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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Grândola, a falsa metáfora..

 
 
(Prec)
 
Grândola vila morena
Terra da fraternidade
O Povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
 
Dentro de ti, ó cidade
O Povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola vila morena
 
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade 

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O Povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
 
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
 
 
   Grândola, vila morena; uma utopia, para um golpe de Estado com causas de natureza corporativa apadrinhado por altos dignitários dissidentes da estratégia seguida na guerra ultramarina e tomado pela teia comunista que infiltrava as forças armadas ao mais alto nível e que lhe atribuiu a falsa chancela de revolução popular. Tratou-se de uma senha  usada pelos operacionais do golpe de Estado para despoletar o início da ação mas também com a mensagem de um novo desígnio para a sociedade portuguesa. Os acontecimentos subsequentes ao 25 de Abril mostraram a imprudência dos "revoltosos" consubstanciada na ausência de um projeto para o país de que resultou uma entropia social dominada, até ao 25 de Novembro de 1975, pela única entidade ideologicamente consistente e operacionalmente estruturada, o Partido Comunista Português; uma espécie de delegação da união soviética  em Portugal que generosamente o financiava em troca de lealdade à sua causa.
 
   Passados 44 anos, o resultado não é bonito; um país empobrecido e sobre-endividado,  apesar das generosas ajudas externas, demograficamente decadente, vítima da crescente repressão económica  e fiscal do Estado cujas estruturas foram tomadas pelos diretórios partidários e usadas em benefícios das respetivas clientelas, onde os cidadãos morrem por falta de cuidados médicos ou por incapacidade dos meios de segurança, vêm o produto do seu trabalho destruído pela corrupção que grassa no sistema financeiro, assistem impotentes à promiscuidade entre este e a classe política e à incapacidade do sistema judicial garantir o Estado de Direito, temem diariamente pelos seus postos de trabalho sentindo-se compelidos à emigração e à precariedade das relações familiares e vêm o mérito do seu trabalho honrado preterido pelo vínculo partidário. Um país cuja independência foi posta em causa, sem qualquer tipo de remorso dos seus fautores, alegremente condenado à irrelevância na cena internacional, dissolvido numa europa prepotente pretensamente solidária. Uma nação quase milenar onde se cantam loas à libertação dos povos das ex-colónias apesar de submetidos a uma abjeta miséria e violência por parte das novas oligarquias que ostentam impunemente a opulência resultante da apropriação dos recursos endógenos, num simulacro de democracia hipocritamente legitimada.
 
   Grândola, vila Morena, terra da fraternidade:
 
   Nunca houve tanto ódio na sociedade portuguesa, induzido pelo radicalismo partidário na sua insana disputa pelo poder, potenciando as disputas sociais ao ponto de se ter estabelecido um clima de guerra civil cada vez mais perceptível.
 
   Grândola, vila morena, o povo é quem mais ordena:
 
   Não. Quem mais ordena são os diretórios partidários. O país foi dotado de mecanismos democráticos numa estrutura semipresidencialista verificando-se que, apesar da formal separação de poderes, todos os órgãos de soberania são, de uma forma ou de outra, controlados pelos partidos; desde logo ao nível do parlamento onde os representantes dos eleitores são escolhidos pelas cúpulas partidárias desvirtuando o princípio da representação da soberania popular e prejudicando o a ação fiscalizadora dos Governos pelo Parlamento. Já ao nível da Presidência da República, órgão de maior legitimidade democrática, apartidário, cujos titulares, sendo eleitos por sufrágio direto e universal, com exceção do General Ramalho Eanes, são provenientes das fileiras partidárias após um hipócrita período de nojo, acabando por refletir na sua ação as políticas do respetivo vínculo ideológico, destruindo o requisito da equidistância próprio da função e contribuindo para o agravamento das tensões sociais. Quanto ao terceiro pilar da soberania, a Justiça, apesar da garantia constitucional de independência e do Estado de Direito, não tem resistido aos episódios de infiltração pelo sistema partidário, formatando a constituição dos seus órgãos ou reformando o quadro legal conforme interesses particulares, mais ou menos implícitos. Desta forma, o designado sistema de pesos e contrapesos, próprio das democracias idóneas, fica comprometido, tal como a prestação de contas, reduzindo à marginalidade as "ordens do Povo" e concentrando o poder nos partidos, os principais beneficiários da liberdade.
 
   Grândola, vila morena, em cada esquina um amigo:
 
   Não. Não em cada esquina. Hoje, a amizade está, em geral, subordinada aos interesses pessoais. Uma consequência da concentração demográfica nas grandes cidades, onde as pessoas vivem sós, apesar de fisicamente próximas, e do esvaziamento do interior onde tinham nome e rosto.
 
   Grândola, vila morena, em cada rosto igualdade:
 
   Não. Sim perante Deus, mas tal nada tem a ver com a democracia. Sim perante a Lei, mas apenas formalmente; na prática a generalidade dos cidadãos não tem acesso à Justiça, por ser dispendiosa ou demasiado tortuosa ou, simplesmente, incompreensível. Ao nível social, constituindo um dos grandes paradoxos do regime democrático, agravaram-se os preconceitos, associando-se a dignidade de cada um ao respetivo grau académico e estrato social, em vez de à sua condição humana intrínseca.
 
   Grândola, vila morena, à sombra duma azinheira que já não sabia a idade:
 
   Uma alusão à consciência de liberdade inerente ao Homem, que temos muita dificuldade em reconhecer nos dias de hoje à generalidade dos cidadãos graças à teia de imposições "democraticamente" estabelecidas, que os tornam cada vez menos livres e mais dependentes de um regime carente de legitimidade.
 
   Não era esta a utopia de Abril.
 
Peniche, 25 de Abril de 2018
 
António J.R.Barreto

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