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domingo, 15 de julho de 2018

O desastre de Tanger


Da História de Portugal

O desastre de Tanger

Notas XII

   O êxito da expedição a Ceuta foi um incentivo para D Duarte avançar para Tanger; permitiria controlar o estreito de Gibraltar contendo a pirataria muçulmana, aceder às riquezas locais satisfazendo as ambições de glória e materiais da aristocracia, reforçar a afirmação externa do reino, desincentivar as veleidades castelhanas e prosseguir a expansão territorial em simultâneo com a expansão marítima. Prevaleceu a tese do D. Henrique, forte entusiasta da expansão territorial e vencedor de Ceuta. Entre os opositores destacavam-se D. Pedro, D. João, D. Afonso e os filhos deste, condes de Ourém e Arraiolos. D. Pedro invocava a falta de homens e recursos para o bom êxito da empreitada e, em caso de sucesso, a incapacidade de promover o povoamento do território conquistado, sugerindo, em alternativa, o povoamento e desenvolvimento do país. Curioso foi o argumento de D. João, o novo condestável, ao invocar a orientação das Sagradas Escrituras para a conversão dos infiéis e não para o seu extermínio. Entre os opositores defendia-se a expansão marítima e o apoio a Castela e Aragão na luta contra os muçulmanos por Granada. Consultado, o Papa, “lavou” as mãos. Com tanta gente em desacordo, resta apurar se não terá sido essa a principal causa do insucesso; falta de empenho por parte dos discordantes, apesar das suas juras de fidelidade ao rei.

   D. Duarte, autor de “O Leal Conselheiro”- livro sobre moral e Direito feudal - e do “Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela” - sobre equitação -, ao contrário de seu pai, convocava, frequentemente, o Conselho Régio e as Cortes para consulta e debate sobre os mais variados temas, o que lhe terá valido o epíteto de “O Eloquente”. Percebe-se que não estava seguro quanto ao interesse da expansão territorial pelo norte de África, deixando-se persuadir pelo entusiasmo e convicção de D. Henrique, por quem tinha grande admiração. Do que não tinha dúvidas era quanto à importância da expansão marítima, matéria, aliás, consensual, continuando a financiar o projeto do mesmo D. Henrique. Foi no seu reinado que Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, em 1434, e se fizeram expedições a Angra dos Ruivos, ao Rio do Ouro e a Pedra da Galé.

   Tal como previra D. Pedro, a tentativa de conquista de Ceuta resultou num desastre militar e num dos maiores dramas da História de Portugal. Os meios empregues foram insuficientes, o fator surpresa, que resultara em Ceuta, desaparecera, e a derrota foi o resultado inevitável; forças árabes vieram em auxílio da cidade, sitiada pelas tropas lusas, cercando estas e forçando a sua rendição, que aconteceu a 12 de Outubro. A devolução de Ceuta era a contrapartida exigida para a libertação dos prisioneiros; um vexame para a imagem da Coroa lusa. D. Fernando, num gesto de altruísmo e patriotismo raros, ofereceu-se como penhor, criando as condições para a negociação.

   O tema gerou forte e prolongada discussão, tendo sido debatido nas Cortes de Leiria de 1438. Uns, D. Pedro, D. João e os “Homens Bons” dos Concelhos, defendiam a entrega de Ceuta e o resgate do “Infante Santo”. Outros, D. Henrique, a nobreza senhorial e o conde de Arraiolos, preferiam sacrificar D. Fernando a entregar Ceuta. Outros ainda, o Arcebispo de Braga, os procuradores eclesiásticos e os Leigos, ponham nas mãos do Papa, a decisão, em virtude de Ceuta ser já um bastião cristão.

    Perante tanta discussão, D. Duarte ficou paralisado, tendo-se refugiando em Tomar, vindo a falecer onze meses depois do desastre de Tanger; uns dizem que, de peste, outros, de desgosto. D. Fernando, o “Infante Santo”, veio a falecer em Fez, abandonado, em 1438. Está sepultado no Mosteiro da Batalha.

   Este episódio demonstra a determinação de D. Henrique na prossecução do seu projeto de expansão e mostra a sua faceta pouco conhecida e evocada; a da crueldade e desumanidade, contraponto da exaltação patriótica e militar. Os interesses do reino, definidos pela nobreza e clero, sobrepunham-se aos interesses do indivíduo, apesar da origem deste.

