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Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Federalismo spinolista e Autonomia marcelista (VIII)


Guiné e Cabo Verde

  

As duas províncias tinham profundos laços históricos; o povoamento de Cabo Verde fizera-se com gente do reino e escravos oriundos da costa Guiné. O cruzamento das duas raças originou a população mestiça de cultura e língua crioulas.

   A pobreza do arquipélago, consequência de seca regular, originou a emigração de muitos cabo-verdianos para a Guiné onde exerceram atividades ligadas ao comércio e foram integrando a administração pública local. Senegal e Guiné francesa - hoje Conakri -, foram, também, destinos privilegiados.

       O PAIGC foi criado por intelectuais cabo-verdianos (Amílcar Cabral não era natural da ilha de Santiago, como refere Marcello, mas de Bafatá, na Guiné, onde seu pai, cabo-verdiano de ascendência guineense casara com uma guineense de ascendência cabo-verdiana. Foi aos oito anos para Santiago onde fez o ensino primário, depois para o Mindelo, em São Vicente, onde fez os estudos secundários, e, finalmente, para Lisboa onde frequentou o Instituto Superior de Agronomia e conheceu, na Casa do Império, as grandes figuras dos movimentos de libertação - Mário de Andrade, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos -, familiarizando-se com a doutrina da “negritude” de Leopold Senghor que defendia a reafricanização dos espíritos. Amílcar Cabral, foi funcionário dos Serviços Agrícolas e florestais da Guiné, onde adquiriu profundo conhecimento das realidades sociais da província).

   A junção da Guiné a Cabo Verde na reivindicação de independência destinar-se-ia a justificar a presença e a supremacia dos naturais do arquipélago no movimento.

      Os cabo-verdianos eram hostilizados pelos guineenses que os consideravam exploradores dos indígenas. Terá sido essa a origem das tensões internas no PAIGC que poderão explicar o assassinato de Amílcar Cabral (em 20 de Janeiro de 1973 em Conakri).

   A economia da Guiné - com uma área equivalente à do Alentejo cortada por vários rios e habitada por cerca de 20 etnias -, onde predominava a pequena propriedade agrícola, era pobre, e não era o arquipélago que a iria ajudar.

   Em 1968 iniciou-se em Cabo Verde uma das piores secas da história; durou cerca de seis anos.

   (A catástrofe da década de quarenta, que provocou a mortandade de cerca de 50 mil cabo-verdianos e a emigração em massa de muitos outros para as plantações de cacau em São Tomé e Príncipe, ainda na memória de Marcello Caetano, não poderia repetir-se.)

   A partir de 1968 estabeleceram-se planos de atuação aos primeiros sinais. Na sequência da sua visita ao arquipélago em 1971, o Governo implementou um vasto programa de apoio, proporcionando trabalho a todos - na abertura e pavimentação de estradas e na pesquisa e captação de águas subterrâneas -, na distribuição a baixo preço de bens alimentares essenciais, no apoio sanitário - com nutricionistas a distribuir vitaminas a todos, leite às crianças e o indispensável aos idosos. No Mindelo construíram-se silos de milho para ser distribuído pela população e construiu-se uma estação de dessalinização de água do mar que abastecia a população e a navegação, apesar de cara. Para evitar a fome autorizou-se a doação de fundos, a pedido do respetivo Governador; cerca de um milhão de contos neste período.

   O prolongamento da seca no arquipélago e a escassez de mão-de-obra na Metrópole - originada pela expansão económica e pela emigração para França e Alemanha -, levaram o Governo a incentivar a emigração de cerca de vinte e cinco mil cabo-verdeanos para a Metrópole.

   Face às desastrosas consequências nos países africanos na época, onde os mortos ultrapassaram as centenas de milhar, o sucesso de Cabo Verde constituiu uma coroa de glória para Marcello Caetano, apesar das mentiras e propaganda adversa da própria ONU.

