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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sábado, 23 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P 12)

 
Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
 
Resumindo, em vésperas da viagem fatídica de Humberto Delgado a Espanha, verificava-se o seguinte quadro:
o   Henrique Galvão, por esta altura, já está fora do circuito oposicionista ativo.
o   Sediada em Argel, a F.P.L.N (Patriótica), de Álvaro Cunhal, Ramos de Almeida, Lopes Cardoso, Piteira Santos, Tito de Morais, Manuel Alegre e outros, controlada pelo Partido Comunista, cuja estratégia, contrariamente ao que acordara por ocasião da 1ª conferência, consistia na rejeição da luta armada em favor da consciencialização de massas, nas escolas, universidades, Forças Armadas, fábricas, mundo rural, etc., de forma a criar as condições de apoio popular a um futuro golpe militar revolucionário. Aconteceu no 25 de Abril de 1974. Note-se que, por esta altura, o PCP beneficiava de um apoio financeiro da União Soviética da ordem dos 10 milhões de euros mensais, o que permitia a profissionalização da militância e a elaboração de uma estrutura consistente que ainda hoje se mantém sem grandes alterações. Os restantes membros tinham constituição incipiente e diminuta.
o   Também sediada em Argel, a F.P.L.N. (Portuguesa), constituída com os dissidentes da F.P.L.N. (Patriótica), liderada por Humberto Delgado, Adolfo Ayala, grupo de apoiantes da sua candidatura, F.A.P. (como observadores), e outros, cuja estratégia consistia no recurso à luta armada para derrubar os regimes de Salazar e de Franco.
o   Mário Soares, Emídio Guerreiro e Jaime Vilhena de Andrade, acompanharam Humberto Delgado na sua Frente Portuguesa, mas houve quem acreditasse convictamente que estavam em missão ao serviço da Frente Patriótica - Henrique Cerqueira colaborador próximo de Humberto Delgado.
o   A Associação de Portugueses Livres de Marrocos, sediada em Rabat, constituída por portugueses oposicionistas, que tomaram o partido de Humberto Delgado.
o   Oposicionistas residentes em Argel, dependentes dos bons ofícios da F.P.L.N. (Patriótica) junto do Governo Argelino, que tomaram o partido de Humberto Delgado.
o   Ben Bella, o lendário Presidente Argelino, ex-jogador do Olympique de Marseille, amigo de Pélé e de Garrincha, líder das forças rebeldes que conduziriam a Argélia à independência da França, apoiava Humberto Delgado, instalando-o no Palácio e oferecendo-lhe meios de treino para 600 operacionais, armas e apoio aéreo.
o   Portugueses oposicionistas na diáspora; Venezuela, Argentina, Brasil, Paris, Roma (D. Maria Pia, filha de D Carlos), cuja missão consistia, no apoio financeiro e institucional ao movimento e na sua difusão.
o   Oposicionistas residentes em Portugal, “sobreviventes” da O.R. (Organização República), cujo propósito seria o de organizar estruturas de apoio popular prontas a entrar em ação logo que se iniciassem as hostilidades.
o   Líderes dos guerrilheiros das colónias portuguesas, com destaque para Amílcar Cabral e sua mulher Helena Cabral, e outros, que mantinham contactos regulares com os oposicionistas em Argel e Rabat, proporcionando algumas facilidades institucionais aos portugueses residentes nestes locais.
o   A P.I.D.E. com agentes infiltrados nas comunidades oposicionistas, lançando a desconfiança entre estes e procurando desacredita-los institucionalmente. 
o   A comunidade internacional, cautelosamente, com grandes restrições, ia dando algum conforto aos oposicionistas, salvaguardando, em geral, o relacionamento com o Governo Português, cuja diplomacia, sob a batuta de Fernando Nogueira, se revelava extremamente ativa e pertinente.
   No plano das ideias para o país verificavam-se incompatibilidades insanáveis entre as várias fações. Do lado da F.P.L.N. (Patriótica) liderada por Álvaro Cunhal defendia-se o advento da democracia e a imediata descolonização e independência dos territórios ultramarinos. Na verdade, os acontecimentos de 74/75, no período que foi designado por P.R.E.C., mostrou-nos um Partido Comunista pouco empenhado na implementação efetiva da democracia. Já a F.P.L.N. (Portuguesa), liderada por Humberto Delgado, defendia uma democracia socialista, a suspensão da guerra colonial e a autodeterminação do povo das colónias via consulta popular, opondo-se a qualquer tipo de totalitarismo. Por outro lado, a O.R. defendia a deposição da ditadura e a implementação da democracia com exclusão do Partido Comunista. O grupo de Mário Soares e Emídio Guerreiro, acompanharam Humberto Delgado na Frente Portuguesa, aderindo, aparentemente, ao seu projeto, em detrimento do da Frente Patriótica.
   É, pois, num contexto de guerrilha entre fações oposicionistas - inevitável face ao exposto, sobretudo entre as duas Frentes, em que cada uma tenta desacreditar a outra junto da comunidade internacional, em especial junto do Presidente argelino e junto da comunidade oposicionista -, vigiadas de perto pela polícia política de Salazar (suspeita de as ter infiltrado) que Humberto Delgado se desloca a Badajós, na sequência da “célebre” reunião de Paris, realizada no hotel Caumartin em 26 de Dezembro de 1964 com oposicionistas radicados em França e delegados de Lisboa e Porto, om o intuito de preparar os apoios internos para a intervenção armada em Portugal que tinha congeminado com o apoio de Ben Bella.
   Nessa reunião, terão participado, além do General, Rolando Verdial, Jaime Vilhena de Andrade, Mário de Carvalho, um tal Azevedo, Emídio Guerreiro e Ernesto Castro e Sousa (Ernesto Lopes Ramos), tendo ficado decidido a ida de Humberto Delgado a Badajós onde se encontraria com correligionários em Portugal, incluindo altas patentes das Forças Armadas, e ainda os delegados de Roma e Paris.
Foto: navio misto, a motor, Amboim, da CCN (não tripulei, mas pisei-lhe o convés)

Peniche, 23 de Fevereiro de 2019
António Barreto
 
 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P 11)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)

“Quando a ditadura é um facto, a revolução é um direito”; a frase que proferiu em 1948 pode ler-se na lápide do seu jazigo.

