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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Olhando para Dentro (VII)

Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
 
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
  A governação de Salazar: Cooptação de notáveis, poder pessoal e catedocracia estatista

   Uma das razões do longo consulado de Salazar residiu na forma como atraiu ao regime as várias frentes políticas. No seu discurso programático de 1932, “As Forças Políticas Perante a Revolução Nacional”, Salazar afirmou aceitar todas as forças políticas patrióticas com a condição de abdicarem de atividade política autónoma fora do regime. Visava, sobretudo, os diversos partidos da direita envolvida na Revolução do 28 de Maio; católicos, monárquicos, integralistas e fascistas. Todos poderiam apresentar e discutir as suas ideias mas submeter-se-iam à decisão de Salazar. Tratava-se pois de um regime de várias tendências de direita mas centralizado e autoritário.

   As elites locais, de natureza eminentemente caciquista e paroquial, sem preocupações ideológicas, adaptaram-se facilmente à nova ordem integrando-se na União Nacional, (UN) apesar dos protestos dos puristas do regime.

   Tal como referiu Marcello Caetano, enquanto responsável pela UN, esta agregava os líderes de província, não para colaborarem nos planos da governação, mas para procurarem soluções para os problemas das suas clientelas a troco de apoio eleitoral.

   A missão da UN consistia em estabelecer a ligação entre o poder central e o do interior, fomentando o clientelismo, o nepotismo e o tráfico de influências. O mito da imunidade do Estado Novo ao clientelismo não se verificou.

   Salazar votava um certo desprezo à UN considerando a sua atividade de “baixa política” ou “política de campanário” indigna da sua dedicação. Só em 1949 e perante ameaça de demissão Marcello Caetano, enquanto líder da UN, conseguiu uma audiência semanal com o chefe do Governo.

   Contudo a UN permitia a Salazar acompanhar os acontecimentos e personalidades locais e acionar os correspondentes mecanismos de apoio eleitoral.

   A governação de Salazar, solitária, distante, burocrática, misteriosa, contava com um grupo informal de conselheiros, das várias tendências do regime que eram consultados em épocas de crise ou de remodelação governamental. Dele faziam parte Bissaya Barreto, Albino dos Reis, Mário de Figueiredo, José Nosolini, Santos Costa, Teotónio Pereira e Marcello Caetano, entre outros. Eram os “olhos e ouvidos de Salazar”. Pronunciavam-se sobre qualquer assunto ainda que descorrelacionado com as respetivas especialidades. Nem todos tinham funções no Governo sendo alguns recompensados com nomeações vitalícias para o Conselho de Estado ou para funções diplomáticas de prestígio.

   Hipólito Raposo - monárquico opositor - e Marcelo Caetano - (republicano crítico) - aludiram ao funcionamento altamente centralizado do Governo tendo afirmando aquele que no Estado Novo não havia nada além de Salazar e este que o Governo era a única fonte de política ativa. Tais afirmações não andariam muito longe da verdade.

   Apesar de a lei determinar que a decisão de certos assuntos fosse tomada em Conselho de Ministros Salazar preferia fazê-lo reunindo individualmente com o respetivo ministro. Perante as críticas de Adriano Moreira e Marcello Caetano, Salazar alegava a necessidade de sigilo, a falta de conhecimentos gerais dos ministros - que não davam contributos fora dos temas das respetivas pastas - e que “sendo dois já era um Conselho”.

   Perante as sucessivas críticas de Caetano - que referia a necessidade de criação dum forte secretariado da Presidência do governo e a necessidade de reunião frequente do Conselho de Ministros para pensar e coordenar políticas -, Salazar respondia com a sua conceção de governação de trabalho, que irradiava para os ministérios dignos de atenção. Considerava-se uma espécie de Rei Sol. Os Conselhos de Ministros, quando se realizavam, serviam, essencialmente, para evitar a desautorização formal dos ministros. Excetuavam-se as alturas de crise, em que Salazar lhes reconhecia alguma utilidade, para recuperar a iniciativa política, dar ânimo às elites e definir linhas de ação comuns.

