jean Jaques Rousseou um ser paradoxal, não só pelo conteúdo dos seus trabalhos em que, por exemplo, defendendo a democracia declarava-a inacessível aos homens, ou defendendo a liberdade civil praticava a liberdade natural, mas, sobretudo, pela insensibilidade que revelou; relativamente aos filhos, que ostensivamente desprezou e nunca chegou a conhecer, indiferente ao seu futuro; relativamente às mulheres que o apoiaram e amaram, com as quais nunca aceitou o vínculo do casamento; até, relativamente a madame de Francueil cuja bonomia suscitava. Profundamente hipócrita, usava a sua extraordinária capacidade retórica para mascarar o seu exacerbado egotismo, caracterizado pela não assunção de qualquer responsabilidade ou vínculo relativamente aos que o apoiavam materialmente e afetivamente.
 
Rosseau ilustre iluminista, foi um ser desprezível, responsável pela produção de princípios fundadores das sociedades modernas ocidentais - a democracia representativa -, mas também de distorções e contradições, que se refletem nalgumas elites e nas sociedades atuais.
 
Em seu abono, apenas o facto de ser oriundo de uma família calvinista, apesar de tudo cristã, por isso alvo de segregação social na sequência do conflito religioso que eclodira na  guerra dos trinta anos do século anterior, 1618 a 1648, deixando sequelas até aos dias de hoje.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Jean-Jacques Rousseau, Lettre à Madame de Francueil, 1751

 
Gino Piccioni ( 1873 - 1941), Sogni di primavera, 1895
 
J.-J. Rousseau a confié ses cinq enfants aux Enfants-Trouvés, organisme qui correspond aujourd’hui à l'assistance publique. Il a été pour cela l’objet de multiples attaques.

À Madame de Francueil, À Paris, le 20 avril 1751:

      Oui, madame, j'ai mis mes enfants aux Enfants-Trouvés; j'ai chargé de leur entretien l'établissement fait pour cela. Si ma misère et mes maux m'ôtent le pouvoir de remplir un soin si cher, c'est un malheur dont il faut me plaindre, et non un crime à me reprocher. Je leur dois la subsistance, je la leur ai procurée meilleure ou plus sûre au moins que je n'aurais pu la leur donner moi-même; cet article est avant tout1. Ensuite, vient la déclaration de leur mère2 qu'il ne faut pas déshonorer.

      Vous connaissez ma situation, je gagne au jour la journée mon pain avec assez de peine; comment nourrirais-je encore une famille? Et si j'étais contraint de recourir au métier d'auteur, comment les soucis domestiques et les tracas des enfants me laisseraient-ils, dans mon grenier, la tranquillité d'esprit nécessaire pour faire un travail lucratif? Les écrits que dicte la faim ne rapportent guère et cette ressource est bientôt épuisée. Il faudrait donc recourir aux protections, à l'intrigue, au manège, briguer quelque vil emploi; le faire valoir par les moyens ordinaires, autrement il ne me nourrira pas, et me sera bientôt ôté; enfin, me livrer moi-même à toutes les infamies pour lesquelles je suis pénétré d'une si juste horreur. Nourrir, moi, mes enfants et leur mère, du sang des misérables! Non, madame, il vaut mieux qu'ils soient orphelins que d'avoir pour père un fripon.

      Accablé d'une maladie douloureuse et mortelle, je ne puis espérer encore une longue vie; quand je pourrais entretenir, de mon vivant, ces infortunés destinés à souffrir un jour, ils payeraient chèrement l'avantage d'avoir été tenus un peu plus délicatement qu'ils ne pourront l'être où ils sont. Leur mère, victime de mon zèle indiscret, chargée de sa propre honte et de ses propres besoins, presque aussi valétudinaire3, et encore moins en état de les nourrir que moi, sera forcée de les abandonner à eux-mêmes, et je ne vois pour eux que l'alternative de se faire décrotteurs ou bandits, ce qui revient bientôt au même. Si du moins leur état était légitime, ils pourraient trouver plus aisément des ressources. Ayant à porter à la fois le déshonneur de leur naissance et celui de leur misère, que deviendront-ils?