   E foi assim que, incompatibilizado com Henrique Galvão a quem acusava de traição por querer liderar a secção operacional do movimento e por não ter levado a cabo todos os propósitos da operação Dulcineia, Humberto Delgado, se associou, através do MNI, ao Partido Comunista Português em Dezembro de 1963, constituindo a Frente Patriótica de Libertação Nacional a que viriam associar-se o Movimento de Ação Revolucionária (MAR) de Lopes Cardoso e Gomes da Costa e a Ação Republicana e Socialista (ARS) de Mário Soares.  

   Sol de pouca dura. A estratégia de derrube de Salazar pela luta armada colidiu com a da lenta e progressiva doutrinação das massas preconizada pelo PCP e por Mário Soares. Mas a divergência incidiu também no método da tomada de decisões; Delgado considerava-se o líder da FPLN a quem competia decidir, recusando o método colegial defendido pelos restantes membros e a “ditadura” de Tito de Morais e respetiva família.

   Dez meses depois, a cisão consumava-se com a constituição da Frente Portuguesa de Libertação Nacional, constituída pelo MNI, as forças que apoiaram Humberto Delgado, Delgado, Mário Soares e Emídio Guerreiro - estes, considerados infiltrados por Henrique Cerqueira (delegado de Humberto Delgado) - e elementos da Frente de Ação Popular (F.A.P.) - depois U.D.P., atualmente integrados no B.E. -, como observadores.

  Assinale-se que a Frente de Ação Popular (F.A.P.) - que na sequência do 25 de Abril deu lugar à União Democrática Popular (U.D.P.) a qual por sua vez, associada ao Partido Socialista Revolucionário (P.S.R.) e ao Movimento Política XXI, formaram em 1999 o atual Bloco de Esquerda -, teve origem no movimento designado por Comité Marxista-Leninista Português (CM-LP), organização constituída por Francisco Martins Rodrigues - o “camarada” Campos - membro do Comité central do Partido Comunista expulso do Partido por Álvaro Cunhal em Dezembro de 1963 - que o acusou de ladrão - por defender a luta armada. João Pulido Valente, recentemente falecido, aderiu à nova formação, instalando-se ambos em Argel, aderindo à FPLN de Humberto Delgado.

   Esta dupla dissidência, de Humberto Delgado e dos membros das F.A.P relativamente à estratégia de consciencialização da população preconizada pelo PCP, provocou uma crescente crispação entre as partes, queixando-se o PCP do recrudescimento da repressão salazarista sobre os seus membros em resultado da estratégia de intervenção armada dos “cisionistas aventureiros”.

   Por volta de 5 de Outubro de 1964, João Pulido Valente e Rita D’Espiney, são presos pela PIDE por atividades conspirativas, quando, no âmbito da FPLP (HD) se deslocaram a Portugal a fim estabelecer contactos preparatórios de atentados. Em Janeiro de 1965, um comunicado do CM-LP, acusava o PCP de denúncia dos ativistas e consequente prisão. Nota oficiosa da PIDE publicada na imprensa em 24 de Fevereiro de 1966, permite concluir que o delator teria sido Mário da Silva Mateus, infiltrado na FAP, o qual terá sido executado por Francisco Martins Rodrigues e Ruy D’Espiney, por sua vez presos em consequência deste atentado. Em 7 de Abril de 1976, a UDP, em comunicado à imprensa, responsabiliza o PCP pela prisão dos ativistas das FAP - João Pulido Valente foi libertado logo após o 25 de Abril de 1974 -, acusando-os de se terem apropriado dos ficheiros da PIDE para ocultar as provas da sua colaboração e desacreditar os ativistas dissidentes para o que teriam constituído uma “polícia secreta antirrevolucionária”.

   Segundo relatos de Henrique Cerqueira no seu livro “Acuso”, a história da oposição é um manancial de intrigas, traições, prisões, assassinatos, ambições descontroladas, irresponsabilidades e vaidades desmesuradas, envolvendo figuras gradas da democracia abrilista. Terá sido esta uma das causas do insucesso da luta oposicionista contra o regime de Salazar; incapacidade de articulação de uma estratégia comum com um chefe e uma cadeia hierárquica aceite por todos. Humberto Delgado, no seu estilo espalha-brasas, era um homem de ação, indisponível para burocracias e revoltas de secretária, comportamento que provocava graves dissabores aos comunistas. Paradoxalmente, a perseguição e tortura destes era uma das causas do anti salazarismo de Delgado, que as condenava convictamente, apesar de anticomunista confesso. De todo o modo a polícia de Salazar tinha infiltrado praticamente todos os núcleos oposicionistas mantendo-se ao corrente dos seus movimentos.

   Para completar o puzzle oposicionista, refere-se a Associação dos Portugueses livres de Marrocos, a qual, ainda antes da fundação da F.P.L.N., decidira apoiar Humberto Delgado, o que, após a cisão na FP.L.N., viria a acarretar graves dissabores aos seus membros, em virtude da retaliação que o Partido Comunista e seus aliados da F.P.L.N. lhes passou a mover, bem como a todos os aderentes à causa de Humberto Delgado, beneficiando das boas graças do Presidente argelino Ben Bella. Na sua grande maioria, aqueles, ficaram sem emprego, sem habitação, passaram a ter grande dificuldade na obtenção de vistos de entrada e saída no país, acabando alguns por ser expulsos.