   A concentração de poder em Salazar consubstanciou-se também na acumulação da titularidade das principais pastas - colónias, defesa, negócios estrangeiros e finanças -, desde os anos iniciais - 1928 - até 1945, e a partir daqui em cogestão com os respetivos ministros. 

   Foram criados os cargos de Ministro da Presidência - de que foram titulares Lumbrales, Marcello Caetano e Teotónio Pereira - na lógica de reforço do poder de Salazar e não do do Conselho de Ministros. Este, devido ao seu esvaziamento de poder, nem de secretariado dispunha.

   Marcelo Caetano chegou a afirmar a Salazar que o temor dos ministros era tal que, perante ele, não ousavam dissidir. Mário de Figueiredo chegou a aconselhar um novel político a fazer-se de morto se queria sobreviver politicamente.

  Contudo os Ministros eram os detentores do poder depois de Salazar e tinham acesso direto ao líder (afinal o “Rei Sol” era, também, o líder).  

   Por seu lado, o poder Presidencial de demitir o Presidente do Conselho estava condicionado pela dependência dos Presidentes relativamente a Salazar; o primeiro, general Carmona, pela forte ligação política e necessidade de contar com o aparelho da UN para os atos eleitorais, os seguintes, general Craveiro Lopes e Almirante Américo Thomaz, fragilizados por terem sido escolhidos por ele. O poder de Salazar sobrepunha-se, de facto, ao poder institucional do Presidente da República.

   Miguel de Unamuno definiu o Governo de Salazar como uma ditadura “académico-castrense”. O que seria verdade sobretudo nos primeiros anos em que predominaram os oficiais relativamente a períodos anteriores e posteriores. Mas ainda mais os professores universitários; o regime era uma catedocracia, uma “ditadura de doutores” como referia Salazar.

   A meritocracia, forma autoritária de tecnocracia, constava da estratégia do governo consubstanciada na procura de talentos e competências, pois Salazar considerava importante a participação dos técnicos. A tal ponto que considerou prioritária a formação de vastas de elites face à necessidade de alfabetização da população.

   Á sua maneira o Estado Novo continuou a ação das revoluções liberal e republicana de renovação das elites e de assunção dum certo credo vanguardista como via para a regeneração nacional. A diferença consistia na concentração de poderes, durante décadas, em Salazar, e no conservadorismo no campo dos valores.

   O Parlamento reunia-se esporadicamente - três meses por ano - e produzia muito menos leis do que o governo. Servia essencialmente para agrupar, dar voz e “avaliar o pulso” das famílias políticas do regime.

   A oposição não tinha representação contrariamente, por exemplo, à ditadura militar no Brasil em que o MDB estava representado.
 
 
Pedro Teotónio Pereira
 
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto

domingo, 21 de junho de 2020

Olhando para Dentro (VI)

 
Olhando Para Dentro 
1930-1960 
(Bruno Cardoso Reis)
 