   Contrariamente ao que corria nos “mentideiros do mundo”, durante toda a visita de Marcelo Caetano ao arquipélago de Cabo Verde, não houve qualquer sinal de hostilidade; apenas manifestações de apoio, compreensão e patriotismo.

   Devido à sua economia de pequenos proprietários agrícolas indígenas - que conservaram as suas propriedades -, e à escassa instalação de empresas europeias no território, a descolonização da Guiné teria sido simples de levar a cabo, não fosse a a repercussão que teria nas restantes províncias e o consequente abandono de Cabo Verde. A solução teria de ser global e o arquipélago não podia ser deixado à mercê dos apetites internacionais quando a URSS já tinha a sua primeira base naval na Guiné Conakri.

(Captura de Ngungunhane)

Peniche, 12 de Setembro de 2019
António Barreto jr

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Federalismo spinolista e Autonomia marcelista (VII)


Angola e Moçambique

  
A economia começou, rapidamente, a prosperar em Angola; às riquezas tradicionais - diamantes, algodão e café -, juntaram-se o ferro e o petróleo. Construía-se por toda a parte; aldeias transformavam-se em cidades, alargava-se a rede de estradas asfaltadas em todo o território. Em breve estariam liquidados os atrasados; a paridade entre o escudo angolano e o escudo metropolitano era possível, mesmo no mercado livre.

   Moçambique tinha os melhores portos africanos do Índico; a sua economia dependia essencialmente deles. Lourenço Marques, Beira e Nacala, serviam, por via-férrea, respetivamente, o Transval, a Rodésia, o Malawi e a Zâmbia.

   Um poderoso serviço público assegurava os transportes ferroviários, rodoviários e aéreos com fundamental papel na economia do território.

   O bloqueio do porto da Beira em consequência das sanções aplicadas à Rodésia, afetou a economia da província. Fortemente importadora de bens de equipamento e de consumo, as receitas de exportação do algodão, do sisal, do açúcar, do caju, da copra e do chá eram insuficientes para equilibrar as aquisições ao exterior.

   Cabora Bassa, com uma albufeira de 250 Km de comprimento e 38 Km de largura foi projetada para produzir 17 mil milhões de Kwh de energia elétrica, irrigar uma vasta região e regularizar o caudal do rio Zambeze.

   Calculava-se que cerca de um milhão de pessoas beneficiariam da expansão agrícola. O receio de um novo surto de colonos na região provocou o alarme da FRELIMO e na comunidade internacional.

   Nos relatórios do Gabinete do Plano do Zambeze os destinatários do projeto eram brancos e, especialmente, pretos. Tal como sucedera no vale do Limpopo estes poderiam ter melhores condições de vida do que a que tinham nas pobres palhotas espalhadas pelo mato.

   Marcello Caetano hesitou, pela desproporcionalidade do projeto e pelos encargos que acarretaria para o país. Apesar da garantia de financiamento da obra pelo Consórcio - reembolsado posteriormente pela receita de venda futura de energia à África do Sul -, era necessário proteger a linha de transporte de energia elétrica - 1300 Km, 900 dos quais em território nacional -, contratar elevado número de técnicos para fiscalização da obra e dar garantias.

   Com partidários convictos no Governo, vencidas as dificuldades de negociação com as empresas suecas e italianas do Consórcio - que, graças à influência da FRELIMO recuaram nos compromissos assumidos -, a obra foi entregue à ZAMCO, de que faziam parte empresas alemãs, francesas, sul-africana, portuguesas, italianas e suecas.

   Cabora Bassa foi uma bandeira antiportuguesa da comunidade internacional e atraiu as ações terroristas da FRELIMO para o distrito de Tete, chegando a ameaçar a divisão da província ao nível da cidade da Beira.