   No interior de Portugal desencadeou-se um movimento revolucionário, que viria a ser designado por “Organização República” (O.R.), disseminado por todo o território com a missão de ocupação dos cargos administrativos quando se verificasse a eclosão da revolta militar de deposição do regime de Salazar e instauração de um regime liberal sem a presença de comunistas. Deste movimento - que viria a ser descoberto e desmantelado pela PIDE, graças a uma notícia publicada no Le Monde com origem numa fonte da F.P.L.N. -, faziam parte figuras como Manuel José Homem de Melo, Marechal Craveiro Lopes, General Botelho Moniz, Contra-Almirante Ramos Pereira, Capitão Vilhena, Coronel Montalvão, Coronel Firmino da Silva, Dr. Dias Amado, Dr. João Manuel da Costa Figueira, Dr.. Zacarias Guerreiro, Francisco Lopes Madeira (comerciante), António Rita (industrial de conservas), José dos Santos (solicitador) e outros.
Foto: paquete Pátria, gémeo do Império.

Peniche, 21 de Fevereiro de 2019
António Barreto

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado; O Mártir Socialista (notas, P10)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
  
Falhado o assalto ao quartel de Beja, Humberto Delgado regressa ao Brasil, onde, sob o patrocínio da maçonaria do Rio de Janeiro, foi tentada, infrutiferamente, a reconciliação com Henrique Galvão. Delgado era Grão-Mestre do Grande Oriente Português do Exílio. Galvão não era maçon. Compreende-se assim melhor a “simpatia” dos socialistas portugueses - onde prolifera a maçonaria - por Humberto Delgado, e o ostracismo a que foi votado Henrique Galvão pelos “democratas” de abril.

   Delgado, não só recusaria a reconciliação com Galvão como o procuraria desacreditá-lo junto da comunidade portuguesa - chamando-lhe fiteiro, traidor, ladrão e gangster -chegando mesmo a pedir a sua expulsão do Brasil. Galvão mover-lhe-ia um processo que viria a ser arquivado pela justiça brasileira, sem julgamento.

   Após a saída de Delgado para o norte de África, Galvão, numa carta à sua mulher, Maria de Lurdes, referir-se-lhe-ia nestes termos:

“-….Esse está liquidado de vez e receio bem que venha a acabar muito mal. Deixa atrás de si o espetáculo de um estado patológico de indignidade política e moral que só se explica com casos de loucura.”

   Quando, 14 meses depois teve conhecimento de que os corpos de Humberto Delgado e da sua amante brasileira Arajyr Campos tinham sido encontrados em Vila Nueva D’el Fresno, publicou no ”O Estado de São Paulo”:

   Foram homens do Partido Comunista Português, companheiros ou ex-companheiros do general Delgado, quem planeou e fez executar o assassínio….Para bons comunistas, o facto de o fazerem desaparecer seria, como para qualquer totalitário, a menor das coisas.”

    Diria ainda à mulher:

   Estávamos mal, irremediavelmente mal, mas isso nada tem a ver com o crime, que foi odioso. Os seus erros de louco pagou-os muito caros.”

     Dececionado com a passividade do povo português perante ditadura salazarista e com o fracasso das suas próprias ações revolucionárias, farto de samba e carnaval, Henrique Galvão morreu a 25 de Julho de 1970 - cerca de 32 dias antes de António de Oliveira Salazar -, sozinho, meio louco, na sequência de uma doença degenerativa cerebral que o conduzira a internamento hospitalar, a expensas do jornal brasileiro onde trabalhara, “O Estado de São Paulo” (Salazar ofereceu-se para o pagamento das despesas mas recusou o seu regresso).    

   Mário Soares visitara-o na clínica, em 1970, tendo-lhe oferecido um cigarro e dando-lhe algum alento quanto às possibilidades de recuperação clínica e de regresso a Portugal. Foi ainda Mário Soares, já Presidente da República, que, a título póstumo, o agraciou, a 7 de Novembro de 1991, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Tinha já sido condecorado pelo Estado Novo, em 1934, como Grande Oficial da Ordem de Cristo. Jaz no cemitério dos Prazeres, na mesma rua do jazigo de Nascimento Costa.
 
Foto do paquete Império; um dos "meus" navios.

Peniche, 17 de Fevereiro de 2019
AntónioBarreto

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado; curiosidades

  
Encontram-se coisas engraçadas nos escritos de Humberto Delgado. Desde logo o elevado nível cultural patenteado e o vocabulário, este, a fazer lembrar o Aquilino. Dá um trabalhão. À parte isso encontram-se algumas preciosidades como estas:
 
Aludindo aos seguidores de Salazar, comparava-os aos comunistas, desta maneira:
 
   "Aconselho-os a instilarem no cérebro a ideia da necessidade de deixarem de ser comunistas, como realmente são, nos métodos, e passo a provar:
   Assim, aplica-se-lhes perfeitamente o dito de Howard Fast no seu livro "O Deus Nu": "Quando estas opiniões se referem a algo que não seja a linha do Partido, estão erradas. Dentro da linha do Partido, o dogma da linguagem sacerdotal é o substituto da linguagem normal do seu país de origem.""
 
Interessante este paralelismo, esta semelhança entre a União Nacional e o PCP.
 
Outro caso é o de Gonçalves Cerejeira, intelectual brilhante, por quem Humberto Delgado nutria enorme respeito, ora vejamos:
 
   Depois de citar partes da célebre carta de D. António Ferreira Gomes a Salazar, diz:
 
   "Gostaria de aflorar a posição de outro alto dignitário, a quem estou agradecido, Sua Eminência o Cardeal Cerejeira, e passando abruptamente a escalão humílimo, dar conta da posição de tantos jovens, entre eles, uma filha minha, noelista, discreta, visitante de um dos bairros da lata de Lisboa, bairros junto dos quais as favelas do Rio engrinaldam em palácios."
 