   Quando procurava a localização de Angra dos Ruivos, Rio do Ouro e de Pedra da Galé, deparei-me com o blogue, cujo link indico em baixo, dedicado a História, e que me parece muito bom. Transcrevi duas secções muito interessantes: uma, referindo a prática de captura e escravização dos europeus pelos árabes, nos séculos VIII e XIX, período do apogeu islâmico. Outra, fazendo referência ao propósito evangelizador do projeto marítimo de D. Henrique e da Coroa lusa; a captura de nativos, inicialmente, destinava-se a comprovar a chegada a novos territórios e a proporcionar estudos “antropológicos”.

http://www.crossingtheoceansea.com/OceanSeaPages/OS-38-CapeBojador.html  

   Slavery was a thriving business in Muslim Africa. Since the eighth and ninth centuries, the Muslims had been collecting European slaves, known as saqaliba, from Iberian, Sicilian, Grecian, and other Mediterranean shores. They transported the saqaliba across the Red Sea to Saudi Arabia, across the Indian Ocean to India, and by caravan across the Sahara desert to western Africa. Henry the Navigator knew this. He had witnessed the corsairs from Africa raiding Portuguese ports.

But as a Knight of the Order of Christ, Henry claimed he wanted to convert the infidels of Africa to Christianity, not enslave them. The reason Henry requested his explorers to collect natives from the lands they visited was because he wanted proof that the explorers had been where they said they had been. As a student of foreign lands, he wanted to inspect and study foreign people [as if they were exotic specimens].

Nonetheless, slaving turned out to be profitable. During the next ten years, Henry’s captains became more interested in capturing slaves than in reaching the southern end of Africa.

A preterição do desenvolvimento económico interno, como defendeu D. Pedro, em favor da busca de riquezas no exterior, conforme advogou D. Henrique, marcaria toda a história de Portugal. Tanger, terá sido, porventura, o prenúncio do desastre de Alcácer Quibir em 1575. Então, nenhum “Infante Santo” salvou o reino e as elites, havendo quem defenda que, ainda hoje, Portugal enferma dessa tragédia.
 

Bibliografia:
Da Lusitânia a Portugal, de Diogo Freitas do Amaral

Peniche, 14 de Julho de 2018
António J. R.. Barreto
 

 

terça-feira, 10 de julho de 2018

Da História de Portugal, notas XI


Da Lusitânia a Portugal
De Diogo Freitas do Amaral
Bertrand Editora
Notas XI (sobre a obra)
A conquista de Ceuta

   Em 1415, França e Inglaterra travavam, na plenitude, a célebre Guerra dos Cem Anos - de 1346 a 1453. Espanha continuava a sua luta contra os muçulmanos pela posse dos territórios a sul, o que viria a ocorrer em 1492. Na Igreja Católica vivia-se ainda o Grande Cisma do Ocidente - de 1378 a 1417. A devastação da Peste Negra, que atingira o auge entre 1346 e 1353, traduzira-se numa profunda recessão demográfica e económica em toda a Europa. O ciclo do ótimo climático medieval estava no seu termo, agravando a crise agrícola. Com as fronteiras definidas no limite da expansão territorial desde 1279 e a paz consolidada com Castela, Portugal antecipou-se, ao dar o primeiro passo da sua epopeia marítima, a qual viria a conduzir a Europa a um ciclo de progresso económico político e social sem precedentes que culminaria no século XIX, com a Revolução Industrial.

   Especula-se ainda quanto às causas do avanço de Portugal para a tomada de Ceuta: antes de mais, como se viu antes, já D. Dinis tinha ideias bem definidas quanto à necessidade da exploração marítima, que seria uma inevitabilidade resultante da estabilidade territorial continental e das carências económicas e demográficas do país. A expansão do cristianismo terá sido, sem dúvida alguma, outra das motivações da Coroa lusa, dado o compromisso desta com o papado ao qual devia a legitimação, e os graves ataques de que o cristianismo era alvo a oriente por parte do islamismo turco, que viria a derrubar o Império Romano do Oriente em 1453 com a tomada de Constantinopla. O “pão de mar” teria sido outra das razões, decorrente da grave crise de produção de cereais pelas razões já referidas. Ainda outra, terá sido a necessidade de dar combate à pirataria islâmica que fustigava as cidades mediterrânicas, incluindo as do Algarve. Finalmente, a carência de novas benesses régias e do saque militar terá mobilizado a aristocracia, criando um ambiente propício a novos feitos guerreiros.