   Graças sobretudo aos acrescidos encargos de construção da barragem, no início de 1974, o pessimismo caracterizava a economia de Moçambique; um défice cambial preocupante suscitava a intervenção da Metrópole tendo sido decidida uma ajuda de três milhões e meio de contos.
Peniche, 12 de Setembro de 2019
António Barreto jr

sábado, 21 de setembro de 2019

Homenagens


Homenagens

“…Segundo o relato do representante do Finantial Times, Bruce London, durante uma das sessões do Congresso de Aveiro, os assistentes, de pé, em respeitoso e sentido silêncio, homenagearam a memória dos terroristas mortos na luta contra os portugueses em África….”

(Citação do texto de Elmano Alves no livro “Marcelo Caetano, Tempos de Transição”. Este Congresso de Aveiro realizou-se de 4 a 8 de Abril de 1973)

Peniche 21 de Setembro de 2019
António Barreto jr

Federalismo spinolista e Autonomia marcelista (VI)


A implementação do novo modelo

  
As eleições para as câmaras municipais, assembleias legislativas e juntas consultivas realizaram-se de novembro de 1972 a 31 de Março de 1973, com instruções para o alargamento máximo do recenseamento eleitoral e a participação, nas listas de cada localidade, do maior número possível de personalidades nativas. Excetuando o caso de Angola, este propósito terá tido algum sucesso nas restantes províncias.

   Aos críticos, em especial aos estadistas estrangeiros, que exigiam maior rapidez e profundidade na política da autonomia progressiva, Marcello pedia tempo.

   Vários fatores contribuíram para a dificuldade de recrutamento de negros nativos para substituição de funcionários e dirigentes brancos: a captação pelos movimentos de libertação, com o apoio americano, de valores da população negra, em especial dos que, na década de sessenta, frequentavam as universidades portuguesas; a falta de comprometimento de outros; a insuficiência de quantidade ou qualidade dos restantes e a lei que interditava os funcionários públicos de fazer parte das Assembleias Legislativas.

   Por outro lado, os que abandonavam as atividades revolucionárias - eram frequentes na Frelimo - e voltavam às suas terras, tinham que passar por um período de quarentena antes de serem integrados, a fim de não suscitarem desconforto dos que tinham sido leais.

   Marcello Caetano acreditava que o tempo permitiria superar estas contingências, apesar da conjuntura económica desfavorável e da crescente pressão internacional.

   A espantosa revolução económica que se verificou, sobretudo em Angola e Moçambique, resultou da adoção, nas províncias ultramarinas, da doutrina da autonomia financeira em substituição do modelo de transferências criado pelo Fundo Monetário da Zona do Escudo supervisionado pelo Banco de Portugal.

   O sistema de transferências em vigor, em que os pagamentos das províncias à metrópole em moeda local eram compensados em escudos metropolitanos obtidos nos pagamentos em sentido inverso, acumulara um atraso superior a um ano, em pagamentos da ordem dos 12 milhões de contos. Outro tanto estava oculto.

   Com o novo modelo de autonomia financeira, cada província estava “condenada” a assumir as importações conforme o respetivo orçamento anual elaborado em função das receitas das correspondentes exportações.

  Protestaram os grandes importadores de equipamentos e bens de consumo mas seguiu-se um entusiástico movimento de instalação de novas indústrias em Angola e em Moçambique.

(Hermenegildo Capelo)
Peniche 12 de Setembro de 2019
António Barreto jr

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Federalismo spinolista e Autonomia marcelista (V)


Autonomia Progressiva Participada

  
Opositor convicto do integracionismo e das independências prematuras, quer de minorias brancas quer de aventureiros africanos (maiorias negras), Marcello Caetano adotou a via da “autonomia progressiva” também designada por “autonomia progressiva participada”. Tal consistia em, paulatinamente, entregar a administração dos territórios às respetivas populações, integrando rapidamente os nativos em todos os escalões da gestão pública; igualdade de direitos independentemente da raça ou da cor; transição de poderes legislativos e executivos, para os órgãos locais, em número e importância crescente; desvinculação da economia de cada província da economia metropolitana.