E mais adiante, a propósito de uma prostituta desesperada à procura de ajuda:
 
   "Ora, o Cardeal, do pouco que conheço da sua personalidade, é um bom. Como candidato que fui à chefatura do Estado, tenho mesmo o prazer de confessar dever-lhe um favor em benefício de uma desgraçada mulher, rameira de profissão, que queria mudar de vida, para o que precisava de apoio mural. Dirigindo-se a um comissário da polícia - claro, dentro da tradição, bem pago e oficial do Exército - obteve como resposta que, quem nasce assim, assim morre, sendo posta na rua! (Ia jurar que o senhor vai à missa, não por ser católico, mas por e para ser polícia).
   Procurou-me então como "o candidato, pai dos pobres", dentro da tendência sebastianista daquele pobre povo sofredor.
   Escrevo ao Cardeal Cerejeira que, em carta rescendendo da mais bela cristandade, me comunicou ir tratar do caso. Esta e outras ocorrências, passando de boca em boca, foram abrindo os olhos ao clero e ao povo."
 
   Curioso este ponto comum de Salazar e Delgado, ambos admiradores de Cerejeira. Por esta altura já Cerejeira e Salazar andavam de candeias às avessas por causa das brutalidades do regime.
 
Em, "A Tirania Portuguesa".
 
Peniche, 16 de Fevereiro de 2019
António Barreto

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P9)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)  
 
  
Mas o sequestro do avião da TAP e do lançamento dos panfletos sobre Lisboa acabaria por realizar-se, com os operacionais Palma Inácio, Manuel Serra, Camilo Mortágua, Fernando Vasconcelos, Helena Vidal - grávida de dois meses - e João Martins. José Cerqueira Marcelino, de 45 anos, foi o piloto do Super-Constellation da TAP - Mouzinho de Albuquerque -, que, de Casablanca, seria desviado para Lisboa onde foram lançados mil panfletos - na Avenida da Liberdade, no Marquês de Pombal, na Rua do Ouro, no Terreiro do Paço, na Avenida 24 de Julho, Alcântara, Barreiro, Beja, Faro -, incitando a população à rebelião, com regresso a Tânger, onde Galvão os esperava. Este dera ordens escrupulosas aos operacionais para não fazerem vítimas. Dois caças F-86 Sabre - Falcões Vermelhos - saíram de Monte Real com ordens para impor o regresso do Super-Constellation a Lisboa ou abatê-lo. Quando levantaram voo, este já tinha aterrado em Tânger. Tal não obstou o inevitável interrogatório da frustrada PIDE aos pilotos. Galvão tinha simulado um desembarque por mar, no Algarve, onde dois navios de guerra aguardaram, em vão. Foi o primeiro sequestro da história da aviação comercial em todo o mundo.

    O comportamento do piloto José Marcelino suscitou rasgados elogios da parte de Henrique Galvão. É verdade que Marcelino foi pragmático, inteligente e corajoso, revelando grande perícia nas manobras da aeronave. Foi talvez pela sua postura serena que não houve vítimas - Camilo Mortágua acharia a operação demasiado fácil -, mas, talvez a razão dos elogios tenha sido outra. É que a resistência da tripulação poderia ter abortado a operação provocando vítimas mortais e manchando o movimento de Galvão. Diferente foi o caso do paquete Santa Maria, em que, apesar do titubeante comandante, o projeto ficou aquém do planeado. Então, Galvão sentiu a frustração.

   Nestes episódios ficou bem expresso o caráter autoritário e paradoxal de Humberto Delgado. O seu egoísmo superou o seu patriotismo. Ao recusar a articulação dos dois projetos sacrificou a probabilidade de sucesso da insurreição, revelando um profundo desejo de poder e ciúmes exacerbados. Afinal ele é que traiu Galvão ao denunciá-lo publicamente. Apesar disso, este mostrou-se melhor preparado para a fase operacional e dum nível de patriotismo superior. Ambos eram corajosos mas Henrique Galvão enfrentou Salazar e o “seu” aparelho por dentro do regime onde ocupava cargo de relevo. Humberto Delgado foi um fiel servidor de Salazar até experimentar o doce sabor da popularidade quando se candidatou, pela oposição, à Presidência da República, por iniciativa de Henrique Galvão. A derrota foi a causa da dissidência. Henrique Galvão Foi uma lenda que o abrilismo quis esquecer, por ser anticomunista convicto e por ter um entendimento diferente relativamente às colónias.

   O convite que a ONU, em 1962 fez a Henrique Galvão para discursar como peticionário contra a política ultramarina portuguesa, acabaria por concretizar-se em 13 de Dezembro de 1963 a pedido dos países africanos e apesar das diligências americanas para o evitar dado o seu interesse em preservar o acordo que tinha com o Governo português para utilização da base da Lages.

   Galvão corria o risco de extradição ao pisar solo americano o que o obrigaria ao cumprimento da pena de 24 anos de prisão pelo cúmulo jurídico relativo às condenações do sequestro do Santa Maria e do avião da TAP. Escapou graças ao diletantismo provocado, intencionalmente, pela administração americana, que terá invocado dificuldades burocráticas, dando tempo a Galvão para apanhar o avião de regresso ao Brasil.

   Porém, para os promotores do evento, a deceção foi total; contrariamente ao que esperavam - a reprovação inequívoca da política ultramarina portuguesa -, Henrique Galvão defendeu a suspensão da guerra colonial seguida da consulta ao povo português e aos habitantes das colónias sobre a autodeterminação, após o estabelecimento da democracia em Portugal, tendo responsabilizado Salazar pelos problemas que se verificavam no Ultramar. Para desespero da audiência africana Galvão declarou que as colónias não estavam prontas para a independência total, o que aqueles consideraram uma atitude colonialista.

   Hoje, que assistimos à invasão da Europa por imigrantes afro-asiáticos, constatamos que Henrique Galvão estava certo; as independências africanas falharam quase todas ou todas, sujeitando as respetivas populações à miséria e à repressão com a conivência da ONU.

