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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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domingo, 29 de novembro de 2020

USA - Eleições 2020 (I)

Introdução  

   Sete dias depois do ato eleitoral a contagem de votos aproxima-se do fim com a vitória do candidato democrata Joe Biden a definir-se com clareza, a despeito das múltiplas denúncias de irregularidades por parte do seu oponente que levaram à recontagem de votos nalguns Estados.

   A falta de envolvimento direto na realidade social, económica e política americana, se, por um lado, relativiza a credibilidade das conclusões de quem se encontra nessa condição - o meu caso -, por outro, confere-lhe a descontaminação que o distanciamento proporciona.

   Em todo o processo definiram-se contornos de natureza política e social comuns a muitos países democráticos.

Um país dividido

   Que me recorde esta divisão já ocorria por ocasião da eleição do 43º Presidente dos EUA, em que George W. Bush ganhou a Al Gore por “uma unha negra”, repetiu-se na eleição de D. Trump contra Hillary Clinton e agora entre Joe Biden e D. Trump.

   Estão em confronto duas realidades sociais e económicas distintas; a das populações dos grandes centros urbanos, qualificada, da economia dos serviços, intelectual, ateia ou pagã, próxima dos centros de poder, e progressista, e a do país profundo, rural, artesão, cristão, distante dos centros de poder, e conservador. Algo semelhante ocorre, por exemplo, em Portugal, Espanha, França, Reino Unido, etc. Diz-nos a história, que, em geral, é a “canalha das cidades” que define os ciclos políticos. Portugal é disso exemplo, nomeadamente, em 1383-1385, em 1640 e em 1910.

   É neste contexto que se compreende a importância do fenómeno da imigração maciça que tem ocorrido nos últimos tempos. Apoiados incondicionalmente pelos democratas é natural e inevitável a sua preferência por este partido tendo em conta a estratégia de controlo dos fluxos migratórios pelos republicanos e a natureza do regime político dos respetivos países de origem de matriz política maioritariamente socialista ou afim. É por esta razão que me parece que o que subjaz à tomada de posição partidária relativamente à imigração são razões eminentemente eleitorais e não humanitárias. A imigração parece estar a ser fomentada e usada com o propósito de reconfigurar socialmente os EUA, o que ocorre também na Europa.

Desconfiança eleitoral

   As denúncias de irregularidades neste ato eleitoral são persistentes e abundantes tal como ocorreu em eleições anteriores. Numa democracia que é o referencial em todo o mundo livre a repetida entropia à volta do ato eleitoral degrada a sua legitimidade. A relutância de D. Trump em aceitar a derrota radica não só, em alegados testemunhos de irregularidades mas sobretudo no ressentimento provocado pela postura dos democratas em todo o mandato anterior caracterizada por insistentes suspeitas de manipulação eleitoral em seu benefício e com a ameaça de impeachment sempre pendente. Quando, num ato eleitoral, sucessivamente, o derrotado não reconhece a derrota, é a própria democracia que se degrada, neste caso, americana. Não tardará a contaminar todas as outras. Uma nova idade das trevas pode estar no horizonte, vislumbrando-se alguns dos seus contornos.

Peniche, 29 de Novembro de 2020

António Barreto

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Jaime Neves e o 25 de Novembro

 

Jaime Neves e o 25 de Novembro

     
   Eanes, o homem que gosta das pessoas e suscita lealdades, é o chefe do Comando Operacional do 25 de Novembro. Neves é o chefe operacional.