   Estes princípios foram expressos por Marcello Caetano em 18 de Abril de 1969 em Lourenço Marques, em sessão solene conjunta dos Conselhos Legislativo e de Governo de Moçambique.

   A independência das províncias ultramarinas, dependendo do fluir da história, poderia ser a consequência desta política. Consciente disso Marcello Caetano propunha-se preparar um “futuro português” para os eventuais Estados independentes. Um futuro de convivência racial e de respeito por todas as culturas; onde os brancos pudessem continuar a viver como cidadãos de pleno direito e a secular cultura lusa lá implantada, sobretudo a língua portuguesa, fosse respeitada.

   O luso-tropicalismo, de que falava o cientista social Gilberto Freire, consistia no reconhecimento da tradição de fraternidade racial na colonização portuguesa, onde prevaleceram os valores cristãos de ausência de discriminação em razão da etnia ou da cor da pele, de convívio e de miscigenação. Tais práticas chegaram a ser severamente criticadas por intelectuais estrangeiros, sobretudo britânicos, considerando-as degradante condescendência.

   Após persistente trabalho de persuasão junto dos membros da Assembleia Nacional, quase todos adeptos do integracionismo, a nova lei foi publicada em 16 de Agosto de 1971. Seguiu-se, em 23 de Junho de 1972 a nova lei orgânica do Ultramar Português, e, em 22 de Dezembro do mesmo ano, os estatutos das diversas províncias, segundo os quais:

   Cada província foi dotada da respetiva Assembleia Legislativa eleita por sufrágio direto. Os Governadores eram nomeados pelo Governo Central e as Juntas Consultivas que os assessoravam eram eleitas. Nos casos de Angola e Moçambique, o Governo era constituído por secretários provinciais que, em Conselho de Governo, reuniam com o respetivo Governador. Os Tribunais locais encarregavam-se da Justiça, com os da relação sedeados em Lourenço Marques e Luanda, todos subordinados ao Supremo instalado em Lisboa.

   Alargou-se a competência legislativa das Assembleias mantendo os Governadores a faculdade de publicação de decretos.

   Os órgãos de soberania continuavam a encarregar-se dos assuntos de interesse nacional geral.

   Para Marcello Caetano, os inconvenientes do federalismo residiam na duplicação de órgãos governativos - uma vez que a Metrópole seria constituída em Estado Federado - e na inviabilidade dos pequenos territórios de São Tomé e Príncipe, Timor, Macau e da Guiné se converterem em estados federados. Seguiu a via da descentralização, na senda do modelo da regionalização consagrado na Constituição republicana espanhola de 1931 e, à época, em vigor na Constituição da república italiana. No seu conceito, a unidade dum Estado não é afetada pelas autonomias regionais, beneficiando as populações desta forma de governo.
(Roberto Ivens)
Peniche, 12 de Setembro de 2019
António Barreto jr

sábado, 14 de setembro de 2019

Federalismo spinolista e Autonomia marcelista (IV)


A Guerra Colonial

  
Apesar da violência brutal que acompanhou a independência do Congo Belga em junho de 1960 e da afinidade dos negros do congo português com o os do congo belga, acreditava-se que nada de semelhante ocorreria do nosso lado em virtude do melhor relacionamento histórico entre negros e brancos.

   Mas não era bem assim; o professor Joaquim da Silva Cunha, palmilhando o território angolano de lés-a-lés, fez um levantamento exaustivo das várias sociedades ocultas de cariz religioso e messiânico - que deu lugar ao relatório/livro “Movimentos Associativos da África Negra” - nas quais se difundia a promessa de libertação do continente africano, do branco.

   Este aviso de perigo eminente, suscitando algumas providências em termos de segurança, reforçado com o ataque à prisão e a uma esquadra de polícia em Luanda em 4 de Fevereiro de 1961, não evitou os bárbaros ataques de 15 de março no congo português nos quais foram selvaticamente assassinados cerca de 1500 colonos e indígenas.