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
  
Salazar e um grande Portugal: das colónias ao ultramar sem mudar nada de essencial:
   Dada a dimensão do Império Colonial Português - o terceiro maior à época (em extensão) -, as colónias desempenharam um papel fulcral na consolidação do poder, fortemente nacionalista, de Salazar.
   As crises de 1930 e 1961, - na primeira, Salazar foi acusado de falta de empenho na preservação das colónias e na segunda, de as não querer alienar -, tendo feito abanar o regime, acabaram por reforçá-lo.
   Salazar, acusado em 1930 de querer “sacrificar o império no altar da austeridade” - em consequência das declarações de Quirino de Jesus - seu mentor nos primeiros anos de vida política -, nas quais referiu o prejuízo económico das possessões ultramarinas -, empenhou-se no saneamento financeiro, na centralização do poder e na “nacionalização” das colónias.
   Durante os cerca de seis meses de 1930, em que foi ministro interino das colónias, Salazar infletiu a política seguida na Primeira República, caracterizada por uma crescente autonomia dos governadores coloniais então designados por altos-comissários.
   Aos colonos foi negada qualquer autonomia e impostas culturas obrigatórias. Por outro lado, foram-lhes garantidas quotas de mercado na Metrópole e trabalho forçado nas suas explorações.
   À crescente pressão internacional, promovida pela Sociedade das Nações, pela Organização Internacional do Trabalho e, mais tarde, pela Organização das Nações Unidas, respondeu Salazar com alterações pontuais e uma tenaz diplomacia de resistência, através de Armindo Monteiro, seu primeiro ministro das colónias.
   Depois de 1945, reagindo à mudança de contexto externo, Salazar consentiu a Marcelo Caetano - seu segundo ministro das colónias - uma reforma descentralizadora, que, afinal, se restringiu a aspetos menores, nunca pondo em causa o centralismo da Metrópole. Criaram-se os Conselhos Legislativos, integrando, numa primeira fase, colonos, e, mais tarde, negros e mestiços, corporizando o multirracialismo doutrinário.
   Porém, o Código do Indigenato de 1928 mantinha excluída da cidadania uma grande parte da população (note-se que, Marcello Caetano, justificava esse Código com a necessidade de proteger os indígenas do interior do choque cultural das cidades - ver em Depoimento).
   Apesar de alguma preocupação de Salazar com os excessos do trabalho forçado nas Colónias, a dissidência de Henrique Galvão decorreu da passividade daquele ante as conclusões do seu relatório enquanto Inspetor, que culminou com violenta denúncia numa reunião secreta (?) da União Nacional (tal marcaria o início do fim do estado de graça de Galvão junto de Salazar, apesar deste ter discordado do afastamento daquele da UN).
   (O desenvolvimento desta oposição culminou com o sequestro do Santa Maria, uma espécie introdução à tentativa de golpe de Botelho Moniz e do início da guerra em Angola, em 1961).
   De assinalar que, na reforma de 1951, retomando o tema levantado em 1930 por altura do Ato Colonial, se alterou a terminologia das “possessões” ultramarinas, tendo-se substituído a designação de Império por Ultramar e de Colónias por Províncias.
   (Tal decorreu de uma resolução da ONU exigindo que os seus associados declarassem formalmente a existência ou não de “Povos não autónomos” nos seus territórios, a fim de, em caso afirmativo, implementarem programas de desenvolvimento das respetivas populações com garantia de autodeterminação. A alteração constitucional efetuada por Salazar permitiu-lhe sustentar, juridicamente, a tese da unidade política e administrativa do país e consequente inexistência de “povos não autónomos”. Só depois de 1945, a ONU, devido à teimosia de Salazar avançar com reformas em África, passou a considerar as “possessões” portuguesas como Colónias alvo de exigências específicas. Até aí considerava o caso português diferente dos restantes. E era.)
   Marcello Caetano e Sarmento Rodrigues implementaram um conjunto de reformas de cariz tecnocrático nas Províncias Ultramarinas com o propósito de fomentar o seu desenvolvimento económico. O fomento Ultramarino subiu à categoria de Subsecretaria de Estado, foi criado o Instituto superior Colonial e múltiplos organismos técnicos especializados desde a medicina à agricultura.
   Porém, nenhuma reforma descentralizadora foi introduzida. Pelo contrário, em 1959, (ano da Revolta da Sé e um ano após o caso da candidatura presidencial de Humberto Delgado), prevendo as revoltas nacionalistas, foi criado o Gabinete de Negócios Políticos com a missão de coordenar as ações dos Ministérios da Defesa, dos Negócios Estrangeiros e do Ultramar, na defesa das Províncias Ultramarinas.
   As crescentes críticas internacionais, lideradas pela ONU, encorajaram as insurreições nacionalistas em Angola no ano de 1961; levantamento contra a cultura forçada do algodão no Leste ataque às prisões de Luanda (São Paulo) em Fevereiro e insurreição armada no norte, em Março (ataque terrorista da UPA - União dos Povos de Angola - que vitimou cerca de 1500 pessoas entre brancos e negros). 
   Adriano Moreira, Ministro do Ultramar em 1961, procurou implementar a sua política de “autonomia progressiva e irreversível”, determinando o fim do trabalho forçado, das culturas obrigatórias e do Estatuto do Indigenato. Procurava-se, assim, eliminar as fontes de descontentamento interno e esvaziar os protestos externos eliminando os apoios aos movimentos independentistas.
   A ser levado à prática, o projeto de Adriano Moreira enfraqueceria o poder de Salazar e, com a independência das Províncias Ultramarinas, conduziria Portugal à irrelevância internacional. Contrariamente a outros países colonizadores, como a Grã-Bretanha e França, Portugal não dispunha de meios que lhe permitissem praticar o neocolonialismo (o que ainda ocorre em muitas ex-colónias).
   Finalmente, como reconheceu Almeida Santos, em 1961 Salazar tinha o povo e alguns dos seus mais prestigiados adversários do seu lado. A descolonização significaria o seu suicídio político (engraçado este raciocínio, focado no poder de Salazar e não na legitimação desse poder pela vontade do povo na questão colonial) e contrariaria a sua política nacionalista.
 
