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Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Grândola, a falsa metáfora..

 
 
(Prec)
 
Grândola vila morena
Terra da fraternidade
O Povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
 
Dentro de ti, ó cidade
O Povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola vila morena
 
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade 

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O Povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
 
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
 
 
   Grândola, vila morena; uma utopia, para um golpe de Estado com causas de natureza corporativa apadrinhado por altos dignitários dissidentes da estratégia seguida na guerra ultramarina e tomado pela teia comunista que infiltrava as forças armadas ao mais alto nível e que lhe atribuiu a falsa chancela de revolução popular. Tratou-se de uma senha  usada pelos operacionais do golpe de Estado para despoletar o início da ação mas também com a mensagem de um novo desígnio para a sociedade portuguesa. Os acontecimentos subsequentes ao 25 de Abril mostraram a imprudência dos "revoltosos" consubstanciada na ausência de um projeto para o país de que resultou uma entropia social dominada, até ao 25 de Novembro de 1975, pela única entidade ideologicamente consistente e operacionalmente estruturada, o Partido Comunista Português; uma espécie de delegação da união soviética  em Portugal que generosamente o financiava em troca de lealdade à sua causa.
 
   Passados 44 anos, o resultado não é bonito; um país empobrecido e sobre-endividado,  apesar das generosas ajudas externas, demograficamente decadente, vítima da crescente repressão económica  e fiscal do Estado cujas estruturas foram tomadas pelos diretórios partidários e usadas em benefícios das respetivas clientelas, onde os cidadãos morrem por falta de cuidados médicos ou por incapacidade dos meios de segurança, vêm o produto do seu trabalho destruído pela corrupção que grassa no sistema financeiro, assistem impotentes à promiscuidade entre este e a classe política e à incapacidade do sistema judicial garantir o Estado de Direito, temem diariamente pelos seus postos de trabalho sentindo-se compelidos à emigração e à precariedade das relações familiares e vêm o mérito do seu trabalho honrado preterido pelo vínculo partidário. Um país cuja independência foi posta em causa, sem qualquer tipo de remorso dos seus fautores, alegremente condenado à irrelevância na cena internacional, dissolvido numa europa prepotente pretensamente solidária. Uma nação quase milenar onde se cantam loas à libertação dos povos das ex-colónias apesar de submetidos a uma abjeta miséria e violência por parte das novas oligarquias que ostentam impunemente a opulência resultante da apropriação dos recursos endógenos, num simulacro de democracia hipocritamente legitimada.
 
   Grândola, vila Morena, terra da fraternidade:
 
   Nunca houve tanto ódio na sociedade portuguesa, induzido pelo radicalismo partidário na sua insana disputa pelo poder, potenciando as disputas sociais ao ponto de se ter estabelecido um clima de guerra civil cada vez mais perceptível.
 
   Grândola, vila morena, o povo é quem mais ordena:
 
   Não. Quem mais ordena são os diretórios partidários. O país foi dotado de mecanismos democráticos numa estrutura semipresidencialista verificando-se que, apesar da formal separação de poderes, todos os órgãos de soberania são, de uma forma ou de outra, controlados pelos partidos; desde logo ao nível do parlamento onde os representantes dos eleitores são escolhidos pelas cúpulas partidárias desvirtuando o princípio da representação da soberania popular e prejudicando o a ação fiscalizadora dos Governos pelo Parlamento. Já ao nível da Presidência da República, órgão de maior legitimidade democrática, apartidário, cujos titulares, sendo eleitos por sufrágio direto e universal, com exceção do General Ramalho Eanes, são provenientes das fileiras partidárias após um hipócrita período de nojo, acabando por refletir na sua ação as políticas do respetivo vínculo ideológico, destruindo o requisito da equidistância próprio da função e contribuindo para o agravamento das tensões sociais. Quanto ao terceiro pilar da soberania, a Justiça, apesar da garantia constitucional de independência e do Estado de Direito, não tem resistido aos episódios de infiltração pelo sistema partidário, formatando a constituição dos seus órgãos ou reformando o quadro legal conforme interesses particulares, mais ou menos implícitos. Desta forma, o designado sistema de pesos e contrapesos, próprio das democracias idóneas, fica comprometido, tal como a prestação de contas, reduzindo à marginalidade as "ordens do Povo" e concentrando o poder nos partidos, os principais beneficiários da liberdade.
 