   O desarmamento das populações na bacia do Zaire, imposto pelas convenções internacionais, deixou os colonos indefesos. Só os aviões do Aeroclube de Angola e militares, posteriormente, lançaram armas aos núcleos de resistência dos colonos.

   Reis Ventura, no seu “Sangue no Capim” descreve em género romance, a tragédia desses tempos.

   Salazar, envelhecido, magoado e torturado na sequência do sequestro do Santa Maria, vacilou ante o desesperado pedido de auxílio das gentes de Angola.

   Nas forças armadas reinava a intranquilidade: Craveiro Lopes, ressentido, ameaçava o regresso à vida pública, enquanto no Departamento da Defesa Nacional e no Ministério do Exército imperava o sentimento de impotência equacionando-se o início das negociações com os EUA.

   Daqui resultou a tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz na qual Costa Gomes participou. Fracassado o golpe Salazar ganhou novo alento e anunciou ao povo, pela televisão, a sua decisão de socorrer Angola “rapidamente e em força”.

   Um sentimento patriótico eclodiu por todo o país e consolidando a linha de ação na defesa do Ultramar.

   Marcelo Caetano manteve a política ultramarina quando, em 1968, assumiu o Governo. O escasso número dos bandos guerrilheiros e a falta de representatividade destes levou-o a considerar a questão ultramarina como um caso de segurança interna.

   Apurara que em nenhuma das três províncias havia uma rebelião generalizada das populações. A subversão verificava-se em áreas restritas a partir dos países vizinhos, graças a apoios estrangeiros. Não havia terrorismo urbano, e mesmo na Guiné, a maior parte da população era fiel a Portugal. Centenas, ou mesmo milhares de observadores estrangeiros, jornalistas, diplomatas, políticos, comerciantes e industriais puderam viajar por toda a parte nas três províncias, sem escolta, sem armas e sem problemas de segurança.

   Para comprová-lo Marcello Caetano deslocou-se ao Ultramar em abril de 1969, visitando Bissau, Luanda, Lourenço Marques, Beira e Nova Lisboa; os banhos de multidão, incluindo pretos e brancos, a ausência de atentados ou distúrbios e os apelos de ajuda fortaleceram a sua decisão de prosseguir a política em curso. Abandonar as populações seria uma traição ignóbil.

   As efusões de apoio popular repetiram-se na Metrópole, em Lisboa logo à chegada à Portela, e em especial na visita a Vila Nova de Gaia e ao Porto. O Ultramar foi aclamado por todos.

   Este foi o ciclo da legitimação do Governo de Marcelo Caetano e da sua política de defesa do Ultramar. Assim o considerou o Presidente do Conselho.
(António Enes)

Peniche, 14 de Setembro de 2019
António Barreto jr

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Ao federalismo spinolista a autonomia marcelista III


Integracionismo

 
A reforma constitucional de 1951 aboliu a lei do indigenato atribuindo o estatuto de plena cidadania a qualquer habitante das colónias. A doutrina integracionista, variante da de assimilação, prevalecente no século XIX, ganhara terreno, impusera-se na década de 50 e enformou a lei fundamental.

   Os partidários do integracionismo defendiam a fusão da Metrópole e Ultramar numa só entidade. O território, apesar de pluricontinental, era uno, com uma só classe de cidadãos sob as mesmas leis. Nele circulariam em plena liberdade, pessoas, bens e capitais, com total supressão de barreiras aduaneiras e tendência para a moeda única. O Ministério do Ultramar seria extinto e as instituições administrativas seriam iguais em todo o território. Ministérios especializados em Lisboa tratariam em plano de igualdade os assuntos de ultramarinos e metropolitanos.

  Marcello Caetano, relator do parecer da proposta de lei de revisão constitucional de 1951 pela Câmara Corporativa, expressou a sua discordância Defendia a descentralização e autonomia administrativa e financeira das “províncias ultramarinas” e a especialização das leis no respeito dos usos e costumes das populações nativas.

