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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Federalismo spinolista e Autonomia marcelista (IX)


Federalismo spinolista e Autonomia marcelista

  
António de Spínola referiu, no seu “Portugal e o Futuro”, que a transição para a federação a partir do regime em vigor não seria difícil.

   De facto, parte do caminho estava feito: as províncias dispunham de Assembleias legislativas e Juntas Consultivas, ambas eleitas e abertas à participação de todos os cidadãos, brancos e negros - a lei do indigenato fora revogada em 1951. Vigorava o princípio da especialidade das leis, com tribunais de primeira instância locais, relação em Luanda e Lourenço Marques e Supremo em Lisboa. Cada província tinha autonomia económica e financeira. O sistema era progressivo e aberto à dinâmica sociopolítica. O Governador era nomeado pelo Governo e podia legislar por decreto.

   Para a federação spinolista faltava elaborar uma nova constituição, constituir o Governo Federal, reorganizar o Governo da Metrópole, eleger os Presidentes dos Estados, definir as condições do circulação de pessoas, bens e capitais entre os Estados, definir o estatuto da Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor.

   Ambas as soluções procuravam preservar a “portugalidade” mas de formas diferentes; enquanto António de Spínola visava integrar todas as populações sob a bandeira portuguesa com um modelo inovador à escala mundial, Marcello Caetano pugnava pela adesão das populações à integração cultural, num quadro de autonomias alargadas ou mesmo de independências plenas.

   Em ambos os casos está patente o patriotismo e o respeito pelos povos e pela democracia, mas António de Spínola numa versão mais conservadora e irrealista enquanto Marcello Caetano ostentava um surpreende liberalismo.

   Recordo que Amílcar Cabral tinha uma perspetiva de organização política do “mundo português” muito semelhante à federação defendida por Spínola. Tal pode ter sido resultado das negociações que travaram na Guiné, sob os auspícios de Leopold Senhgor, com vista a encontrar caminhos para a paz na província.

   O líder do PAIGC assumiu perante os seus apoiantes, e publicamente, que, se Portugal evoluísse para uma democracia num quadro de igualdade plena, deixaria de haver motivos para continuar a guerra.

  Amílcar Cabral foi assassinado em 20 de Janeiro de 1973 em Conakri, segundo consta, por dissidentes do seu partido.  Por essa altura o modelo da “Autonomia Progressiva Participada” de Marcello Caetano estava no terreno há cerca de um ano. É possível que, no Partido, tenha posto em causa a motivação da guerra e que tenha sido essa a causa do seu assassinato.

   A sobrevivência de Amílcar Cabral poderia ter posto fim à Guerra da Guiné e de todo o ultramar, abrindo-se espaço para a evolução da Autonomia Progressiva Participada, eventualmente, seguida das independências.

   À luz do quadro geopolítico dos dias de hoje a tese de Spínola parece-me utópica; as elites locais, tarde ou cedo exigiriam as independências, sob os auspícios dos “amigos” externos.

   Talvez houvesse alguma viabilidade do modelo da sociedade plurirracial de Caetano mas nunca num quadro de igualdade de direitos de cidadania entre pretos e brancos.

   A doutrina da negritude que enformou as independências, paradoxalmente, surpreendentemente, parece dedicada à cultura do supremacismo negro.
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Peniche, 12 de Setembro de 2019
António Barreto jr