   Grândola, vila morena, em cada esquina um amigo:
 
   Não. Não em cada esquina. Hoje, a amizade está, em geral, subordinada aos interesses pessoais. Uma consequência da concentração demográfica nas grandes cidades, onde as pessoas vivem sós, apesar de fisicamente próximas, e do esvaziamento do interior onde tinham nome e rosto.
 
   Grândola, vila morena, em cada rosto igualdade:
 
   Não. Sim perante Deus, mas tal nada tem a ver com a democracia. Sim perante a Lei, mas apenas formalmente; na prática a generalidade dos cidadãos não tem acesso à Justiça, por ser dispendiosa ou demasiado tortuosa ou, simplesmente, incompreensível. Ao nível social, constituindo um dos grandes paradoxos do regime democrático, agravaram-se os preconceitos, associando-se a dignidade de cada um ao respetivo grau académico e estrato social, em vez de à sua condição humana intrínseca.
 
   Grândola, vila morena, à sombra duma azinheira que já não sabia a idade:
 
   Uma alusão à consciência de liberdade inerente ao Homem, que temos muita dificuldade em reconhecer nos dias de hoje à generalidade dos cidadãos graças à teia de imposições "democraticamente" estabelecidas, que os tornam cada vez menos livres e mais dependentes de um regime carente de legitimidade.
 
   Não era esta a utopia de Abril.
 
Peniche, 25 de Abril de 2018
 
António J.R.Barreto

sábado, 21 de abril de 2018

Discutir a Democracia II

   A autora do ensaio propõe-se avaliar a qualidade da democracia nacional "à luz da "teoria do Apoio ao Sistema Político" entendido este como um conjunto de crenças, atitudes e comportamentos dos cidadãos, quer em relação aos valores e princípios estruturantes das democracia (poio difuso), quer em relação às suas principais instituições e atores políticos (apoio específico)."
 
   Este ensaio divide-se em seis capítulos: no primeiro, a autora sugere ao leitor uma reflexão acerca do que designa por "paradoxos democráticos", quer ao nível da expansão global do sistema democrático, quer no governo avançado nas sociedades industriais avançadas onde constata as ameaças de natureza endógena consubstanciadas na insatisfação e desafeição dos cidadãos face ao sistema político; no segundo aborda o significado político "polissémico e discutível" de democracia quer quanto aos seus valores e ideais de como a igualdade e liberdade, quer quanto às normas e procedimentos institucionais inerentes, destacando o conceito de "poliarquia" teorizado por Robert Dahl em 1972; no terceiro define o conceito de qualidade da democracia e relaciona-o com o do apoio popular a este regime; no quarto procura avaliar se há uma crise de legitimidade da democracia em Portugal; no quinto avalia através dos factos o nível de satisfação dos cidadãos com o funcionamento da democracia em Portugal; no sexto e último capítulo analisa aprofundadamente o grau de confiança dos portugueses com as principais instituições democráticas e a classe política em geral, numa perspectivas comparativa.
 
(acerca do ensaio: Qualidade da Democracia em Portugal de Conceição Pequito Teixeira)
 
 
A criança doente, 1886, Edvard  Munch
 
 
Peniche, 21 de Abril de 2018
António J.R. Barreto


sexta-feira, 13 de abril de 2018

Discutir a Democracia

      "Dada a pluralidade de democracias existentes, resultantes das sucessivas vagas de democratização, o que está hoje em causa  na agenda da Ciência Politica vai muito além do reconhecimento da importância da legitimidade em termos meramente formais, procurando antes aferir - e até mensurar - em que medida as democracias contemporâneas não só asseguram a tradução prática das normas e das instituições próprias do Estado de Direito Democrático (entendidas como the only game in town), mas igualmente saber se estas podem ou não ser classificadas como "democracias de qualidade" ou "boas democracias".

(Conceição Pequito Teixeira, Qualidade da Democracia em Portugal)

   Não há "democracia", há "democracias" e estas devem estudar-se, avaliar.se e aperfeiçoar-se. A grande questão que se coloca é a de saber se estas têm mecanismos adequados para o efeito ou estão condenadas à decadência e anarquia.


 Edvard Munch, Madonna (1894, 1895)
Peniche, 13 de Abril de 2018
Antonio J..R. Barreto

quarta-feira, 11 de abril de 2018

As ideias de Platão

   Folheando, há dias, uma velha enciclopédia  de História Universal do Circulo de Leitores, encontrei, na secção dedicada ao Mediterrâneo - enquanto centro de irradiação de cultura -, esta "pérola": "Platão, criador da doutrina das ideias inatas, preveniu, de forma muito parecida à formulada pelos críticos atuais - na sua República - contra a nefasta ambição de poder, que, ou conduz a um absolutismo organizado ou à anarquia."
 