      Graças ao DL 577-A/75, do Governo de Pinheiro de Azevedo, Jaime Neves integrou no Regimento de Comandos da Amadora (RCA), onde predominam oficiais do curso de 53/57 da Academia Militar, cerca de 300 veteranos constituindo duas companhias; uma sob comando de Sousa Gonçalves - da 2ªCCMDS - a outra comandada por Sampaio Faria - da 3ª CCMDS. Na reserva ficaram outras duas.
      Concentrando o ódio da esquerda totalitária, em especial do MRPP, o RCA é alvo de ataques da RTP e da EN bem como de frequentes manifestações junto ao quartel, chegando a Somague a tentar impedir a saída de viaturas. Militarmente isolados na grande Lisboa, o RCA conta com o apoio de ex-comandos fortemente organizados e espalhados pelo país, bem como do apoio político de Pires Veloso, do Cónego Melo, do Partido Socialista e da Igreja. No plano operacional, o RCA conta com quatro companhias no Norte; Braga, Vila Real, Lamego e Porto; duas do Centro e o Regimento de Cavalaria de Estremoz - o regimento de Spínola. O maior apoio porém é o que sentem por parte da designada maioria silenciosa.
      A Ordem de Operações, uma guerra civil, segundo o seu autor, Ramalho Eanes, é apresentada por este, acompanhado por Rocha Vieira, ao General Costa Gomes. Na ausência de Eanes, a planeada distribuição de armas é efetuada principalmente ao Partido Socialista através de Edmundo Pedro e Manuel Alegre por Galvão de Figueiredo, sob ordem de Tomé Pinto, tendo Eanes assumido a responsabilidade enquanto chefe do Comando Operacional.
      Os principais objetivos dos militares democratas são; o quartel da força aérea de Monsanto, a Polícia Militar e outros na calçada da ajuda, o COPCON no Forte do Alto Duque em Belém, e os paraquedistas de Tancos. A unidade de Monsanto não ofereceu resistência aos homens de Neves. Foi na Calçada da Ajuda que os cerca de trezentos comandos, agrupados em três companhias, enfrentam mais de dois mil militares; a de Jaime Neves, acabado de ser promovido a tenente-coronel, que sobe a calçada de chaimite, a 113ª do capitão Manuel Apolinário, que entra na calçada pelo lado esquerdo, e a 112ª do capitão António Lourenço, que desce a calçada.
      Pelas oito horas do dia 26 de Novembro, a chaimite de Neves, onde vão Ribeiro da Fonseca, Arnaldo Cruz e Vitor Ribeiro, inicia a progressão na Calçada da Ajuda, rebentando subitamente sobre ela uma trovoada de tiros vindos de todos os lados; do quartel e das casas particulares à esquerda. Há confusão de gritos, tiros e correrias, Neves, com meio corpo de fora da viatura, via rádio, dá ordens aos seus homens para não responderem ao fogo. José Eduardo Oliveira Coimbra vindo do cimo da calçada com a 112ª é atingido em cheio na crossa da aorta, acabando por morrer no Hospital Militar de Infectocontagiosas. Na CCMDS 113ª o furriel Joaquim dos Santos Pires é morto pelo fogo de metralhadora proveniente do Regimento de Cavalaria 7, frente ao quartel da Polícia Militar. Obedecendo à ordem de contenção, os comandos cercam o quartel da PM conseguindo posição de domínio. Do lado contrário é morto o aspirante Ascenso Bagagem. Neves avança de chaimite e derruba o portão de Lanceiros 2, tomando o quartel sem um tiro. Na frente da formatura na parada dos militares derrotados ordenada por Jaime Neves está Mário Tomé, que revelou honra na derrota. Quanto ao comandante da unidade, que revelara grande bravura na Guiné, ter-se-á refugiado debaixo de uma secretária, segundo Tomé. Ás três horas termina a operação, seguindo-se a passagem de passaportes aos militares derrotados, tendo ficado no comando do quartel da Polícia Militar, o bracarense Jaime Abreu Cardoso, figura lendária entre os comandos.
      Ao terceiro dia, a 112ª Companhia de Comandos cerca o Forte do Alto do Duque com o objetivo de prender Otelo e todo o Copcon. Mas foi Eanes que, surgindo com um grupo armado, levou Otelo, recusando-se a prendê-lo, contrariamente à exigência deste. No quartel apenas havia alguns fuzileiros, que incitavam à acção, e alguns oficiais. 
     
A maior preocupação porém era com a sublevada tropa especial de paraquedistas de Tancos, liderados pelo major Mascarenhas Pessoa, dos quais se esperava forte reação. Tal não viria a ocorrer graças a uma inteligente manobra administrativa do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, general graduado Morais e Silva que proíbe o fornecimento de alimentação, atribuição de verbas e qualquer tipo de apoio aos militares sublevados, desmoralizando-os, até porque boa parte deles são instruendos. A recusa de apoio aos paraquedistas por parte de Heitor Almendra, a alma mater dos paras, conterrâneo e amigo de Neves, acabado de regressar de Angola com centenas de paraquedistas, que despreza Mascarenhas pessoa, desativaria em definitivo a sublevação dos boinas verdes.

      Ao fim de quatro dias, os principais suportes militares do PREC estão dominados e Jaime Neves, com os pés em chaga, pode então descalçar as botas e caminhar para a posteridade.
      Para Jaime Neves, o 25 de Novembro foi um contragolpe na extrema-esquerda e nos comunistas de Cunhal. Porém, a fragilidade de oposição do PCP alimenta a suposição de que a principal intenção de Cunhal, Pato, Lourenço e companhia, consistia na entrega das províncias ultramarinas à órbita soviética através do “internacionalismo proletário”. Angola, com as manobras de Rosa Coutinho, a independência e o MPLA no poder duas semanas antes do 25 de Novembro parece comprová-lo.
     
Duas das consequências do 25 de Novembro foram o fim da oclocracia e a eleição de Ramalho Eanes para a Presidência da República; o primeiro democraticamente eleito, com o apoio de Jaime Neves, que participa na sua campanha. Este não tem apetência pela atividade política e recusa-a, considerando os políticos, tal como Torga - seu conterrâneo - “papagaios insinceros”. Confia na intransigência da defesa da democracia do seu amigo e camarada Eanes, cujo caráter conhece, por isso o apoia.


      Formalmente, é o “Documento dos Nove”, elaborado por Melo Antunes, considerado por Ramalho Eanes e muitos outros “ o pai da Democracia em Portugal” que põe termo ao PREC. Um documento que evita a aniquilação do PCP constituindo simultaneamente um aviso à extrema-direita. Jaime Neves, contrariamente ao que foi difundido, não quer “dar cabo” do PCP nem da Intersindical, não se coibindo porém de criticar ambos. Apesar de tudo, Neves não está satisfeito; quer deitar a mão aos lideres do PREC e “no mínimo, expulsá-los de Portugal”, nunca, encostá-los ao “paredón”.
     
Efetuadas as comoventes honras militares aos falecidos furriel Pires e tenente Coimbra, os seus funerais são sentidos pelo Povo. No de José Coimbra, tripeiro da rua de Santo Ildefonso, milhares de pessoas inundaram a ponte D. Luis, que parece ter tremido com a carga humana. Jaime Neves fica com a sua kalashnikof.

Sintetizado de "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Ela entrou como um pássaro no museu de memórias

 

Ela entrou como um pássaro no museu de memórias
E no mosaico em preto e branco pôs-se a brincar de dança.
Não soube se era um anjo, seus braços magros
Eram muito brancos para serem asas, mas voava.
Tinha cabelos inesquecíveis, assim como um nicho barroco
Onde repousasse uma face de santa de talha inacabada.
Seus olhos pesavam-lhe, mas não era modéstia
Era medo de ser amada; vinha de preto
A boca como uma marca do beijo na face pálida.
Reclinado; nem tive tempo de a achar bela, já a amava.

            Vinícius de Morais

Peniche, 16 de Novembro de 2020

António Barreto 


 

 

domingo, 8 de novembro de 2020

Lex Barker

 

Lex Barker nasceu em 1919 na povoação de Rye, em Westchester County - a cerca de 50 Km de Nova Iorque - à época Com cerca de 5 mil habitantes -, onde seus pais, construtores bem sucedidos, tinham uma segunda habitação.

Lex Barker


Contrariando a vontade dos progenitores, Lex desde muito jovem quis ser ator. Depois de uma pequena experiência na escola e no teatro de Mount Kisco - povoação próxima de Rye -, foi na cidade natal que, aos 17 anos, teve a primeira experiência séria, no Teatro de Verão, ao lado de Vincent Price e da estrela, de origem russa, Eugenie Leontovich. Apesar de desanimado com a experiência decidiu dedicar-se à profissão de ator após novo papel na peça Anna Christie no teatro da cidade vizinha de Westport County. Não muito longe dali, no rio Hudson, o seu destino estava escrito.

Depois de desempenhar pequenos papéis em filmes de grande qualidade, como “The Farmer’s Daughter” e “Crossfire”, ambos realizados em 1947, Lex Barker foi bafejado pela sorte - comum a muitos grandes atores -, ao ser escolhido pelo produtor Sol Lesser, entre uma multidão de candidatos, para sucessor do lendário Johnn Weissemmuller na representação do personagem criado por Edgar Rice Borroughs, o célebre Tarzan. O seu porte atlético - cerca de 1,90 de altura -, gerou unanimidade na escolha, autor incluído. Na verdade havia algo mais que aproximava Lex Barker do personagem de Borroughs. De origem hispano-britânica, descendente de Roger Williams - fundador da cidade de Providence e cofundador da colónia de Rhode Island, e de William Henry Crichlow, histórico governador-geral de Barbados ainda no tempo dos piratas, Lex Barker tinha o charme apropriado às nobres origens do rei da selva.

Em 1939 Lex Barker entra na peça “The Five Kings”, realizada por Orson Wells na Broadway. É recrutado como soldado raso de infantaria para a 2ª GM. Regressou em 1945 no posto de Major - o mais jovem das Forças Armadas Americanas - altamente condecorado e com uma placa de platina na zona da têmpora em consequência dum grave ferimento de guerra. No mesmo ano retomou a sua carreira participando no filme Doll Face.

Em 1949 iniciou a sua saga na pele de Tarzan com o filme “Tarzan Magic’s Fountain”, que se revelou um sucesso junto do público, da crítica e, consequentemente económico. Seguiram-se “Tarzan and The Slave Girl”, em 1950 e “Tarzan’s Peril”, em 1951, o primeiro realizado na selva africana. Porém, Lex Barker, cansado de ser visto como “o homem da selva”, aspirava a papéis onde pudesse exprimir todas as suas qualidades de ator.  