                                                        Henrique Galvão
 
 
Adriano Moreira
 
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Olhando para Dentro (V)

 

Olhando Para Dentro 
           1930-1960 
 
             (Bruno Cardoso Reis)
 
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
 
 

As Crises de 1958-1961: Militares, Católicos e Colónias contra o Regime:

O primeiro abanão no regime foi provocado pelas eleições de 1958. Humberto Delgado, jovem general         acabado de regressar da NATO, foi o candidato da oposição atlantista (moderada). Ainda tenente, Delgado participou no 28 de Maio, tendo desempenhado vários cargos ao serviço do Estado Novo, esvaziando-se, assim, o argumento do perigo comunista. Por outro lado, o contacto com regimes democráticos, no âmbito das funções que desempenhara na NATO, consciencializou-o para a necessidade de democratização do regime.

Inicialmente relutante devido ao passado salazarista de Delgado, a oposição comunista escolheu Arlindo Vicente para candidato. Contudo, o dinamismo da candidatura daquele e a famosa expressão, “obviamente demito-o”, decidiram os comunistas a apoiá-lo, retirando o seu candidato da contenda.

A união de toda a oposição em torno da candidatura de Humberto Delgado ficou consagrada no “Pacto de Cacilhas” realizado em 1958.

Salazar temeu um “golpe de Estado constitucional” apoiado pelos militares, argumento que já utilizara ao tempo da candidatura de Norton de Matos. Ato contínuo, com a incumbência de assegurar a ordem durante a campanha, nomeou um comando militar do qual fizeram parte dois futuros golpistas: Botelho Moniz e Costa Gomes.

Contudo, segundo testemunho de Costa Gomes, tal temor era infundado. O comportamento errático e excessivamente ambicioso de Delgado aliado à sua juventude, e o facto de pertencer ao ramo recente da Força Aérea, suscitaram reservas por parte das chefias militares. Não tiveram pois seguimento os apelos pessoais que Delgado lhes endereçara de adesão ao seu projeto.

Ficou porém a semente que haveria de revelar-se no pronunciamento militar de Abril de 1961.

A turbulência política decorrente destas eleições levou Salazar a alterar o modelo eleitoral na revisão constitucional de 1959. O Presidente da República passou a ser eleito por um colégio eleitoral controlado pelo Presidente do Conselho.

Este facto parece demonstrar que, por um lado, se tivessem sido justas, estas eleições poderiam ter sido ganhas por Humberto Delgado, por outro, que as eleições tinham a finalidade de legitimar o poder constituído não passando de mais um instrumento do regime (de cariz plebiscitário).

Na frente religiosa o relacionamento de Salazar com a Igreja Católica - pilar fundamental do regime - não foi isenta de atritos. As negociações da Concordata, que decorreram entre 1937 e 1940, estabeleceram a separação institucional entre Igreja e Estado mas também o modelo de colaboração nas áreas em que havia convergência.