   Apesar das muitas e importantes adesões, quer na Metrópole, quer no Ultramar, o integracionismo não foi adotado na plenitude; acabou o indigenato, universalizando-se o estatuto de cidadão e aboliram-se ou reduziram-se as tarifas aduaneiras desprotegendo as indústrias ultramarinas em benefício das metropolitanas e dos grandes importadores de cada província. Não foi adotada a moeda única mas instituiu-se um engenhoso sistema de pagamentos interterritoriais facilitador da fuga de capitais para a Metrópole.

   Com a eclosão do terrorismo em Angola em 1961 o integracionismo ganhou ainda mais adeptos.

(Mouzinho de Albuquerque, pelo próprio)
Peniche, 11 de Setembro de 2019
António Barreto jr 

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Ao federalismo spinolista a Autonomia marcelista II


   João Belo - companheiro de Mouzinho de Albuquerque nas campanhas militares de Moçambique onde permaneceu até 1925 e lá realizou obra exemplar de que se destacou a fundação da cidade de Xai-Xai em Gaza -, enquanto Ministro das Colónias no Governo da ditadura militar em 1926, pôs fim ao modelo dos Altos-Comissários, instituindo uma profunda reforma na relação do governo central com as colónias. Tal opção terá sido imposta por necessidade e não por convicção uma vez que, João Belo, partilhava da ideia das autonomias.

   Dessas reformas fez parte a criação do Conselho Superior das Colónias, elaboraram-se os correspondentes códigos administrativos, o estatuto político, civil e criminal dos indígenas de Angola e Moçambique e um novo estatuto para as missões católicas naqueles territórios.

   Salazar, enquanto Ministro Interino das colónias, com a Constituição de 1911 suspensa, foi o mentor do primeiro documento constitucional do Estado Novo - o Ato Colonial - promulgado em 8 de Julho de 1930. Este documento, composto por 47 artigos, estabelecia a estrutura orgânica das colónias, o seu relacionamento com o governo central, o estatuto dos indígenas, o regime político e as garantias económicas e financeiras. Na sua origem esteve, também, a revolta verificada em Angola em março de 1930 entre administradores civis e altas patentes militares, a qual chegou a pôr em causa a autoridade do poder central.

   Num tempo de impérios coloniais ninguém estranhou a nova lei, apenas os saudosistas monárquicos adeptos do assimilacionismo criticaram o uso do termo colónias e os intelectuais do Estado da Índia lamentaram, com razão, a inclusão deste na categoria de colónias.

   A distinção efetuada entre Metrópole e Ultramar também foi censurada, no entanto, tal correspondia à necessidade de especialização do direito e da administração ultramarina.  

    Com a reestruturação das finanças angolanas e a publicação do decreto das respetivas transferências cambiais - da autoria do Subsecretário de Estado das Finanças Armindo Monteiro - em 1931, conseguiu-se o saneamento da economia desta colónia nos vinte e cinco anos seguintes, transformando-a numa grande e promissora potência económica da África austral.

   O sucesso angolano impulsionou o desenvolvimento das restantes colónias nas quais a criação de riqueza e bem-estar era patente.

   A distinção entre cidadãos ou assimilados e indígenas, consagrada no Ato Colonial, tinha como objetivo a integração destes nas respetivas sociedades, com seus usos e tradições. Institucionalizando o respeito e a tutela das culturas nativas, a lei do indigenato era adequada às circunstâncias da época.

