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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Falsas personagens

 
 
    
 
   "Eu e os Políticos", de José António Saraiva (Gradiva), longe de ser o livro de mexericos  que se temia, constitui uma preciosa ajuda, ainda que restrita, para a desconstrução de algumas personagens que "o sistema" tem "vendido" aos cidadãos. Esta camuflagem tem sido perpetrada ao longo de várias décadas com a cumplicidade da generalidade dos meios de comunicação social e contribuiu para a materialização de vários equívocos com reflexo na (in)sanidade democrática.
 
   Trata-se de confidências relativamente a alguns episódios que o autor viveu com personalidades diversas, algumas de grande proeminência política, e que, no termo da sua carreira no jornalismo, entendeu, a título de dívida de consciência, partilhar com o público.
 
   Entre outros, há episódios com Álvaro Cunhal, Cavaco Silva, António Costa, António Guterres, Ramalho Eanes, Freitas do Amaral, Duarte Lima, Pinto Balsemão, Medina Carreira, Jardim Gonçalves, Jorge Sampaio, Durão Barroso, José Sócrates, Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, Manuel Maria Carrilho, Marcelo Rebelo de Sousa, Margarida Marante, Mário Soares, Miguel Portas, Paulo Portas, Passos Coelho, Santana Lopes e Vitor Constâncio.
 
   Relativamente a José Sócrates, respigo: "Na época eu conhecia mal Sócrates. Se o conhecesse melhor, saberia que nele não há qualquer distinção entre a verdade e a mentira. Diz em cada momento, com o maior à-vontade, aquilo que lhe convém dizer."
   Isto é demolidor para o regime como um todo! Como é possível que tal personagem tenha passado pelo crivo do seu partido, do dos restantes partidos, do da comunicação social em geral, do da Assembleia da República, do da Presidência da República e do do Poder Judicial, acabando por conduzir o país à pré-insolvência, lançando o pânico na comunicação social, com suspeitas cada vez mais sólidas de envolvimento em atos ilícitos, cometidos no desempenho do alto cargo que ocupou? E como pode o cidadão comum confiar num regime que tal consente? Não é este um sinal de promiscuidade geral e de subordinação da Nação a interesses partidários e particulares?
 
   Do capítulo reservado a Álvaro Cunhal; "Depois de Cunhal voltar a Portugal, a seguir ao 25 de Abril, a minha tia Natália decide dizer-lhe isto. ...ela conta-lhe o que se passara (a pedido de Avelino Cunhal, pai de Álvaro Cunhal, de quem o seu marido tinha sido amigo, atirou-lhe um punhado de terra sobre o caixão em nome do filho ausente). Cunhal escuta-a em silêncio e no fim diz: "Foi a coisa mais bonita que ouvi nos últimos 10 anos". E rolam-lhe as lágrimas pela face... Uma faceta que Cunhal e os comunistas em geral procuram esconder, apresentando-se como se fossem destituídos de afeto, prontos para todos os sacrifícios pela causa marxista.
 
   De António Guterres, refere a sua "grande descoberta": que a maior parte dos problemas se resolvem por si sós.
 
   De Jorge Sampaio refere a sua estratégia de "manter a bola a bater" no tratamento dos assuntos mais complicados.
 
   De Mário Soares refere o seu testemunho quanto a algumas "brincadeiras" que vão acontecendo lá por Bruxelas e Estrasburgo, no âmbito das instituições da União Europeia, nas costas dos "patos" dos cidadãos.
 
   Vale a pena referir a visão de Jardim Gonçalves quanto necessidade de manutenção em mãos nacionais os centros de poder das grandes empresas, considerando que tal propicia um conhecimento mais detalhado e seguro da realidade local. Ora, eis, quanto a mim, uma patetice inesperada! Como tem vindo a ser comprovado nos últimos anos, essa é precisamente a causa da fragilidade do sistema bancário português. Essa promiscuidade que dispensa a racionalidade é provocada, precisamente, pelo conhecimento pessoal. Quem diria.
 
   Refere o formalismo de Cavaco Silva, a seriedade de Ramalho Eanes e de Passos Coelho, a leviandade de Santana Lopes e de Marcelo Rebelo de Sousa, a dimensão cultural de Miguel Portas, a homossexualidade de Paulo Portas, a imprudência de Fernanda Câncio, as dúvidas de Durão Barroso, a frieza de Duarte Lima, a competência, ambição e angústia de Ernâni Lopes, o deslizamento para a esquerda de Freitas do Amaral, o paradoxo de Hélder Bataglia, a estupefação pela inconsequência de Medina Carreira, a crispação de Vitor Constâncio e o domínio da ideologia socialista na comunicação social nacional.
 
   Enfim; uma escrita simples, eficaz, que nunca me pareceu guiada pelo doentio voyeurismo, duma obra em que o poder de influência dos grandes jornalistas sobre personalidades públicas e sobre a política nacional fica bem demonstrado, não fosse o jornalismo tido por muitos como o quarto poder, ou até o primeiro.        

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