Houve porém desacordo quanto à participação política dos católicos; Salazar não obteve do Vaticano garantia de neutralidade. Tal foi interpretado pelo ditador como um sinal de futura intervenção política da Igreja através da criação de um partido da Democracia Cristã como ocorreu na Europa Ocidental no pós-guerra.

Em 1958, confirmando-se os receios de Salazar, um emissário do papado sondou os membros da União Nacional para a formação dum partido democrata-cristão. D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, fazia parte do projeto com o objetivo de mobilizar os fiéis. Pressionado, D. António endereçou a Salazar uma carta-memorando que, além de abanar o regime, funcionou como orientação política para os católicos. Nela, o prelado pôs em causa o “financismo” e o corporativismo da governação de Salazar e defendeu a existência de sindicatos independentes, o direito à greve e o multipartidarismo.

Com a ameaça de resolução da Concordata Salazar conseguiu do Vaticano o afastamento de D. António Ferreira Gomes em 1959. Apesar disso, e a partir do exterior, onde permaneceu dez anos, o prelado liderou os dissidentes católicos que o visitavam regularmente.

O pilar católico transformou-se em nova frente política de cariz progressista. Porém foi o início da guerra colonial, em 1961, que abanou os alicerces do regime.
Humberto Delgado
 
Arlindo Vicente
 
 
D. António Ferreira Gomes
 
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto
 

 

 
 
 

sábado, 13 de junho de 2020

Olhando para Dentro (IV)



Olhando Para Dentro 

1930-1960
 
               (Bruno Cardoso Reis)
 
          (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)  