   O escrúpulo com que eram atribuídos os alvarás de assimilação era justificado pela necessidade de garantir a preparação mínima do indígena para um mundo que lhe era totalmente estranho, num quadro de cidadania plena.
(Foto João Belo)
Peniche, 06 de Setembro de 2019
António Barreto jr

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Federalismo spinolista e autonomia marcelista I


 
  Julgo que foi durante a monarquia, talvez até ao século XIX, que Portugal esteve mais próximo do federalismo. As abundantes concessões territoriais régias aos nobres e ordens religiosas como contrapartida pela participação na reconquista, resultou numa miríade de senhorios e concelhos com autonomia administrativa, económica e jurisdicional, competindo à coroa, conforme definido em cortes, a mobilização militar, o tributo senhorial e a supervisão jurisdicional - funcionando em certas matérias como tribunal de recurso. Após a consolidação territorial em 1297 - tratado de Alcanizes no reinado de D. Dinis - e o primeiro ciclo de povoamento - início dos Descobrimentos em 1415 -, por meados do século XV - 1446 - com a publicação das célebres Ordenações Afonsinas iniciou-se o processo de reversão concentracionista que se prolongou pelos séculos, intensificando-se após 1834 na sequência das reformas liberais a que foi dado novo impulso na sequência da primeira república. Surpreende a dinâmica, pela qual, à irradicação do absolutismo correspondeu a concentração político-administrativa; uma realidade que, mais coisa menos coisa, com exceção do caso das ilhas adjacentes, se mantém.

      No seu “Depoimento”, no capítulo dedicado ao Ultramar - editora Record, 1975 - Marcello Caetano resume os vários conceitos que foram ocorrendo no tipo de relacionamento da Metrópole com os territórios ultramarinos. Assim:

   No século XIX prevaleceram as ideias de assimilação e centralização herdadas da Revolução Francesa - 1789; o primado da igualdade justificava a universalidade das leis e da administração política (assimilação), que só a concentração de poderes poderia garantir bem como prevenir os abusos dos poderes locais.

   Na sequência da crise provocada pelo Ultimatum inglês em 1890 - em que o Partido Republicano Português acusou a Coroa de incompetência na defesa dos interesses nacionais na Conferência de Berlim - realizada em 1884/1885 -, a República afirmou-se, desde a primeira hora, intransigente defensora do património ultramarino.

   Apesar da simpatia que o Governo Republicano tinha pelas ideias da Revolução Francesa acabou por adotar o princípio da autonomia defendido pela geração que fez as campanhas de ocupação africana, como foram os casos de António Enes, Mouzinho de Albuquerque e Paiva Couceiro. À semelhança do modelo das colónias inglesas, as ideias da especialidade do Direito e da autonomia do Governo foram-se sobrepondo às de assimilação e centralização até aí vigentes.

   Foi com a ideia de autonomia que, em 5 de Outubro de 1910, o Ministério da Marinha e Ultramar passou a designar-se por Ministério da Marinha e Colónias e que, em 1913, foi criado o Ministério das Colónias. A colónia, segundo os doutrinadores da época, era mais adequada à autonomia do que a província. O modelo foi-se impondo contra a oposição de Monárquicos e tradicionalistas.

    A possibilidade de defesa da integridade do império colonial na futura Conferência de Paz foi uma das causas da participação de Portugal na primeira Guerra Mundial. A outra foi a necessidade de reconhecimento internacional do novo regime.

   Críticas à política colonial de Portugal na Conferência de Paz - de 1919, aspirações da União Sul Africana ao sul de Moçambique, Conferência de Berlim - de 1898 - e conversações secretas anglo-germânicas, incentivaram os governos republicanos a intensificar as políticas coloniais, adotando o modelo dos Altos Comissários, com plenos poderes executivos. Tal revelar-se-ia um fracasso induzido pela desordem política e financeira que se vivia na Metrópole. No seu relatório sobre as “Finanças Coloniais”, Armindo Monteiro descreve o estado calamitoso em que se encontravam as administrações das colónias sob o modelo dos Altos-Comissários. Marcello Caetano enquanto vogal do Conselho do Império em 1935, cuja secção de finanças era responsável pelos pagamentos dos exercícios precedentes, testemunhou documentalmente todo este caos.
Peniche, 06 de Setembro de 2019
António Barreto jr