      Que ne me suis-je marié, me direz-vous? Demandez à vos injustes lois, madame. Il ne me convenait pas de contracter un engagement éternel, et jamais on ne me prouvera qu'aucun devoir m'y oblige. Ce qu'il y a de certain, c'est que je n'en ai rien fait, et que je n'en veux rien faire. « Il ne faut pas faire des enfants quand on ne peut pas les nourrir. » Pardonnez-moi, madame, la nature veut qu'on en fasse puisque la terre produit de quoi nourrir tout le monde; mais c'est l'état des riches, c'est votre état qui vole au mien le pain de mes enfants. La nature veut aussi qu'on pourvoie à leur subsistance; voilà ce que j'ai fait; s'il n'existait pas pour eux un asile, je ferais mon devoir et me résoudrais à mourir de faim moi-même plutôt que de ne pas les nourrir. Ce mot d'Enfants-Trouvés vous en imposerait-il, comme si l'on trouvait ces enfants dans les rues, exposés à périr si le hasard ne les sauve? Soyez sûre que vous n'auriez pas plus d'horreur que moi pour l'indigne père qui pourrait se résoudre à cette barbarie: elle est trop loin de mon cœur pour que je daigne m'en justifier. Il y a des règles établies; informez-vous de ce qu'elles sont, et vous saurez que les enfants ne sortent des mains de la sage-femme que pour passer dans celles d'une nourrice. Je sais que ces enfants ne sont pas élevés délicatement: tant mieux pour eux, ils en deviennent plus robustes; on ne leur donne rien de superflu, mais ils ont le nécessaire; on n'en fait pas des messieurs, mais des paysans ou des ouvriers. Je ne vois rien, dans cette manière de les élever, dont je ne fisse choix pour les miens. Quand j'en serais le maître, je ne les préparerais point, par la mollesse, aux maladies que donnent la fatigue et les intempéries de l'air à ceux qui n'y sont pas faits. Ils ne sauraient ni danser, ni monter à cheval; mais ils auraient de bonnes jambes infatigables. Je n'en ferais ni des auteurs ni des gens de bureau; je ne les exercerais point à manier la plume, mais la charrue, la lime ou le rabot, instruments qui font mener une vie saine, laborieuse, innocente, dont on n'abuse jamais pour mal faire, et qui n'attire point d'ennemis en faisant bien. C'est à cela qu'ils sont destinés; par la rustique éducation qu'on leur donne, ils seront plus heureux que leur père.

domingo, 11 de setembro de 2016

Do Capitalismo (VII)

 
Ferdinand Hodler , Disappointed Soul 1889

Acentua-se a denúncia das desigualdades sociais identificando-se a propriedade como a sua principal causa. Enunciam-se conceitos fundadores das sociedades modernas que acabarão com a estrutura feudal e com os absolutismos.  

Rosseau, encarregado da secção de Economia Política da Enciclopédia resume brutalmente o pacto social prevalecente asseverando que o rico permite ao pobre a honra de o servir exigindo em troca o que lhe resta pelo trabalho de o dirigir. Mais uma vez paradoxal, Rosseau abomina a sociedade civil associada à propriedade mas não preconiza a abolição desta, considerando-a o mais sagrado de todos os direitos dos cidadãos. Contudo considera necessário limitar a acumulação, pela via fiscal, não retirando a riqueza aos seus possuidores, mas tirando a todos os meios de a acumular; nem construindo hospitais para os pobres mas livrando os cidadãos de se tornarem pobres. 

O abade Mably atribui à propriedade a causa de todos os infortúnios da humanidade defendendo a propriedade coletiva onde o Estado distribui a cada um os bens de que necessita, à semelhança de Esparta e dos índios paraguaios. 

Já Diderot, se por um lado reprova com veemência a brutal desigualdade, considera a propriedade privada necessária à proteção do indivíduo. 

Helvétius, na linha de Diderot, condenando o sobretrabalho de muitos face ao excesso de bens supérfluos de muito poucos, instiga o governo a atenuar essas diferenças pela redistribuição e garantia de acesso de todos à propriedade. 