 
A segunda consolidação do regime (1949-1958):
No auge da Guerra Fria, com os regimes ibéricos considerados aliados na luta da Europa Ocidental contra a expansão do comunismo, a oposição ficou sem apoios externos; a União Soviética, demasiado distante, suscitava reservas nos setores moderados. Na frente interna, as sucessivas depurações, decorrentes das várias tentativas golpistas do pós-guerra, e a renovação geracional, retiraram à oposição os apoios que detinha no seio da Forças Armadas.
Com a oposição dividida o PCP assumiu a liderança oposicionista - estratégia que seguia desde o fim da II GM - fundando, em 1949, o Movimento Democrático Nacional (MDN) dirigido por Rui Luís Gomes - prestigiado professor universitário saneado em 1947 por razões políticas.
Os setores oposicionistas moderados - demoliberais e pró-ocidentais - organizaram-se num Diretório Democrático-Social liderado por António Sérgio e Mário de Azevedo Gomes.
Enquanto a oposição comunista se afirmava nacionalista (curioso!) a oposição atlantista reclamava para si o propósito eminentemente social.
É neste contexto que Salazar se depara com a encruzilhada política resultante do falecimento do Marechal Carmona, Presidente das República desde 1928, apoiante decisivo de Salazar nos primeiros anos. Consta, segundo testemunho em Tribunal dos intervenientes, que foi o inspirador do golpe militar abortado de 1947 designado por “abrilada”.
As hostes salazaristas agitaram-se dividindo-se em várias fações; republicanos e monárquicos, católicos e laicos e modernizadores e conservadores. Mário Figueiredo pelos monárquicos, Marcello Caetano pelos modernizadores e Santos Costa pelos ultraconservadores foram as figuras que mais se destacaram.
Mário Figueiredo, companheiro de Salazar dos tempos do seminário, líder da Assembleia Nacional, propôs a acumulação das funções de Presidente do Conselho e da República por Salazar até ser designado o herdeiro ao trono, com a finalidade de restauração da monarquia, seguindo a linha tradicionalista conservadora, à semelhança do que Franco tentara em Espanha.
Opondo-se a esta solução, Marcelo Caetano defendeu, no âmbito do reconhecimento do Estado Novo, a legitimação popular do regime republicano e a candidatura de Salazar a Chefe de Estado, abrindo espaço à sua substituição na chefia do Governo e à renovação e maior institucionalização do regime, modernizando-o controladamente. Caetano, um dos candidatos naturais à sucessão de Salazar, assumiu um discurso de adesão ao salazarismo na apresentação das suas propostas esperando, assim, obter o apoio popular.
A terceira opção, a que foi seguida, foi protagonizada pelo líder da ala militar do regime e figura de proa do salazarismo, Santos Costa. Monárquico e católico, Santos Costa recusou a restauração da monarquia alegando falta de apoio do setor militar e propôs a nomeação dum civil para o cargo de Presidente da República. Ante a insistência de Salazar na manutenção do formato, foi Santos Costa que, a seu pedido, indicou o sucessor de Óscar Carmona, o general Craveiro Lopes, comandante da Legião Portuguesa. Este, porém, era uma segunda escolha. A primeira recaíra no general Afonso Botelho, comandante da Guarda Nacional Republicana (GNR), que recusou.
Por ocasião das eleições presidenciais em 1951, a oposição, dividida, apresentou dois candidatos; os atlantistas avançaram com o Almirante Quintão Meireles, um dissidente do regime, católico, “português de lei”, por isso insuscetível de ser visto como simpatizante do comunismo. Porém, descredibilizou-se perante a oposição ao afirmar-se fiel à pureza dos ideais do 28 de Maio, no qual participou, apesar de, infrutiferamente, ter apelado à dissidência nas fileiras situacionistas. O indiciado candidato da linha pró-comunista, professor Rui Luís Gomes, foi considerado inapto pelo Conselho de Estado, acabando por se juntar, no Brasil, a uma importante comunidade oposicionista exilada.
Os sete anos seguintes, sob a égide do anticomunismo, foram de acalmia e algum progresso económico e na educação. Porém, algumas brechas começaram a surgir; na Igreja Católica, nas Forças Armadas e no Império Colonial.
Do lado católico, os jovens, cada vez mais críticos com o regime, foram-se afastando, chegando algumas das suas publicações a ser proibidas a partir de 1953. As causas radicam em dois fatores, o primeiro dos quais no facto de não terem vivenciado o anticlericalismo da primeira república e o segundo, na grande renovação católica resultante do Concílio Vaticano II (1962 a 1965). Por outro lado, a participação crescente dos católicos em reuniões internacionais numa Europa solidamente democratizada, ajudou a mudar comportamentos no seio da congregação.
Do lado das Forças Armadas, a sua modernização, no âmbito dos programas da NATO, conduziu à participação de jovens oficiais em cursos de formação e no comando de operações militares, familiarizando-os com as democracias ocidentais, ordeiras e prósperas, enquanto, simultaneamente, os manteve afastados da política interna.
Finalmente, no Império Colonial, o aumento da procura internacional pelos produtos coloniais resultante do investimento efetuado, provocou o aumento do peso do trabalho e das culturas obrigatórias. Por outro lado, a aposta na formação das populações africanas resultou no acesso de muitos jovens negros e mestiços ao ensino superior, em Portugal ou no estrangeiro, financiados pelo Estado ou pelas missões.
Assim, em 1944, com o intuito de unir os estudantes africanos em torno do Império, foi criada a Casa do Império, que viria a produzir, ironicamente, o efeito contrário. De facto ali se formou o Movimento Anticolonial (MAC); dali saíram alguns dos principais líderes independentistas; Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos.
Em resumo; com elites africanas mais educadas e com a economia colonial internacionalizada, surgiu um maior contacto dos africanos com a realidade fora de África e um maior desejo de libertação.
 
António Sérgio
 
Craveiro Lopes
 
Quintão Meireles
 
Mário de Figueiredo
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto


quinta-feira, 11 de junho de 2020

Olhando para Dentro (III)


Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
 
Segunda Guerra Mundial, a primeira consolidação do Estado Novo:
Numa primeira fase, até cerca de 1943, a Segunda Guerra Mundial atenuou os movimentos oposicionistas graças à convergência geral da necessidade de preservação da independência do país. A estratégia de neutralidade seguida por Salazar, além de razões de ordem externa, procurava, por um lado, evitar consequências para o país semelhantes às que decorreram da participação na primeira Guerra Mundial - com forte impacto negativo junto da população -, e, por outro, manter a oposição “congelada” pela declaração de lealdade à aliança com a Inglaterra.
Devido à guerra e à forte dependência externa de Portugal, por volta de 1943 começaram a escassear bens essenciais, como os alimentares e os energéticos, resultando em inflação, racionamento, tabelamento de preços e corrupção. Protestos e manifestações eclodiram por todo o país, espontâneos no norte e centro rural, na Grande Lisboa e no Sul organizadas pelo PCP sob a forma de greves.
Com a sorte da guerra a cair para os Aliados, os opositores de Salazar intercederam junto destes tentando convencê-los de que o combate ao nazismo e ao fascismo ficaria incompleto sem o derrube das ditaduras ibéricas. Outras, porém, eram - na época - as prioridades Ocidentais ficando aquela pretensão “para outras núpcias”.
A crise do pós-guerra (1945-1949):
O novo contexto internacional, caracterizado pelo regresso das democracias liberais multipartidárias, elogiadas pelo Papa Pio XII no seu discurso de Natal de 1944, deixou Salazar desmoralizado e pessimista, forçando-o a fazer alterações no regime. Alterações de cosmética em que a retórica de Salazar de “democracia orgânica” e de “eleições tão livres como na livre Inglaterra” contrastava com declarações dos responsáveis das estruturas de repressão segundo as quais o regime não cairia a tiro nem a votos.
As alterações eleitorais introduzidas procuravam replicar a novidade política na Europa do pós-guerra e consistiam na introdução de vários círculos eleitorais e na admissão de outros partidos além da União Nacional. Pretendia Salazar mostrar externamente o seu empenho na liberalização do regime, retirar argumentos de legitimidade popular à oposição, esvaziar a necessidade de recurso desta à via armada, e, finalmente, atualizar a base de dados dos opositores internos.
Salazar estava convicto de que só um governo autoritário poderia governar bem Portugal.
Por seu lado, a oposição, logo no final de 1943, começou a consolidar-se com a constituição clandestina do Movimento de Unidade Antifascista (MUNAF). Na sequência do anúncio de Salazar em 1945, surgiu pela primeira vez uma oposição legal e pública, muito limitada nos seus direitos, com o nome de Movimento de Unidade Democrática (MUD).
A hipotética ideia da oposição de desmistificação da farsa liberalizadora acabou por se revelar infrutífera em termos práticos; apesar do encerramento do campo de concentração do Tarrafal, a polícia política, a censura, o controlo da contagem dos votos e os Tribunais e prisões especiais mantiveram-se.
A exemplo dos Aliados, em que países de democracias liberais se juntaram ao primeiro Estado comunista, as oposições reorganizaram-se numa estratégia comum, ganhando visibilidade pública e poder institucional, apesar das inevitáveis divergências posteriores.
A abertura política do regime não passava de uma armadilha; a entrega das listas dos candidatos da oposição resultou em prisões e saneamentos na função pública.
Neste contexto a oposição ficou bloqueada, entre o risco de repressão, no caso de se apresentar a eleições, e o de descrédito junto da opinião pública, acusada de elitista e comunista, no caso de não se apresentar às urnas.
A candidatura presidencial de Norton de Matos em 1949, foi a última tentativa de oposição unitária ao regime. Falhou. Norton de Matos desistiu alegando, com razão, falta de liberdade e de justiça eleitoral. O outro motivo deveu-se à tensão crescente entre aquele e o PCP, o organizador da candidatura. Mário Soares, secretário-geral da candidatura, defendeu, junto do candidato, a decisão de desistência do PCP, revelando-lhe a sua filiação comunista, o que o deixou chocado.
A eclosão da Guerra Fria logo a seguir ao final da IIGM, veio consolidar o regime de Salazar, recolocando-o no lado certo da História na sua luta contra o comunismo interno. Por outro lado, a oposição saiu enfraquecida cindindo-se entre comunistas e anticomunistas. Boa parte dos líderes do PCP, incluindo Álvaro Cunhal, foram presos.
O regime salazarista venceu a primeira fase da Guerra Fria à portuguesa.
 