   É que me parece que "a nefasta ambição de poder" caracteriza o regime político atual em Portugal em detrimento da missão pública. Ou seja; se nenhum de nós está enganado, isto vai dar para o torto. Ou já deu?
 
 
 
 
Peniche, 11 de Abril de 2018
António Barreto

domingo, 8 de abril de 2018

Qualidade da Democracia em Portugal (Conceição Pequito Teixeira, uma edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos)

   A fundação Francisco Manuel dos Santos merece um elogio público pelo magnífico trabalho que tem desenvolvido no estudo da sociedade atual, convocando especialistas dos vários setores, promovendo múltiplos debates e publicando os correspondentes trabalhos em livros de grande qualidade e preço diminuto. É o caso deste ensaio de Conceição Pequito - professora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa -, acerca da qualidade da Democracia lusa; uma análise sistemática e fundamentada das vicissitudes do regime político atual que deixa pistas de evolução da sua qualidade. Ainda há pouco vi por aí uma frase de José Saramago na qual diz que " a democracia não se discute". Mas não é verdade; a democracia tem que se discutir, é um processo evolutivo; seja quanto à sua estrutura formal, na construção de um sistema de "pesos e contrapesos" dissuasor das inevitáveis tentações totalitárias e definidor de práticas institucionais de responsabilização, seja quanto à sua capacidade de suscitar a dinâmica de escrutínio contínuo dos cidadãos através de organizações espontâneas, livres e representativas. Apesar de prevalecer a ideia de vivermos uma democracia em estado avançado e imutável, a verdade é que, perante as vicissitudes visíveis, alguns intelectuais preocupam-se seriamente com o tema. O Manifesto por Uma Democracia de Qualidade, promovido pelo Dr. José Ribeiro e Castro, que concita apoios consideráveis, reconhece o problema e propõe alterações no sistema eleitoral de forma a melhorar a representação dos cidadãos, acabando com o monopólio da representação partidária.Outros académicos, em países de democracias avançadas têm estudado e publicado os seus trabalhos sobre o tema. António Costa Pinto, Pedro Luís de Sousa e Ekaterina Gorbunova publicaram também a obra "Qualidade da Democracia; a perspectivas dos cidadãos", cujo conteúdo, por enquanto, desconheço. É tempo, pois, de massificar a discussão da democracia. Publicarei alguns extratos da obra de Conceição Pequito convidando os interessados a lê-la e estudá-la.
 
"....de tal forma que um Estado é legítimo se existe um consenso entre os membros da comunidade política para se aceitar a autoridade vigente. Sócrates, ao considerar a sua sentença injusta, mas ainda assim legítima, nada mais faz do que salientar a importância de o poder daqueles que o julgam e o sentenciam à morte, assentar no reconhecimento por parte dos atenienses das leis vigentes na sociedade-estado, pressupondo como tal, a sua obediência consentida."
 
(Conceição Pequito, Qualidade da Democracia em Portugal)
 
 

Ameaças às democracias

   "Aristóteles alertou-nos há muito tempo para o facto de "a tirania também poder transformar-se em tirania". Não faltam exemplos históricos - em França (os Jacobinos e Napoleão), na Rússia (os bolcheviques), no Irão (o Aiatola), na Birmânia (o SLORC) e em muitas outras partes do mundo - que demonstram que a queda de um regime opressivo é encarado por certos grupos e indivíduos como mera oportunidade para eles se tornarem em novos senhores. Os motivos podem variar, mas os resultados,  muitas vezes, são idênticos. A nova ditadura pode ser mesmo mais cruel e absolutista que a anterior."
 
(Gene Sharp, da Ditadura à Democracia)
 
 
Há sinais disso na democracia portuguesa, excessivamente governamentalizada. Paradoxalmente, os partidos políticos demonstram reduzida cultura democrática; fecham-se à sociedade e dificultam ou inviabilizam a renovação interna.
 
 
 (Edvard Munch, Operários a caminho de casa)

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Da ditadura à ditadura

   Em ditadura, a população e as instituições civis são demasiado fracas, enquanto o governo é demasiado forte. Se este desequilíbrio não se alterar, um novo conjunto de governantes poderá, se o desejar, ser tão ditatorial como o anterior.
 
(Gene Sharp, Da Ditadura à Democracia)
 
 
 
Trabalhadores na Neve, Edvard Munch, 1913