   Os fautores da trágica descolonização portuguesa preferiram ignorar o grande opositor de Salazar, para não serem confrontados com os erros que cometeram, já que se limitaram a entregar as colónias, incondicionalmente, empenhados, como hoje, na difusão do socialismo sob o manto hipócrita da ONU.

   No âmbito interno, toda esta turbulência - circularam ainda rumores da oferta de financiamento de 500 mil dólares, pelo regime cubano, para o assassinato de Salazar -, e a convicção da iminência de novas operações, contribuiu para o recrudescimento da ação das forças de segurança cujas principais vítimas terão sido os comunistas, empenhados sobretudo em ações de consciencialização das massas.

   Uma curiosidade; foi Henrique Galvão que apelidou Salazar de caranguejola numa carta que enviou à sua mulher após o regresso da ONU. Caranguejola foi o termo com que a esquerda - da “geringonça” - apelidou o arranjo partidário do governo que a precedeu. Ou seja, implicitamente, chamou fascista a um governo eleito democraticamente.

Foto: Supercontellation idêntico ao que foi sequestrado pela equipa de Henrique Galvão.

Peniche, 13 de Fevereiro de 2019
António Barreto

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P8)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
 
  
É neste contexto que Delgado extingue o cargo de secretário-geral do MNI até então exercido por Galvão. Por sua vez, este, cria o movimento de democratas anticomunistas, a Frente Antitotalitária dos Portugueses Livres Exilados, em nome da qual lança um ultimato a Américo Tomás para, em 30 dias, abdicar do cargo em favor de uma junta governativa com a função de organizar a transição para a democracia.


   Nos meses que se seguiram ao epílogo do sequestro do navio Santa Maria, Delgado e Galvão deram que fazer ao governo de Salazar. E de que maneira! Instalou-se no país a convicção da iminência de operações armadas em território nacional. Os rumores corriam como rastilho. O pânico instalava-se entre a população; por esta altura verificou-se a invasão da Índia Portuguesa, as incursões terroristas da UPA em Angola, os Estados Unidos - do democrata John Kennedy - mudavam de posição, adotando o princípio da autodeterminação dos povos, a ONU acolhia o mesmo princípio, à revelia do Direito Internacional vigente, descurando a validação da representatividade dos “movimentos de libertação”.

   Perante este quadro, concorde-se ou não com as políticas de Salazar, a capacidade deste resistir a toda esta turbulência - sabotagem, subversão, guerra colonial em três frentes e diplomacia internacional - durante cerca de 44 anos , foi invulgar. Ainda assim, de 1950 a 1974, Portugal foi um dos países do mundo cujos indicadores sociais mais progrediram. Foram os anos de ouro da economia portuguesa. Sem ajudas externas. Nem Delgado, nem Galvão, nem Cunhal, nem Soares conseguiram derrubar Salazar, nem Cuba, nem a URSS, nem os EUA, nem os países nórdicos, nem Marrocos, nem a Argélia. Foi um ditador, sim, mas não fascista. Se o tivesse sido, muitos dos seus opositores não teriam sobrevivido à prisão- Henrique Galvão, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Palma Inácio, Manuel Serra, Amândio Silva e muitos outros.

    A incompatibilidade entre Delgado e Galvão era irreversível, e apesar das tentativas de conciliação dos respetivos correligionários, atinge o auge em Outubro de 1961, quando, numa conferência de imprensa em Casablanca, Humberto Delgado acusa Henrique Galvão de traição, denunciando o hipotético golpe que este estaria a preparar contra Portugal, em Casablanca.

   Ambos planeavam ações armadas contra Portugal, mas apesar dos esforços de Galvão, não foi possível conciliá-las. Delgado queria iniciar a revolta sublevando uma unidade militar com infiltrados a que seria dada sequência pelo levantamento popular previamente fomentado. Viria a ser a fracassada revolta do quartel de Beja, em Janeiro de 1962. Galvão queria tomar o posto militar de Santa Luzia em Viana do Castelo onde acreditava resistir 48 horas com uma pequena força dando tempo ao levantamento popular - na sequência do lançamento de panfletos a partir de um avião sequestrado para o efeito. A sublevação do quartel não foi possível por falta de capacidade de recrutamento de Manuel Serra, Raúl Marques e José Paulo Graça. Não havia voluntários.
O mesmo se verificara na Venezuela quando Galvão quis lançar um atentado contra Salazar.
Foto; Jânio Quadros (Presidente do Brasil)

Peniche, 11 de Fevereiro de 2019
António Barreto

 

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P7)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista
(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
 
   
Graças à pressão internacional movida pela diplomacia do governo português, o paquete Santa Maria acabaria por ser entregue ao Governo Brasileiro ficando por concluir os restantes objetivos do sequestro: tomada da ilha de Fernando Pó e ataque a Luanda dirigida inicialmente ao controlo do aeroporto e da rádio, terminando na constituição de um governo. Para este desfecho contribuiu o levantamento da tripulação, o motim dos passageiros, e a intervenção dos fuzileiros brasileiros. No Recife, encontravam-se, entre um “mar” de jornalistas, Artur Agostinho e João Coito trabalhando na reportagem do evento.

     Em toda esta tragicomédia esteve patente o poder diplomático e político do Governo de Salazar e a sua capacidade de intervenção militar - uma força naval estava pronta a intercetar o paquete Santa Maria caso este se dirigisse para África. Porém, este sequestro, foi um marco na viragem da comunidade internacional relativamente à ditadura portuguesa, condenada desde 1945. Curioso é que, de 1950 a 1974, Portugal foi um dos países do mundo cujos indicadores socioeconómicos mais evoluíram. E Salazar, afinal, seria pateticamente derrubado por uma cadeira defeituosa.