   Os infantes D. Duarte, D. Pedro e D. Dinis, foram mandatados para arregimentar homens e armas nas regiões de Lisboa, Porto e Coimbra. Enviaram-se emissários às coroas de Castela, Inglaterra e Flandres com a finalidade de clarificar os propósitos da iniciativa, ficando por esclarecer a omissão relativamente a França, eventualmente relacionada com o seu apoio ao antipapa Clemente VI, radicado em Avignon. Para Ceuta, via Sicília, partiram dois nobres em missão de espionagem, com o propósito de recolha de informação necessária à elaboração do plano militar.

  Na Capital vivia-se em euforia a espetativa da nova aventura. D. Filipa de Lencastre, antes de falecer, em 18 de Julho de 1415, incentivara os três filhos mais velhos, presenteando cada um deles com uma espada e com os seus conselhos de vida. A 7 de Agosto, com o país em luto, 210 a 240 navios e cerca de 19 mil homens, partiram de Lagos, rumo a Ceuta via Algeciras.

    Os combates, iniciados a 21 de Agosto, sob a liderança do jovem D. Henrique, grande entusiasta da expedição, terminaram no dia seguinte. Transformou-se a mesquita local na igreja de Santa Maria, onde El Rei D. João I, armou Cavaleiros D. Pedro e D. Henrique - grau já atribuído, por inerência, a D. Duarte, herdeiro ao trono após o falecimento de seu irmão Afonso, o primogénito (a Infanta D. Branca, falecera no ano anterior ao nascimento de D. Duarte) - Em Tavira, foram nomeados os primeiros duques História de Portugal; de Coimbra, D. Pedro e de Viseu. Apesar de D. Henrique, ter sido designado, por seu pai, para Governador Geral de Ceuta, foi a D. Pedro de Meneses com uma guarnição de 40 oficiais e 2500 soldados, que coube a guarda da cidade.

   Os benefícios económicos da tomada de Ceuta limitaram-se aos do saque inicial e à contenção dos atos de pirataria no mediterrâneo, tendo-se transformado, rapidamente, num sorvedouro de recursos do país. A Monarquia saiu prestigiada, em especial, junto do Papa e dos principados cristãos.

   É curioso, que, o autor, atribua a este episódio uma das causas dos 165 anos seguintes de paz com Castela! Não consegui perceber bem porquê! Talvez tenha funcionado no plano da dissuasão; afinal, o desastre castelhano de Aljubarrota ocorrera apenas trinta anos antes.

   Ceuta permaneceu sob domínio Português durante 254 anos, até que, no Tratado de Badajoz realizado em 1668, foi acordada a transferência para a soberania Castelhana.

  Foi ainda neste reinado que Portugal, descobriu Porto Santo, em 1419, a Madeira, em 1420 e, se realizaram várias expedições às Canárias.

   De forma algo difusa, imprecisa, caracterizou, o autor, a atividade do Infante D. Pedro, o “das sete partidas”, atribuindo-lhe um longo périplo pela Europa, em missão diplomática, mas também de atualização em matérias de governação, de correntes de pensamento, de conhecimento geográfico, etc., suspeitando que teria sido ele a trazer, de Veneza, o célebre “Livro de Marco Polo”. Recebeu de Segismundo da Hungria o feudo de Treviso e foi investido cavaleiro da Ordem da Jarreteira, por, seu tio, Henrique IV de Inglaterra. É possível, digo eu, que o acervo de informação que D. Pedro recolheu até regressar a Portugal, em 1428, tenha sido decisivo para o projeto da expansão marítima lusa.
 
 
D Filipa de Lencastre - Padrão dos Descobrimentos

terça-feira, 3 de julho de 2018

Da História de Portugal, notas X


Da Lusitânia a Portugal
De Diogo Freitas do Amaral
Bertrand Editora
Notas X (sobre a obra)
A Grande Crise Nacional de 1383 e 1384

   A crise de 1383 e 1384, consequência do impasse sucessório da coroa portuguesa, do entrelaçamento das famílias reais de Portugal e de Castela e do eterno fascínio humano pelo poder, em que, pela primeira vez na História de Portugal a participação popular, manipulada embora, foi decisiva no desfecho dos destinos do reino, consolidou a monarquia portuguesa - internamente, na comunidade internacional e junto do papado -, conduziu ao estabelecimento da paz com Castela - Tratado de Segóvia em 1411, confirmado em Medina Del Campo em 1431 -, estabeleceu pela primeira vez o princípio da soberania popular representada nas Cortes e propiciou a mudança estratégica do projeto nacional para a expansão marítima que viria a iniciar-se em 1415 com a conquista de Ceuta, constituindo o principal fator identitário da Nação.
 
 
Tomada de Ceuta em 1415  

Peniche, 3 de Julho de 2018
António J. R. Barreto