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segunda-feira, 7 de março de 2016

Cultura da morte

      Quando, ainda no Governo de Sócrates foi lançado o tema do Testamento Vital, era óbvio que, tal, constituía a introdução ao tema da eutanásia. Pela mão da esquerda. A tal da "injeção atrás da orelha". Veio há dias à liça a bastonária dos enfermeiros afirmar ter presenciado casos em que o assunto terá sido abordado em hospitais onde prestava serviço. Parece que não se apercebeu da gravidade do que estava a dizer, ou julga que ela e a sua corporação estão acima da lei, como, infelizmente, acontece a muitos nesta incipiente democracia. Afinal parece que a senhora bastonária pretendia mostrar que a despenalização da eutanásia nada mais é do que a descriminalização de uma prática corrente no Serviço Nacional de Saúde. É uma suspeita que atormenta muitos dos que tiveram a infelicidade de passar pelos hospitais nacionais. Ainda há demasiado secretismo nos diagnósticos e terapêuticas e os serviços de inspeção carecem de independência e capacidade para enfrentar a fortíssima corporação médica. Sustenta-se a ideia com a proteção da dignidade na morte e o exemplo de outros países. Conhecem-se casos dramáticos onde a morte assistida parece ter constituído um ato piedoso, um imperativo de consciência. Porém há numa perspetiva mais radical de olhar o tema; as sociedades ocidentais, em particular a portuguesa, em prolongada decadência,  incapazes de lidar com a tragédia demográfica e depois de terem banalizado o aborto, com os hospitais a abarrotar e com défices crónicos, tratam de criar as condições necessárias para se livrarem dos velhos sem constrangimentos legais, nem, pelos vistos, de consciência. A moral cristã, principal alavanca do progresso das sociedades a ocidente, apesar de toda a trágica influência do catolicismo, até, pelo menos, ao Concílio de Trento, parece cada vez mais diluída num crescente egocentrismo coletivo que chega a recordar a célebre Sodoma; a grande metáfora do hedonismo.
 
   Tal como no caso do aborto em que o novo ser é irrelevante para quem decide, também na eutanásia serão os burocratas do Serviço Nacional de Saúde que decidirão sobre a morte de quem quer que seja, em função da sua viabilidade económica. Os mesmos burocratas que reivindicam privilégios que negam aos outros e que agora pretendem criar condições para os liquidar, pela simples razão de que lhes dão demasiado trabalho e consomem os recursos de que carecem as suas vidas flauteadas. Uma civilização que cultiva a morte em vez da vida. Se o argumento é o do sofrimento sem cura e se o sofrimento é, em última instância, psicológico, então, poderão começar a matar todos os que sofrem por não ter com que sustentar-se e às suas famílias. Os desempregados. Os sem abrigo. E por aí adiante. Afinal, o Estado de Direito serve a quem, senão aos que o dominam e controlam? Trata-se afinal, de uma nova forma de barbárie, uma barbárie paradoxal, porque aparentemente civilizada; não se mata dignamente, em luta,  na selva, na montanha, no mar ou na planície, mata-se covardemente na sombra e no silêncio dos hospitais às mãos dos novos senhores.

Vai mal!
 
(Salvador Dali, Metamorfose)