 
Pio XII
 
 
Norton de Matos
 
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto

terça-feira, 9 de junho de 2020

Olhando Para Dentro (ii)


Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)

Salazar reforça poder:

O contexto da Guerra Civil de Espanha alimentou a ideia da necessidade de combater uma pretensa “quinta coluna”, comunista e iberista, a que a “Revolta dos Marinheiros”, involuntariamente, deu credibilidade. Foi então criado o campo de concentração do Tarrafal e as organizações fascizantes, Legião Portuguesa e Mocidade Portuguesa. Por outro lado, a insegurança e destruição recorrentes desde a implantação da República, resultou na convicção abrangente da necessidade de um homem forte num Estado, livre dos velhos partidos. Humberto Delgado testemunhou isso mesmo ao afirmar, após rotura com o regime, que, nesse período, havia “razões de sobra” para apoiar o Estado Novo a impor alguma ordem face às constantes revoltas.

Atentados contra Salazar:

   Fracassados os golpes, decorria da própria doutrina de “Homem Providencial” do Estado Novo, da queda da Monarquia e da queda da República Nova em dezembro de 1918 com o assassínio de Sidónio Pais, que a morte de Salazar conduziria à queda do regime (como, efetivamente veio a acontecer em 68/74).

    O atentado mais mediático ocorreu em 4 de Julho de 1937, na Rua Barbosa du Bocage em Lisboa, quando Salazar se dirigia à capela particular do seu amigo Josué Trocado para assistir à missa. Falhou. A inépcia dos operacionais fez explodir a bomba nas proximidades do local onde se encontrava salazar abrindo uma cratera e cobrindo-lhe o fato de pó sem o atingir.

   Este atentado poi perpetrado por anarquistas, entre os quais se destacou Emídio Santana, anarcossindicalista, Secretário-Geral do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos, filiado na Confederação Geral do Trabalho, Secretário-geral das Juventudes Sindicalistas em 1925 e 1926. Preso no Reino Unido, foi entregue à PIDE pela polícia inglesa e condenado a 8 anos de prisão e 12 de deportação. Acabou por ser preso mais 4 vezes e, finalmente, libertado em 23 de Maio de 1953. Posteriormente, participou no processo político antes e depois do 25 de abril. Nem o Partido Comunista nem os políticos do Reviralho defendiam o assassinato de Salazar. Alguns comunistas terão participado a título individual. (A estratégia do PCP, que lhe valeu sérias dissidências e conflitos - com a FAP (Frente de Ação Popular) de João Pulido Valente, Manuel Serra (que viria a fundar o MES) e Humberto Delgado -, passava pela doutrinação, sistemática e paciente, da população e não pelo confronto armado; mais tarde, na fase de Caetano, viria a criar a Ação Revolucionária Armada (ARA), que protagonizou algumas ações de sabotagem).

   O efeito deste atentado falhado, mais uma vez, resultou no reforço dos poderes de Salazar, que beneficiou da condição de vítima e do estatuto de protegido da “Divina Providência”. Em consequência aquele sentiu legitimidade para aumentar a repressão política através da Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado (PVDE), antecessora da Polícia Internacional de defesa do Estado (PIDE). Este atentado acentuou, em Salazar, a necessidade de se manter a recato na sua nova residência oficial de São Bento.

Ameaça espanhola:

Numa época em que a Grã-Bretanha, enfraquecida, enfrentava ameaças em múltiplas frentes, o derrube do Governo de Salazar a partir do exterior foi uma esperança das oposições. Essa esperança veio da 2ª República espanhola, constituída em 1931, em especial do seu 2º e último Presidente, Manuel Azaña, acolhendo, encorajando e fornecendo armas aos opositores de Salazar. A aposta do lado espanhol no derrube deste visava aumentar a segurança do regime e, eventualmente, constituir a federação ibérica. Durante a Guerra Civil de Espanha, de 1936 a 1939, muitos daqueles opositores empenharam-se ativamente ao lado dos republicanos, esperançados em que a vitória destes acarretasse o fim do regime de Salazar. Este, por seu lado, apoiou, tanto quanto pôde, o lado contrário.   
 
 
 
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto