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Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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domingo, 30 de agosto de 2020

O Equívoco do 25 de Abril

 

O Equívoco do 25 de Abril

(Sanches Osório)

   José Eduardo Sanches Osório, Oficial de Estado-maior com a patente de Major, formado na Academia Militar e licenciado em Engenharia Civil pelo IST, foi um dos primeiros oficiais a aderir ao Movimento dos Capitães. Diretor Geral de Informação do 1º Governo Provisório e Ministro de Comunicação Social do 2º Governo Provisório demitiu-se do Governo e do Exército após a resignação do General Spínola, na sequência do 28 de Setembro.

   Suspenso e proibido de concorrer a eleições, pelo MFA, o partido da Democracia Cristã, do qual era Secretário-geral, com mandato de captura e ameaçado de morte, Sanches Osório logrou escapar, com a mulher e quatro filhos, exilando-se em Paris onde frequentou a Sorbonne. Apoiante de Spínola, conspirou no âmbito do MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), durante o PREC, com a finalidade de travar o rumo político de Portugal, conduzido pelo Partido Comunista, para uma ditadura socialista. Sanches Osório regressou a Portugal em 1979 a convite do CDS, pelo qual foi eleito deputado, tendo-se demitido por divergências relacionadas com a homenagem a Maria Palla - mãe do atual Primeiro-Ministro -, proposta no Parlamento pelo PC, que apoiava. Foi condecorado em 1983 com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, com Mário Soares, Primeiro-Ministro e Ramalho Eanes, Presidente da República.

   Foi no exílio que Sanches Osório escreveu “O Equívoco do 25 de Abril”, com o propósito de alertar os portugueses para a adulteração política dos objetivos do Movimento dos Capitães. Estes, inicialmente mobilizados para a resolução de problemas de natureza corporativa, salarial e de carreira, sentindo-se em dívida com a Nação pela Revolução do 28 de Maio, que proporcionou a instauração do Estado Novo, decidiram-se pelo derrube do regime e criação de condições para o estabelecimento duma democracia pluralista. Segundo o seu entendimento, o problema da Guerra Colonial só poderia ser resolvido suscitando amplo debate na sociedade portuguesa em ambiente democrático, tal como a Justiça social e a liberdade que ambicionavam. Reformas de fundo antes de eleições livres e do estabelecimento da nova ordem constitucional estavam interditas pelo programa do MFA.

   Foi aqui que se verificaram as cisões entre militares e entre políticos; os moderados davam prioridade à urgência da legitimação eleitoral do novo regime enquanto os extremistas, militantes ou ativistas comunistas, civis e militares, reivindicavam a legitimidade revolucionária para o estabelecimento da nova ordem social, económica e política, e sobretudo, a entrega incondicional das colónias.

   Durante o PREC (Período Revolucionário em Curso), em que o poder caíu na rua e durou cerca de um ano, destruiu-se, quase integralmente, a estrutura económica de Portugal, metrópole e colónias, através de saneamentos, prisões arbitrárias - sem culpa formada nem defesa, nem julgamento -, ocupações empresas, terras e casas, a mando do aparelho comunista - com destaque do MDP/CDE, uma das muitas faces do PC, do COPCON comandado por Otelo coadjuvado pelo PRP de Isabel do Carmo, pelo MFA e por alguns regimentos do Exército de que se destacou o de Vendas Novas e o da PM onde Mário Tomé fazia serviço - e do abandono dos portugueses de além-mar às mãos dos guerrilheiros.

   O 25 de Novembro veio pôr fim a esta insanidade, já com o país falido e a última colónia - Angola - entregue a um partido de inspiração comunista, tal como ocorrera nas restantes, incluindo Timor.

   Instituída a normalidade política com a eleição dos Deputados constituintes em 25 de Abril de 1975 e as eleições legislativas de 25 de Abril de 1976, permanece a dúvida acerca da natureza do êxito do 25 de Novembro.

 

   Conseguido o propósito primordial dos comunistas; entrega incondicional das colónias, garantia de aceitação do PC no novo regime e afastamento dos partidos conservadores - Partido do Progresso, de Fernando Pacheco Amorim, e Partido da Democracia Cristã, de Sanches Osório - do processo eleitoral, dos quais se receava forte adesão popular, o Partido Comunista moderou a sua ação, nomeadamente desmobilizando, ou não ativando, o forte contingente militar que de que dispunha em todas as armas, capaz de inverter o desfecho da crise.

  O interesse deste livro reside no facto de se tratar do testemunho direto de um dos principais agentes do 25 de Abril, Sanches Osório, e de, através dele, se perceber quem, efetivamente, defendeu a liberdade política, quem, instalando o caos, tudo fez para instituir uma ditadura de índole socialista e quem colaborou neste propósito fazendo-se passar por democrata.

                                                                       

 

Peniche, 30 de Agosto de 2020

António Barreto

sábado, 22 de agosto de 2020

O Alegado Fim dos Recursos Terrestres

 

Os recursos alimentares da Terra

  

   Desde há uns tempos anda por aí uma ONG - mais uma - a amedrontar as populações com o sobre consumo dos recursos da Terra, indicando, com precisão newtoniana, a data de esgotamento dos mesmos a cada ano. Mais coisa menos coisa, a população consome os recursos anuais em seis meses. O dobro do que deveria para garantir a sustentabilidade da produção global.

   Ora, se é verdade que os recursos são finitos também é verdade que, graças à ciência, à tecnologia e ao progresso económico e social global, podem ser maximizados até um nível indeterminado. Por outro lado o crescimento do consumo está limitado à estabilização demográfica, que, de acordo com a teoria da Transição Demográfica, acabará por ocorrer em função da industrialização dos países subdesenvolvidos e do Terceiro Mundo, nomeadamente, América latina, Àsia e África. Segundo os demógrafos e a ONU, tal ocorrerá por volta de 2050 aos 7,5 biliões ou, até aos 11 biliões de habitantes, dependendo da velocidade de progressão económica e social daqueles países. Por outro lado a própria FAO refere que a produção alimentar mundial é suficiente para alimentar todos os habitantes do planeta. Assim, o problema não reside na produção de alimentos, mas na distribuição dos mesmos. É na dificuldade de acesso das populações aos alimentos que deve concentrar-se o combate à fome.

   Sendo a produção alimentar ocidental, excendentária, que sentido faz incentivar as respetivas populações à redução do consumo? Por outro lado, é totalmente despropositado promover a redução de consumo junto de populações que dele carecem para terem uma vida digna! Neste contexto, que sentido faz esta militância sistemática pelo decrescimento do consumo de bens alimentares?

   Pelo contrário, a erradicação da fome implica mais consumo das populações pobres, que, mais coisa menos coisa, deverá rondar os 3 biliões de pessoas - cerca de 3,4 biliões, segundo dados do Banco Mundial de 2018 -, num contexto de redução continuada - de 1990 a 2015 a redução da taxa de população em pobreza extrema (rendimento diário abaixo dos 1,9 USD) foi de cerca de 10 % (grosso modo, de 36 % para 26 %). O Banco Mundial planeia erradicar a pobreza extrema no mundo até 2030.

  Este combate implica a promoção da educação das populações, com especial foco nas novas gerações, sobretudo femininas, o investimento em infraestruturas básicas - saneamento, abastecimento de água potável - o acesso à energia elétrica e a cuidados de saúde primários, o investimento na produção agropecuária local, etc. Para tal é imperioso apoiar e escrutinar, política e economicamente, em contexto de concertação internacional, os governos locais dos países pobres, assegurando o efetivo progresso económico e social das respetivas populações.

   Esta insistência na redução global do consumo alimentar insere-se non plano do decrescimento económico mundial em consequência da teoria do Aquecimento Global de origem antropogénica. Redução de emissões de CO2 resultante da atividade humana, com redução da atividade industrial, agropecuária, florestal e energética. Uma bandeira do lóbi ecologista apadrinhada desde há muito pelos movimentos de esquerda empenhados em fazer desta uma causa sua.

   Não estranha esta estratégia considerando que a pressiona o modelo de desenvolvimento ocidental, capitalista, objeto estratégico das esquerdas desde os tempos da 1ª Internacional (1864). Porém, como encará-la relativamente aos países pobres? Como é possível, no âmbito de ideologia marxista, pedir, impor às populações pobres redução do consumo de bens essenciais? É possível sim, num contexto de instrumentalização da pobreza como arma de desestabilização económica, demográfica e política do Ocidente. É o que ocorre atualmente.

   E é também neste contexto que se enquadra o mercado de carbono. Definiram-se quotas de emissão, determinaram-se as emissões que cabem a cada país, determinou-se um preço por tonelada de emissão e estabeleceu-se um comércio. Os países com défice de quota, além de terem de investir na redução de emissão, sob pena de pesadas sansões, podem comprar quota aos que dela têm excesso dela. Na prática, os países desenvolvidos compram aos países pobres quota de emissão. Aqueles garantem sobre estes o ascendente tecnológico que detêm desde a Revolução Industrial. Estes, podem investir as correspondentes receitas no progresso económico e social das respetivas populações, sendo que, ao fazê-lo, comprometem a autonomia tecnológica futura cuja consequência se traduz na redução da velocidade da criação de riqueza.

   Redução do consumo supérfluo dos países desenvolvidos, sim.

   Aumento do consumo básico das populações pobres, sim, sim e sim.

    Instrumentalização política da pobreza, não, não e não.  

 

                           

 Thomas Malthus

Peniche, 22 de Agosto de 2020

António Barreto

domingo, 16 de agosto de 2020

Anatomia de Uma Revolução (notas)

 

Anatomia de uma Revolução

A Reforma Agrária em Portugal, 1974 – 1976

(António Barreto)

 

   Esta obra de António Barreto é a síntese, em português, da sua tese de doutoramento efetuada em 1984 na Universidade de Genebra, e foi elaborada com base em investigações realizadas de 1979 a 1982 no Gabinete de Estudos Rurais da Universidade Católica.

   Vinculado a factos comprováveis, o livro “Anatomia de uma Revolução” mostra as dinâmicas sociais e políticas que revolucionaram o mundo rural do Alentejo, através das quais, o Partido Comunista assegurou a hegemonia política na região que se prolongou até à atualidade.

   Publicado em 1987 este livro é uma espécie de “livro maldito” dada a forma algo misteriosa como se tornou inacessível ao público e ignorado pela generalidade da crítica e comunicação social. Tal facto leva-nos a supor, à semelhança do que sucedeu noutros casos - como no livro de Rui Mateus “Memórias de um PS Desconhecido” - que há censura de facto em Portugal relativamente a qualquer obra que se debruce sobre as vicissitudes do regime, e, ou, das principais forças políticas que o compõem.

   A iniciativa desta publicação, confirmada pelo autor, foi, sobretudo, da historiadora Fátima Bonifácio, mas também de Maria Filomena Mónica e de Rui Ramos, todos eles com obras relevantíssimas relacionadas com a história política social e económica de Portugal.

  A escrita simples e eficaz de António Barreto, associada ao tipo de letra e qualidade do papel adotado pelo editor tornam a leitura fácil, agradável e recomendável.

     A Reforma Agrária no Alentejo, mais propriamente, Alentejo e Ribatejo - Zona de Intervenção da Reforma Agrária, ZIRA -, consistiu na ocupação de propriedades rurais por trabalhadores, assalariados agrícolas e agricultores, organizados pelo Partido Comunista (PC), incentivados pelo Governo e apoiados pelas Forças Armadas e GNR, com pretexto no alegado absentismo e ineficiente utilização agrícola da terra.

   Na sequência do 25 de Abril, do 28 de Setembro e do 11 de Março, o PC, beneficiando da passividade e, ou, cumplicidade dos restantes partidos a braços com as tarefas inerentes à sua própria organização interna, assume o controlo do Movimento das Forças Armadas, da Junta de Salvação Nacional e do Governo - primeiro Governo Provisório, de Vasco Gonçalves - ocupando ou controlando o aparelho estatal, os organismos cruciais centrais, regionais e locais.

   Revogada a constituição de 1933 e correspondentes atualizações, sustentando-se nas novas estruturas do poder e na “legitimidade revolucionária”, a partir de Lisboa, o PC destaca para o Alentejo membros do seu Comité Central e militantes urbanos, os quais, juntamente com os escassos militantes locais e o aparelho do Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE) - movimento político supostamente independente mas na verdade controlado pelo PC -, desenvolvem intensa atividade, desdobrando-se em reuniões, palestras, comícios e manifestações, mobilizando as populações para as ocupações, constituindo comissões, grupos de trabalho, sindicatos e, consumadas aquelas, organizando as tristemente célebres Unidades Coletivas de Produção.

   Apesar da instabilidade do operariado rural alentejano, caracterizado pelos baixos salários e precariedade, resultante do predomínio dos proprietários, beneficiários de relações privilegiadas com o poder cessante, não havia conflitos sociais no Alentejo antes da Revolução dos cravos.

   A adesão do proletariado rural tinha por motivação não o acesso à propriedade da terra mas sim à estabilidade do emprego e do salário. Por outro lado, a adesão inicial de alguns camponeses, pequenos proprietários, visava, sobretudo, obter um pouco mais de terra para cultivo.

   Os resultados dos Grupos de Trabalho constituídos para identificação das terras abandonadas e mal cultivadas destinadas às ocupações, goraram as espectativas dos revolucionários; toda a terra arável estava bem cultivada, com exceção de alguns casos - onde as culturas não garantiam a melhor produtividade - calculados pelos técnicos em cerca de 10 % da área total.

   Ante a inesperada deceção foram desativados os grupos de trabalho e definidos novos critérios de ocupação. Instituiu-se uma fórmula de cálculo por pontos, mediante a qual seriam objeto de ocupação todas as terras com mais de 50 mil pontos.

  Naquela fórmula entravam variáveis como a qualidade da terra, as culturas instaladas, as alfaias e os equipamentos disponíveis em cada propriedade. Foi assim que, como o próprio Ministro da Agricultura da época explicitou publicamente, o objeto das ocupações deixou de ser as terras abandonadas ou mal exploradas para ser as melhor equipadas e cultivadas, constituindo um desincentivo ao investimento dos proprietários.

   Impulsionada pelos sindicatos, comissões e grupos de trabalho comunistas, a dinâmica do processo revolucionário não conhecia limites, estendendo-se as ocupações a propriedades de qualquer dimensão, violando o princípio da proteção da pequena propriedade tal como Álvaro Cunhal expressou publicamente. Assim, foi alienado o apoio dos pequenos proprietários, os quais, subitamente, se viram a braços com a necessidade de defender, pela força, as terras que tinham granjeado ao longo dos anos com muito suor e privações.

   Atabalhoadamente, sem qualquer apoio governamental ou partidário, proprietários e pequenos agricultores, constituíram as Associações Livres de Agricultores (ALA) e outras organizações, as quais, diga-se em abono da verdade, não eram vistas nem achadas na regulamentação da atividade agrícola promovida pelos sindicados e sancionada pelo Governo, como os Contratos Coletivos de Trabalho. Estes, inicialmente de âmbito local, passaram a rapidamente a regionais e nacionais, com um articulado totalmente decidido, discricionariamente, pelos sindicatos comunistas, sem negociação ou qualquer tipo de intervenção dos proprietários.

   Os sindicatos investiram-se, nesta época, de poder institucional, implicitamente reconhecido pelo MFA e pelo Governo, agindo como extensão do aparelho governamental, legitimando ou não, o que entendessem adequado à Revolução Agrária.

  Foi neste âmbito que foi instaurado o emprego compulsivo, processo em que os sindicatos comunistas impunham aos proprietários quotas de trabalhadores de acordo com o seu próprio critério, baseado exclusivamente na disponibilidade de mão-de-obra, dissociado das efetivas necessidades e possibilidades das explorações.

   Os conflitos motivados pela resistência dos proprietários, quando ocorriam, eram dirimidos pela GNR e, ou Forças Armadas - entre as quais se destacou o tristemente célebre Regimento de Vendas Novas cujos operacionais, nas suas tarefas revolucionárias, chegaram a ornamentar-se com boinas ilustradas com a figura do assassino Guevara - que, invariavelmente, tomavam o partido dos trabalhadores.

      Ocupadas as propriedades e constituídas as UCP, estas foram autorizadas a apropriar-se do produto das colheitas das sementeiras efetuadas pelos proprietários. Nos casos em que as ocupações tivessem ocorrido após as colheitas, os organismos estatais envolvidos no processo de comercialização, retinham o produto da respetiva venda e entregavam-no aos sindicatos que, por sua vez, o disponibilizavam à correspondente UCP.

   Desapossados das suas terras e equipamentos, os proprietários, com a cumplicidade ativa das estruturas governamentais, foram ainda vítimas do confisco do produto das suas sementeiras. As reservas que o Governo lhes prometera nunca lhes foram atribuídas. A alguns porém, aos que viviam exclusivamente da atividade agrícola, foi atribuída uma pequena pensão a título de sobrevivência.  

   Passada a euforia inicial, a falta de meios para pagamento de salários e preparação das sementeiras, emergiu como travão natural às ocupações. O Governo, além de incentivar e legalizar estas a posteriori, passou a autorizar, com garantia do Estado, o financiamento bancário das UCP. Esta decisão do 6º Governo Provisório, liderado por Mário Soares, deu um impulso decisivo ao movimento ocupacionista - que, rapidamente, ultrapassou o milhão de hectares -, paradoxalmente, numa fase em que o PC começou a perder influência no aparelho estatal e no MFA., devido à oposição política, cada vez mais intensa, dos restantes partidos. O Partido Socialista (PS), que desempenhou papel decisivo na instauração da democracia, ficou indelevelmente associado à fase mais intensa das ocupações decorrentes da reforma Agrária. 

   Instituída a Nova Ordem, as UCP, na sua grande maioria incapazes de superar as dificuldades decorrentes da exploração, foram ficando pelo caminho, insolventes, deixando ao Governo o ónus da liquidação das correspondentes dívidas bancárias.

   Ironicamente, o PC, historicamente defensor dos aumentos salariais dos trabalhadores, passou a queixar-se dos elevados salários praticados pelos escassos proprietários privados que sobreviveram às ocupações, alegando risco de inviabilidade económica das UCP!

   À resistência política, tardia, dos partidos moderados, PS, PPD e CDS, e à oposição dos elementos, igualmente moderados, no seio do MFA, correspondeu uma fortíssima oposição no terreno por parte dos agricultores, finalmente agregados na Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Desdobrando-se em centenas de comícios por todo o país, promovendo barragens nas vias principais, de que ficou célebre a de Rio Maior, a CAP mobilizou o mundo rural e a população civil em geral para a “meia” contrarrevolução que veio a culminar no 25 de Novembro de 1975.

   A Constituição de 1976, apesar de elaborada sob coação das forças comunistas e, por isso, eivada de referências de matriz socialista, inauguraram o Novo Regime de direito democrático, designado por terceira República.

  Há quem afirme que a verdadeira razão da origem do 25 de Novembro terá sido a declaração de independência de Angola ocorrida em 11 de Novembro do mesmo ano. Segundo os defensores desta tese, o prolongamento do período revolucionário imposto pelo PC, recusando perentoriamente eleições, tinha por objetivo garantir a entrega incondicional de todas as Colónias aos movimentos de inspiração comunista, como, efetivamente, veio a ocorrer.

   Garantido o objetivo principal o PC deixou “correr o marfim” da Contra Revolução, aliviando a pressão interna a troco da garantia de um lugar à mesa da democracia. Esta foi-lhe concedida pelos vencedores do 25 de Novembro nas pessoas de Melo Antunes e Ramalho Eanes. Um elevado preço que ainda hoje está a ser pago pelos portugueses, consubstanciado no elevado endividamento e num pífio crescimento económico, resultante, em grande parte, do crescimento desmesurado do aparelho estatal e dos privilégios cumulativamente atribuídos ao funcionalismo público.

   António Barreto foi Ministro da Agricultura do 1º Governo Constitucional em 1977, e autor da famosa Lei Barreto que desagradou aos comunistas a ponto de estes exigirem a sua demissão a Mário Soares a troco dos votos de que o PS necessitava após o fracasso das negociações com o PSD.

   No final deste processo em que foi destruído, quase completamente, o aparelho produtivo nacional, gastas a quase totalidade das reservas do país, sem acesso aos mercados financeiros, O Governo, insolvente perante uma inflação galopante, acabou por pedir a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1977. O ciclo do “orgulhosamente sós”, como os “democratas” classificam o regime de Salazar, estava, finalmente, concluído.

   Autor de uma reforma agrária completamente forjada a partir das estruturas militares e governamentais, o Partido Comunista conquistou a sua base social de apoio que, mais coisa menos coisa, lhe confere, ainda hoje, a escassa relevância social que detém e o desproporcionado poder corporativo que, entretanto, adquiriu pela via sindical.

   Um livro oportuno que, além de mostrar as vicissitudes da Reforma Agrária aos mais novos e “refrescar” a memória dos menos novos, ilustra como a convivência do Partido Socialista com a extrema-esquerda que hoje se verifica, vem de muito longe. De facto, as cumplicidades dos membros fundadores do PS com a extrema-esquerda é muito anterior a 74, nomeadamente, no exílio dourado em Argel, em que aqueles alinhavam simultaneamente com os comunistas e com Humberto Delgado, e na candidatura de Norton de Matos à Presidência da República no longínquo ano de 1948 em que, Mário Soares, então militante comunista, a mando do PC foi o Secretário-geral daquela candidatura encarregue ainda de comunicar ao candidato a ordem de desistência emanada do Comité Central.

  O futuro constrói-se sobre os erros do passado.

                                                            

                                                                         António Barreto 

Peniche, 16 de Agosto de 2020

António Barreto

domingo, 2 de agosto de 2020

A Rebelião das Massas (I)

A Rebelião das Massas

(Ortega e Gasset)

 

Prólogo para os franceses:

- A obra de caridade mais própria do nosso tempo consiste em não publicar livros supérfluos.

(E a mais sensata: não os ler)

- A linguagem não permite ao homem exprimir-se integralmente. É ilusório pensar o contrário. - A linguagem, é, por essência, diálogo, e todas as outras formas do falar reduzem a potência da sua eficácia.

- O costume dos intelectuais falarem à Humanidade é a forma mais sublime e desprezível de demagogia. Foi adotado por volta de 1750 por intelectuais destrambelhados, ignorantes dos seus próprios limites, sem se darem conta de que o sacramento da palavra carece de “mui delicada administração”.

- “Unde sapientia venit et quis est locus inteligentiae?” (“Sabeis de algum lugar do mundo onde exista inteligência?”), perguntou Job aos amigos, mercadores e viajantes que andaram pelo mundo. A difusão na Europa da obra de Ortega e Gasset, mais que a demonstração da universalização da palavra, é um sintoma da pavorosa e asfixiante homogeneidade de problemas em que toda a Europa está a cair. O confinamento de cada país, que proporcionava a possibilidade de “arejamento” de ideias acedendo a outros com atmosferas mais desanuviadas, acabou. Todos os países Europeus têm problemas idênticos e tal provoca uma sensação de asfixia insuportável. (Este tema é também abordado por José Gil no seu livro, “Portugal o Medo de Existir”).

- Desde Otão III - século XI -, que a vivência dos europeus consistia em conviver entre si. As guerras que travavam não eram mais do que guerras em família em que o vencedor nunca aniquilava o vencido. Assemelhavam-se a guerras de emulação como a dos jovens nas aldeias ou a disputa de partilhas pelos herdeiros. Carlos V disse de Francisco I: “O meu primo Francisco e eu estamos completamente de acordo: os dois queremos Milão”.

(Esta condição aplica-se excecionalmente a portugueses e espanhóis; o cruzamento da população e as disputas ao longo da história foram tais que nos permitem concluir que se trata do mesmo povo. Talvez aqui radique a ideia do iberismo).

- Um dos erros mais graves do pensamento moderno consiste em confundir sociedade com associação; ao contrário da associação, a sociedade não se constitui por um acordo de vontades. Esta resulta da convivência entre pessoas, precede aquela, segrega costumes, usos, língua, direito e poder político. Aquela regula aspetos dessa convivência. O direito não tem eficácia na regulação entre pessoas sem convivência efetiva prévia.

- A História da Europa mostra que a unidade da sociedade europeia, longe de ser um ideal, é um facto de muito antiga quotidianidade. A ameaça chinesa ou islâmica serão suficientes para despoletar o processo constitutivo dos Estados Unidos da Europa.

(De facto foi a necessidade de prevenir conflitos bélicos entre europeus que despoletou esse processo com a entrada em vigor, em 1958, do Tratado de Roma entre França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo).

   Longe de ser uma fantasia a unidade da Europa é uma realidade. Fantasia é a crença de que França, Alemanha, Itália ou Espanha são realidades substantivas e independentes. Todos os povos da Europa vivem submetidos a um poder público, réplica da ciência mecânica, designado por “equilíbrio europeu” ou “balance of Power”; “the great secret of modern politics” segundo Robertson - historiador do século XVIII -, “une nation composée de plusiers”, segundo Montesqieu, “la grand famille continentale”, segundo Balzac.

   No equilíbrio resultante da pluralidade reside a unidade da Europa. Porém esta unidade é ameaçada pelo homem-massa; um tipo de homem caracterizado pelo esvaziamento de identidade que se difundiu no continente europeu. Um homem sem história, sem memória; uma carapaça constituída por meros idola fori, pronto a fingir ser qualquer coisa, que só tem direitos, que não tem a nobreza de reconhecer obrigações para si próprio - sine nobilitate -, snob. Um homem fechado ao liberalismo, pronto a prescindir da liberdade, da qualidade da Europa sobre a qual se funda a autenticidade dos povos europeus.

   A falta de responsabilidade intelectual dos intelectuais europeus, desde 1750, é a causa do desnorte europeu atual. Os doutrinários Guizot, Royer Collard e Buster Keaton são exceções.

   O estado de liberdade resulta de uma pluralidade de forças que resistem mutuamente.

   O passado é o natural do homem que se revela e sempre regressa. Não é para ser negado mas para ser integrado.

   Os doutrinários apenas reconheciam ao homem os direitos que foram aparecendo e consolidando-se ao longo da história - as liberdades, a legitimidade, a magistratura, as capacidades - e não os do tipo metafísico que resultavam de abstrações e irrealidades.

    O liberalismo individualista nasceu no século XVIII, inspirou parcialmente a Revolução Francesa e extinguiu-se com ela.

   O coletivismo nasceu no século XIX e tem origem nos escritos dos super-reacionários De Bonald e De Maistre.

   John Stuart Mill defendeu que a sobreposição do poder da sociedade sobre o indivíduo, seja por via da opinião pública seja por via legislativa, tenderá a aumentar, em consequência da compulsão do homem para impor aos outros a sua opinião e os seus gostos enquanto detiver o poder, algo que, por sua vez, tende a aumentar.

   A vinculação do homem a uma ideologia política é uma imbecilidade, uma forma de hemiplexia moral.

   A política esvazia o homem de solidão e intimidade, da sua ânsia de espiritualidade e conhecimento; o politicismo integral é uma das técnicas usadas para o socializarem.

   Definido o “homem-massa”, importa perceber, em primeiro lugar, se este tipo de homem - que não está verdadeiramente aberto a nenhuma instância superior - é reformável; se os graves defeitos que possui e que põem em causa a sobrevivência do Ocidente podem ser corrigidos.

   Em segundo lugar, se nas sociedades modernas há espaço de afirmação da individualidade das novas gerações. Improvável, se não impossível. Limitado, inexoravelmente pelo próximo, o jovem indivíduo acabará por abandonar as ideias próprias da sua idade e adotar as propostas estandardizadas, necessariamente obtidas através de processo coletivo, um processo de massas.

      A Europa assemelha-se a uma prisão sobrelotada onde cada prisioneiro tem de mover-se sincronizado com todos os outros conforme regulamentado. Uma tal eventualidade, a supressão do individualismo sob o qual se ergueu a Europa e floresceu a humanidade, acarretará o seu fim, à semelhança da decadência do Baixo-império.

   Assumir a dificuldade da situação é a primeira condição para a reversão da mesma, embora seja muito difícil salvá-la quando chegou a hora de cair sob a mão dos demagogos, os grandes estranguladores de civilizações, como a grega e a romana.

   A demagogia é uma forma de degeneração intelectual que apareceu em França por volta de 1750, irradiando para todo o continente a ideia de que os grandes problemas humanos se resolvem através da revolução. Revolução geral, segundo Leibniz; a vontade de transformar, subitamente, tudo e em todos os géneros.

   A aparente tradição cultural revolucionária da França constitui um constrangimento para o enfrentamento dos seus problemas atuais. Apesar da Grande Revolução, e de várias outras, sinistras ou ridículas, o certo é que a França viveu quase todo o século (XIX) sob a tutela de regimes autoritários ou contrarrevolucionários.

   A “razão histórica” é o único método que permite menor probabilidade de erro de previsão na evolução das sociedades humanas. O fracasso habitual das revoluções reside na sobreposição da abstração de modelos de sociedade imaginárias à realidade concreta das mesmas.

   Contrariamente à astronomia e à química, os problemas humanos são históricos, por isso de máxima concreção. A opinião pública francesa foi tiranizada pela ascensão do seu racionalismo físico-matemático. Contemplando os últimos cento e cinquenta anos da vida pública francesa (aproximadamente de 1780 a 1930, coincidente com a Revolução Industrial), constata-se que, os seus geómetras, físicos e médicos falharam quase sempre nas suas previsões políticas, enquanto os seus historiadores habitualmente acertaram.

   Malebranche (padre filósofo adepto de Descartes e Platão) rompeu com um amigo por ver, na sua mesa, um livro de Tucídides(historiador grego da Guerra do Peloponeso).

   Decartes é o homem a quem a Europa mais deve. Porém, três séculos de experiência racionalista mostram-nos os seus limites; a raison cartesiana, limitada à matemática, física e biologia, que proporcionou triunfos jamais sonhados sobre a natureza, revelou-se infrutífera nos assuntos humanos, convidando à sua integração noutra razão mais radical, a “razão histórica”.

   Esta mostra-nos a futilidade de qualquer revolução geral, a inutilidade da súbita transformação de uma sociedade para recomeçar de novo a história como pretendiam os confucionistas de 89.

   As revoluções, hipocritamente incontinentes nas promessas de direitos, violaram sempre, pisaram, rasgaram o direito fundamental do homem, a definição da sua substância: o direito à continuidade.

   A única diferença radical entre a história humana e a “história natural” é que aquela não pode nunca começar de novo.

   Segundo Kohler e outros, a distinção entre o homem e o orangotango ou o tigre, não reside na inteligência, mas na memória: enquanto a curta memória destes os condiciona a um recomeço quotidiano, aqueles acumulam recordações do seu passado, partindo diariamente de um patamar superior. O homem não é nunca o primeiro homem e a sua maior riqueza, o seu maior tesouro, reside na memória dos seus erros o que lhe permite não os cometer de novo.

      Romper a continuidade com o passado, querer começar de novo, é descer ao nível do orangotango.

   “La continuité est un droit de l’homme; elle est un hommage à tout ce qui le distingue de la bête”. Foi Dupont-White quem assim falou por volta de 1860.

   Exemplo de continuidade é a Inglaterra, onde os mais velhos “trambelhos” da história, a coroa e o cetro, e o cerimonial da coroação, têm uma espécie de poder mágico, simbólico, que consiste na afirmação coletiva do vínculo de um povo a todo o seu passado. A determinadíssima função da monarquia inglesa, destituída de poder material, palpável, é a de, com grande eficácia, simbolizar.

   O povo inglês chegou ao porvir, em todas as ordens, quase sempre antes de qualquer outro. Empenha-se em fazer-nos constar que o seu passado, precisamente porque está passado, porque lhe passou a ele, continua a existir para si.

   Um povo que é senhor dos seus séculos, que circula por todo o seu tempo, é um povo de homens. Homens que continuam no seu ontem sem deixar de viver para o futuro e no seu presente. E este é só a presença simultânea do passado e do porvir.

   Aos geniais e pueris continentais tem cabido a passiva tarefa de os observar e seguir numa espécie de perpétuo dandismo. (recordemos que a Revolução Gloriosa precedeu a Revolução Francesa de 1789 em cerca de cem anos, com propósitos idênticos).

   Com as festas simbólicas da coroação, a Inglaterra opõe, ao método revolucionário, o método da continuidade, o único que pode evitar a patologia histórica das sociedades humanas que consiste na luta, ilustre e perene, entre paralíticos e epiléticos.

   Quanto à América, a esperança dos europeus de que a sua organização socioeconómica erradicaria a praga das crises, revelou falta, ocasional embora, da sua maior virtude, que consiste na cultura do sentido histórico. Longe de ser o porvir a América era o passado remoto porque era primitivismo.

   Isolar e caracterizar o homem médio, que de tudo se vai apoderando, é o objeto deste estudo, e ainda, medir a sua capacidade de continuar a civilização moderna e a sua adesão à cultura.

   A anomalia representada pelo homem-massa é uma anomalia com que é imperioso contar independentemente da atitude de cada um face à civilização e à cultura.

   Um ensaio de serenidade no meio da tormenta é o que o leitor francês deve esperar deste estudo.

Ortega e Gasset


José Ortega e Gasset

Holanda, Maio de 1937  


Peniche 2 de Agosto de 2020

António Barreto