D’Holbach, preconizando a substituição da moral religiosa pela natural incentiva o governo a tributar o luxo para dar ao pobre a possibilidade de viver do seu trabalho e impedir a acumulação de riqueza em poucas mãos. Propõe oficinas para os pobres e a coletivização dos terrenos incultos para dar aos que os pudessem cultivar. 

Raynal, na mesma linha de revolta contra as brutais desigualdades, proferindo que por toda a parte o rico explora o pobre, preconiza a supressão da herança incitando ao enforcamento dos ricos como forma de recuperação da dignidade. 

Linguet, autor de várias obras, considerando a propriedade uma usurpação e a origem da corrupção das almas, tece considerações curiosas acerca dos trabalhadores do seu tempo considerando-os infinitamente mais miseráveis, apesar de livres, que os seus pais enquanto servos e escravos; a miséria redu-los a ajoelharem-se diante do rico para que este os autorize a enriquecê-lo. Realista, afirmava não ser possível garantir a felicidade de todas as pessoas do reino. Defendeu a necessidade de representação dos pobres na assembleia destinada a realizar a reforma geral política da França. 

A outra face do capitalismo, ainda embrionário, surgia pelas vozes de Turgot e dos fisiocratas em França e de Adam Smith em Inglaterra, defendendo a necessidade de acumulação do capital.

PS: Rosseau, que não conheceu sua mãe - morreu pouco depois do parto - e que pouco conviveu com seu pai - calvinista -, viveu em concubinato; primeiro com uma mulher abastada, que abandonou após a ruína, trocando-a por outra com quem não casaria e de quem teve cinco filhos que entregou ao orfanato os quais nunca chegou a conhecer. Nas suas cartas a madame Francueil  explica os seus motivos e, já no ocaso da vida,  suplica-lhe ajuda para a mãe dos seus filhos.

(Síntese livre de História do Capitalismo, de Michel Beaud)

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

 
Gustave Courbet, The Wave, 1870
 
As esquerdas não sabem fazer crescer a economia conforme as suas previsões eleitorais. Tal não parece incomodá-las; talvez lhes baste apropriarem-se dos bens dos cidadãos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

 
 
Frederick Childe Hassam - Confirmation Day, 1889
 
Receando a opinião pública, Jerónimo de Sousa apressou-se a relativizar a sua incoerência, e do seu Partido, relativamente à pensão vitalícia, revelando que a oferecia a este - para defesa dos trabalhadores (entenda-se, funcionários públicos). Pelos vistos esqueceu-se de nos dizer se lhes perguntou se não preferiam ficar com ela no bolso.

domingo, 4 de setembro de 2016

Moçambique; o estranho silêncio.


August Macke - Dame in grüner Jacke (Woman in a Green Jacket), 1913.

  O continuado silêncio da Comunicação Social Portuguesa acerca dos graves acontecimentos políticos e militares que acontecem em Moçambique, compromete e desmascara os autoproclamados defensores da autodeterminação e independência, da libertação e do progresso económico e social dos povos.
Zeca Caliate, um ex-combatente da Frelimo viveu por dentro, ao mais alto nível operacional, as vicissitudes da guerra colonial e dos bastidores políticos daquele movimento e, desassombradamente, dá-os a conhecer ao grande público num gesto de denúncia da prepotência e corrupção que parecem correntes no âmbito dos governos moçambicanos pós-independência.
"O que se verificou após a morte do Eduardo Mondlane, foi que um bando de piratas do século, que se vestia de capas de revolucionários, dirigidos por Samora Moisés Machel, não deixou que Uria Simango, tomasse posse como novo Presidente da Organização e obrigaram-no a aceitar uma proposta para a criação de um CONSELHO PRESIDÊNCIAL, compostos por três elementos intitulado, por (TRIUNVIRATO), tendo os três poderes iguais, coisa que nunca se viu em lado nenhum." (Zeca Caliate em Macua de Moçambique)
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2016/09/zeca-caliate-voz-da-verdade-a-ninhada-da-frelimo-foi-assaltada-por-piratas-do-s%C3%A9culo.html 

Do Capitalismo (VI)


 
Claude Monet - Falaise de Pourville, 1896
Neste mesmo século, desenvolve-se e difunde-se o fascínio pela observação da matéria e da natureza com o contributo régio, que fundou em Navarra um curso de física experimental para serviço do Rei em 1753, suscitando tal entusiasmo que teve de ser aberto ao público.
Médicos, duques, abades, damas, congregações religiosas, praticam o colecionismo de plantas, animais e pedras nos seus gabinetes de física. Luís XV teve as suas coleções no seu Gabinete de Física desenvolvido por Buffon, que transformou o Jardim do Rei ampliando-o e construindo um anfiteatro para o ensino. Aí, o químico Ruelle transmitia à assistência o ardor do seu entusiamo durante as aulas, despindo a peruca, os punhos de renda e a casaca nas suas palestras, tal o fascínio que o invadia. O gosto pela ciência generalizou-se através de cursos públicos, como o de física experimental ministrado pelo abade Nollet. Multiplicavam-se os livros de vulgarização da ciência, alguns de grande valia, como os de Buffon e Nollet, mas também do abade Pluche e de Priestley, sobre física experimental, história natural, natureza e eletricidade.
Sucedem-se as descobertas científicas; D’Alambert sistematiza os princípios da mecânica em 1743; Lavoisier descobre a composição do ar, em 1770/1771, e da água em 1783; Berthollet analisa o cloro em 1772 e Lagrange estabelece os princípios da mecânica analítica em 1787.
Florescem as ideias dos filósofos sob o primado da razão, da descoberta das lei naturais, estabelecidas por um ser supremo, Deus, atribuindo ao progresso intelectual dos indivíduos a via do progresso humano. Ideias cultivadas pela alta burguesia e difundidas nas cortes reais pela aristocracia. Fruto do trabalho de cento e trinta autores, publica-se a Enciclopédia (1751/1764) destinada a substituir a Summa  Theologiae do escolástico São Tomás de Aquino, que haveria de ser infrutiferamente proibida pela Igreja em 1752 e em 1759.
Sob a influência de Hobbes e Locke, liderada pela aristocracia e pela burguesia de toga intensifica-se a reflexão sobre o poder, os regimes políticos, as leis, os direitos, o interesse geral, o contrato social e a vontade coletiva.
Em 1748 Montesquieu publica o Esprit des Lois  onde reconhece o governos  monárquico, republicano e despótico, preconizando o equilíbrio entre o povo, a nobreza e o rei, e a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial. Para Montesquieu é a falta de trabalho que faz um homem pobre e não a ausência de bens, competindo ao Estado prevenir a miséria para impedir o sofrimento do povo ou… a sua revolta.
Jean Jacques Rousseau, no seu Contrato Social debruça-se sobra os conceitos de Democracia e Liberdade, considerando que todo o homem nasce livre apesar de em toda a parte viver aprisionado; que a Liberdade é inerente à condição humana e que a sua renúncia, ainda que ocasional, retira a moralidade da ação  que lhe está associada. Segundo Rosseau, pelo contrato social o homem perde a sua liberdade natural e o direito ilimitado a tudo o que pode aspirar ganhando direito à liberdade civil e à propriedade de tudo o que possui. Considera absoluta e infalível a soberania do povo, desde que bem informado, certo de que se coibirá de desrespeitar os limites das convenções gerais. Fascinado pela Democracia considera-a aplicável apenas a um povo perfeito, de deuses, a mas inapropriada aos homens e que, na sua verdadeira aceção, nunca existiu. Contrário ao absolutismo reserva a democracia - direta – aos pequenos Estados e a aristocracia eletiva - democracia representativa - para todos os outros, enquanto mal menor. Inseguro quanto à viabilidade  do princípio do primado da Lei, preconiza, em alternativa, o despotismo arbitrário e tão arbitrário quanto possível, eventualmente de influência divina. Em aparente contradição considera o conflito entre os homens e as leis a causa do estado de guerra permanente e o pior de todos, o estado que o consente.
Desenham-se os dois tipos de democracia ainda hoje presentes na dialética política Ocidental; a popular - direta - e a burguesa - representativa.
 
(Síntese livre da "História do Capitalismo" de Michel Beaud)