   Ao ser informado do sequestro do paquete, Salazar terá comentado: “Bem me parecia. Galvão é homem empreendedor, qualquer coisa haveria de fazer. Sempre me pareceu tolice deixar sair Galvão, sempre me pareceu que nem os argentinos cumpririam a promessa, nem ele ficaria quieto. Mas houve aí uns medos, mil pressões...”.

    Henrique Galvão defendia a dignidade dos negros das colónias e dos portugueses da metrópole, mas era contra a independência daquelas - por não estarem preparadas as populações -, defendia a substituição das ditaduras ibéricas por democracias em regime de confederação com a Galiza, Catalunha e País Basco independentes. Era anticomunista convicto - Galvão chegou a encontrar-se em Cuba com Che Guevara e Raul Castro, para pedir financiamento da operação dulcineia -, razão pela qual é hoje esquecido pelas novas elites políticas. Na Assembleia Nacional onde era deputado, denunciou o trabalho forçado nas colónias que presenciou enquanto Inspetor colonial e apresentou um relatório nestes termos:

“Se quisermos ser realistas, a situação é pelo menos tão desumana como era nos tempos da escravatura. Contudo, nesse tempo, o negro, comparado a um animal de trabalho, continuava a ser uma peça de propriedade pessoal, que o seu dono tinha interesse em manter saudável e vigorosa, como fazia com o seu boi ou com o seu cavalo. Atualmente, um negro não é vendido, mas simplesmente alugado ao Governo sem perder o rótulo de homem livre. O patrão interessa-se pouco que o homem viva ou morra, desde que trabalhe enquanto puder.”

   Um dos financiadores de Humberto Delgado e Henrique Galvão foi o célebre Lúcio Tomé Feteira, empresário de Vieira de Leiria com fortuna, exilado no Brasil, cuja secretária, Rosalina, foi recentemente assassinada num caso que envolveu o conhecido advogado Duarte Lima.

   A 14 de Fevereiro o majestoso paquete Santa Maria atracava no cais de Alcântara onde foi recebido apoteoticamente por Salazar e cerca de 100 mil pessoas. Por essa altura já o Ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, conspirava com o embaixador americano contra o ditador. Os ataques da UPA no norte de Angola a um quartel da PSP e a prisões militares e civis, com que se iniciaria a guerra colonial, verificar-se-iam pouco depois. Botelho Moniz, seria demitido em Abril, após tentativa de golpe de Estado falhada, tendo Salazar assumido a pasta da defesa.

   Ainda em Abril foi detido pela PIDE, em Lisboa, um fotógrafo brasileiro que viria com a missão de levar a cabo vários atentados à bomba no país e contra Salazar, com explosivos que trouxera dissimulados no navio argentino em que viajara. Descoberto, foi condenado a cinco anos de cadeia e solto após cumprida metade da pena. Surpreendente, para um ditador que se diz implacável.

   Um país comunista - supõe-se que a URSS - terá oferecido a Jorge Sotomayor dois contratorpedeiros para afundar o paquete Vera Cruz, com 1500 soldados a bordo e armamento para Angola, com a condição de Portugal sair da Nato logo que Henrique Galvão assumisse o poder. Este terá recusado declarando-se indisponível para aceitar ajuda de países comunistas e para assumir compromissos sem consultar previamente o povo Português. Foi a causa da rutura no DRIL, por várias vezes eminente durante a operação Dulcineia.

   Maria Ruth Nascimento Costa, só receberia a pensão por morte de seu marido - que lhe havia sido prometida por Américo Tomás -, quando Marcello Caetano ascendeu ao poder em 1968! Depois da condecoração a título póstumo por Américo Thomáz, com o colar da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito por altura do funeral, a família do malogrado piloto foi votada ao esquecimento pelo Estado durante sete anos.

   Abandonada a quinta de Campinas por falta de fundos, Humberto Delgado e Henrique Galvão são acusados por 15 guerrilheiros de desvio de verbas e desacreditados publicamente por ação do consulado de Portugal em São Paulo. O DRIL acabaria pouco tempo depois. Pepe Velo dedicar-se-ia à atividade editorial e Jorge Sotomayor continuaria, sucessivamente, a embrenhar-se em causas revolucionárias.

   Os dois opositores de Salazar incompatibilizar-se-iam pouco depois - em Maio -, por discordância da orgânica do MNI; Galvão queria a chefia militar para si e a chefia política para Delgado. Este queria assumir ambas argumentando com a diferença de patentes entre eles. O perfil autoritário de Delgado, mais uma vez patente, acabaria, mais tarde, por provocar graves roturas na oposição sediada em Argel.
Peniche, 10 de Fevereiro de 2019
António Barreto

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P6)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
  
  
Quer no trajeto de Galvão quer no de Delgado há uma vertente quixotesca resultante de um exacerbado conceito que ambos tinham de si próprios e que, frequentemente, vinha à tona. Ambos tinham uma tremenda sede de glória e poder e relativizavam a importância das vítimas. Ressalve-se que, no caso da Santa Maria, as ordens emanadas de Galvão e Velo, foram de que não houvesse vítimas. Apesar disso, Henrique Galvão esteve prestes a ser assassinado pelos seus pares espanhóis por, alegadamente, ter negligenciado o combinado ao negociar com o exterior sem os consultar previamente. Foi poupado para evitar a descredibilização pública da organização e a tipificação do sequestro como ato de pirataria tipificado pelo Direito Internacional Marítimo vigente.

   Avaliação de Galvão a Mortágua: “Camilo – Chefe do Grupo: Decisões e bravura pessoal. Manifestou sempre vontade inquebrantável quanto à realização da operação, sendo neste capítulo o mais regularmente firme. Sujeito a desânimos transitórios perante as dificuldades da preparação. Imaginação viva mas mal informada. Precipitado e pouco reflexivo. Não pode ainda ser-lhe confiada uma ação importante. Pouco previdente quanto às consequências das suas decisões, portanto, imprudente. Politicamente, em formação - Sentimental nos ideais.”

   Proclamação aos portugueses, de Miguel Urbano Rodrigues - jornalista que embarcara no paquete Santa Maria em alto mar, a partir de uma traineira -, “Os nossos lemas serão: a terra para os que nela trabalham e a casa para os que nela vivem. Liquidaremos o latifúndio como liquidaremos a especulação imobiliária”. Um lema que se mantém vivo e em marcha nos dias de hoje pela via reformista encetada pelos “herdeiros” políticos de Humberto Delgado.

   John Kennedy era o presidente americano em exercício. Pressionado para deter o navio português e prender os assaltantes, Kennedy, como “bom” democrata, através do Departamento de Defesa, do seu governo, acabaria por classificar o sequestro como um ato político em obediência a um governo no exílio, personificado pelo general Humberto Delgado. Uma viragem do posicionamento político dos EUA que acabaria com o suporte político da ONU ao governo de Salazar e desencadearia as lutas de guerrilha de “libertação” das colónias, legitimando-as.

      A prosápia quixotesca de Galvão - uma estatueta do cavaleiro da triste figura adornara a sua secretária em Lisboa - vem de novo à tona no telegrama que envia a Humberto Delgado pouco antes de o navio entrar em águas brasileiras: -“Ao entrar em águas do Brasil, com a primeira fase da missão que V.Ex.ª me confiou integralmente cumprida, todas as forças sob meu comando e eu saudamos em V.Exª, o único chefe de Estado português que reconhecemos e a suprema autoridade portuguesa do DRIL.” As forças sob comando de Galvão - a secção portuguesa do DRIL -, seriam, quando muito, uma dúzia de românticos meio falhados e mal treinados seduzidos pelo fascínio da aventura, como Rosa Soskin, a enésima amante do Capitão. Enfim, afinal compreende-se pela intenção de impressionar o mundo exterior.

   Logo depois, o mesmo Galvão, exibe a sua compulsiva fanfarronice ao insultar os tripulantes, que, na espectativa da proteção brasileira, se recusaram a tripular o navio sem o prévio compromisso pelo chefe rebelde, do seu desembarque.

   Henrique Galvão não era cobarde, demonstrou-o sobejamente, pelas denúncias públicas que fez do governo de Salazar e pelo seu rocambolesco trajeto pelas prisões, hospitais e embaixadas, até ao exílio na Argentina, Venezuela e Brasil. Ao ter declinado a ideia alternativa de sequestro dum navio de guerra com o pretexto da previsível reação da respetiva tripulação preferindo um navio de passageiros totalmente desarmado, contando com a proteção de tripulantes e passageiros enquanto escudos humanos, Henrique Galvão perdeu a autoridade moral de chamar cobardes àqueles.

   O sequestro do paquete Santa Maria, agravado com o assassínio traiçoeiro de dois tripulantes e agressões a tiro e à coronhada a tripulantes e passageiros desarmados, foi um ato de cobardia. Fanfarrão, o Capitão afirmou-lhes que, no lugar deles, teria reagido enfrentando os assaltantes. Uma parvoíce. Com cerca de 600 pessoas a bordo sem treino militar, sem armas, desconhecendo a quantidade e o posicionamento dos assaltantes, com suspeita de explosivos nos porões, reagir era a opção errada.

   A faceta exibicionista de Henrique Galvão, que sempre o acompanhou, esteve bem patente quando pediu ao artífice do navio para lhe fazer três divisas em latão - exageradamente largas -, com que se adornou, acrescentando-lhes quatro estrelas autopromovendo-se a “General”. Parece anedota!

   Ao anoitecer, chega numa traineira ao paquete Santa Maria, Humberto Delgado. Ao subir a bordo é vítima dum pequeno acidente com uma grua, cujo gancho o atinge, prendendo-se no seu cinto e suspendendo-o. Prestes a cair ao mar, ter-se-á agarrado à escada vociferando um palavrão, ameaçando um repórter a quem culpava, de destruição. Um jornalista português que assistiu à cena descreveu o episódio, à redação do seu jornal: -“Assim mesmo, um pouco pendurado e esperneando, voltou-se para trás exclamando para a sua secretária que o acompanhara na lancha e foi também a bordo: -“Se eu morrer, diga há minha mulher: “morreu como um herói…”.

   Também Humberto Delgado “sofria” desta malfadada doença do heroísmo, do desejo de eternidade - da qual padece grande parte dos homens que pretendem salvar o mundo. No fundo o medo da morte e a angústia da solidão estão na origem da busca de causas dos aspirantes a heróis. Uns são-no de facto, outros não passam de impostores. Não creio, porém, que tenham sido os casos de Galvão e Delgado.
Peniche, 7 de Fevereiro de 2019
António Barreto

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P5)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)  

Depois das muitas peripécias de preparação, nas quais Camilo Mortágua teve ação destacada - no recrutamento de operacionais e na obtenção de donativos e alimentos para o projeto -, e onde surgem personalidades como Miguel Urbano Rodrigues, Victor da Cunha Rego e Jaime Cortesão, após um período de treino na colónia de férias Los Caracas, inicia-se em La Guaira, a 20 de Janeiro de 1961, a operação Dulcineia, com a entrada a bordo do grosso dos operacionais e armas. Galvão e José Frias juntar-se-lhes-iam no dia seguinte na ilha holandesa de Curaçau. “Honra ou morte” foram as palavras de ordem de Humberto Delgado a Henrique Galvão.

   Quer Galvão, quer Delgado, praticaram ações de grande bravura, mas o sequestro do paquete Santa Maria não foi uma delas; dominar uma tripulação de um navio de passageiros desarmados, servindo-se destes como escudos perante a eventualidade de reações externas, não é grande feito.

   A operação saldou-se por um semifracasso; salvou-se o impacto mediático mas ficaram por consumar a tomada da ilha de Fernando pó e os ataques a São Tomé e Príncipe e a Luanda.

   O momento trágico do sequestro viveu-se ponte onde uma precipitação dos assaltantes desencadeou um tiroteio que atingiu o 3º Piloto de serviço, Nascimento Costa, que ficou no chão a esvair-se em sangue pedindo para acabarem de o matar. Já alvejado com um tiro, o 3º Piloto, tentara refugiar-se na Casa de Navegação resistindo a Jorge Sottomayor, altura em que voltou a ser alvejado e derrubado. Viria a falecer mais tarde na enfermaria, ele, que estivera para não embarcar para assistir, em Lisboa, ao nascimento do primeiro filho.

   O praticante de Piloto João Lopes foi a segunda vítima, atingido com um primeiro tiro num braço e dois nas costas quando tentava avisar o comandante Simões Maia.

   Também o médico Cícero Campos foi atingido com um tiro nas costas ao desobedecer às ordens dos assaltantes. Apesar disso, ao deparar-se com o macabro cenário na ponte, para onde o obrigaram a dirigir-se, convenceu-os a consentirem na transferência dos feridos para a enfermaria onde lhes foi prestada assistência médica pela equipa liderada pelo Dr. Teodomiro Borges1. Nascimento Costa, com uma bala alojada num pulmão, viria a falecer na manhã seguinte pelas 07h20’.

   Os comportamentos dos assaltantes - com Camilo Mortágua pateticamente armado até aos dentes, com pistola, metralhadora, granadas, bastão e faca de mato, quando a única arma a bordo era uma pistola de 6,35 mm…sem balas, e as bravatas serôdias de Henrique Galvão: “Estejam descansados e não se preocupem que ninguém lhes faz mal, eu sou o Capitão Galvão” e “Não se está a passar nada além do facto de eu ter tomado o seu navio”-, à parte as trágicas vítimas, mais se assemelhavam aos de atores de uma comédia burlesca do que aos de operacionais militarizados. Estes eram apenas 25. As mortes foram consequência da falta de treino e de sentido de missão.

Peniche, 05 de Fevereiro de 2019
António Barreto

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (Notas, P4)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)

   João José Nascimento Costa o 3º Piloto de serviço na ponte de comando do Santa Maria morto pelos assaltantes ao reagir ao ataque, tentando desarmar Jorge Sotto Mayor. João Lopes, Praticante de Piloto em serviço com Nascimento Costa foi o também alvejado, cobardemente, com três tiros nas costas, vindo a falecer na ilha de Santa Lucia onde foi desembarcado.


A PIDE teve conhecimento desta nova organização mas subavaliou o seu potencial. Várias bombas deflagraram em Espanha; na sede do Ayuntamiento de Madrid - por ocasião da visita do MNE português - e junto à sede da Falange espanhola - partido que apoiava o regime franquista -, onde morreu o bombista. Por deflagrar ficaram duas outras bombas; uma na sede da Ibéria e outra numa estátua junto ao museu do Prado. Foram detidos dois suspeitos pela polícia espanhola; um foi condenado a 30 anos de prisão, outro à morte por estrangulamento pelo garrote. Henrique Galvão, porta-voz para a Venezuela, fundamentou o uso de explosivos e prometeu ações idênticas em Portugal com salvaguarda de vidas inocentes e de interesses estrangeiros.

   Foi então que, numa iniciativa local de recrutamento, José Fernando Fernández Vasquez - o célebre Jorge Sotomayor -, ex-oficial da marinha, combatente antifranquista e antifascista, sobrevivente de Saint Ciprien e Auschwitz, aderiu ao DRIL, vindo a desempenhar papel de relevo no sequestro do Santa Maria e a ser um dos suspeitos da morte do piloto Nascimento Costa, este, segundo Galvão, “o único tripulante que merecia viver”.

   Pouco depois, o “bom coração” do operacional destacado pelos militantes do DRL na Bélgica para a operação Covadonga, poupou a vida a milhares de adeptos e ao próprio Franco - que assistiam, no Santiago Bernabéu à finalíssima da Taça entre o Real Madrid e o Atlético de Madrid, que este viria a ganhar -, ao desistir do atentado à bomba destinado a matar o ditador espanhol. A antevisão das vítimas inocentes tê-lo-á feito recuar, depositando a bomba, desativada, numa casa de banho do estádio.

   A mesma sorte não tiveram os cinco civis e a menina de ano e meio, Maria Begoña Urroz atingidos no atentado do dia seguinte, 27 de Junho de 1960, na estação de San Sebastán - aqueles feridos e esta atingida mortalmente -, a quarta de uma série de explosões que incluíram as estações de Madrid e Barcelona, uma semana após o encontro de Salazar e Franco em Mérida.

   Contrariamente à ativa divisão espanhola do DRIL à qual não faltavam operacionais determinados, Henrique Galvão, frustrado, não conseguiu arregimentar voluntários para a operação de rapto de Salazar em Lisboa que congeminara. Contudo, conseguiu ganhar a simpatia do futuro Presidente do Brasil, Jânio Quadros, então apenas candidato. E cria a fugaz rádio “Voz Portugal Livre” com emissor numa embarcação vagueando pelas caraíbas e audível em Lisboa.

   Finalmente, veio a operação Santa Maria. Sob a égide de Humberto Delgado, que mandata Henrique Galvão, secretário-geral do MNI, a constituir, com a DRIL, a Junta Nacional Independente de Libertação (JNIL) com a finalidade de realizar operações de libertação de Portugal em território pátrio ou equiparável; navio ou aeronave. O comando do lado espanhol ficou a cargo de Jorge Sotomayor e do lado português, de Henrique Galvão. Dulcineia foi o nome que Delgado deu à operação.
 
 
Peniche, 1 de Fevereiro de 2019
António Barreto