Em 1952 entra num pequeno filme “Battles of Chief Pontiac”, um western de fraca audiência. “Tarzan and the She-Devil”, realizado em 1953, foi o seu último filme desta série e um grande sucesso de bilheteira. No mesmo ano prossegue no género western com “Thunder Over the Plains” e “The Yellow Mountain”, em 1954, um policial, “The Man From Bitter Ridge”, em 1955, e um drama naval “Away All Boats”, em 1956, com os quais granjeou aclamação geral. Seguiram-se, em 1957, “The Girl in Black Stockings” e “The DeearsLeyer”, com os quais terminou o ciclo Hollywood.

Falando fluentemente francês, italiano e espanhol, Lex Barker partiu para uma carreira na Europa chegando a Itália, onde estavam na moda os filmes de aventuras, género em que se se sentia à vontade. Em 1959 a sua carreira sofreu um novo impulso com o convite de Frederico Fellini para integrar o elenco de “La Dolce Vita”, onde contracenou com Marcello MastroianniAnita Ekberg e outras estrelas da época.

Nova viragem ocorreu na sua carreira quando, pela mão do produtor Artur Brauner, fez uma incursão no cinema alemão, desempenhando o papel de Joe Como - agente do F.B.I. destacado para combater o infame Dr. Mabuse -, nos filmes de suspense “Return of Dr Mabuse”, em 1961, e “Invisible Dr Mabuse”, em 1962. Com “Frauenarzt Dr. Sibelius “ e “Old Shatterhand “, realizados ainda em 1962, Lex Barker atingiu o estrelato também na Europa.

A sua popularidade, em declínio na América, rapidamente ultrapassou, na Europa, a das superestrelas John Wayne e Clint Eastwood, ao integrar as superproduções do jovem Horst Wendlandt alusivas ao tema do Oeste Selvagem, superando todos os recordes de bilheteira e abrindo caminho às grandes produções de Sergio Leone.

Cerca de 12 filmes, baseados nas novelas de Karl May, protagonizou nesta fase, tendo como pano de fundo, o Oeste, o México e o Oriente, onde desempenhou as personagens de, respetivamente, “The Olde Shatterhand”, “Dr. Sternau” e “Kara Bem Nemsi”.  Os filmes “The Treasure Of Silver Lake”, em 1962, e “Apache Gold”, em 1963, serviram de referência para o cinema do género. Os locais das filmagens, Croácia e Espanha, constituíram uma vantagem por propiciarem uma atmosfera condizente com o teor da história.

O público ficou deliciado com o aparecimento de personagens índios em pé de igualdade com os pioneiros americanos em “Winnetou I”, em que o francês Pierre Brice, fez o papel da chefe Apache Winnetou, irmão de sangue de Lex Barker. A grande popularidade do tema do filme, “The Old Shatterhand” impulsionou o talentoso ator americano, em 1965, a gravar baladas românticas, género western, algumas delas compostas por Martin Boettcher.

A sua carreira prosseguiu por todo o mundo em grandes produções europeias com os filmes de Karl May. Desta fase os mais icónicos são “Code 7, Victim 5”, de 1964, onde faz o papel de um agente privado encarregado da investigação de uma série de homicídios na África do Sul, “Die Slowly, you'll enjoy it more”, em 1966, no papel de espião tipo James Bond em versão cómica; e  “Blood Demon”, em 1967, um filme de terror baseado no romance de Edgar Allan Poe “The Pit and the Pendulum”, rodado em autêntico ambiente medieval, com o “Drácula” Christopher Lee na pele de antagonista.

O simpático americano pôde ainda ser admirado como durão do Oeste em “A Place Called Glory, em 1965”, no qual decorre um interessante duelo de pistoleiros, e em “ La balada de Johnny Ringo”, em 1966, onde, por uma vez faz o papel de vilão. Em 1967, protagoniza, ao lado de Shirley McLaineAnita EkbergMichael Caine e outros,  “Woman Times Seven”, a única produção americana noa anos 60 com Lex Barker.

Com o advento dos filmes western e eróticos italianos então em voga, escassearam as propostas para Lex Barker. Tendo conseguido, na Europa, tudo o que havia para conquistar, o ator americano regressou a sua casa na Costa Brava, determinado a prosseguir a sua carreira em Hollywood e viver na sua América. As dificuldades porém superaram as suas espectativas. A sua atividade limitou-se à participação nalgumas séries televisivas como ator convidado em  “It Takes a Thief” e “The King of Thieves”. Os espetadores alemães puderam ainda vê-lo num sketch ao lado de Ron Ely, o novo Tarzan televisivo alemão.

Nos anos 70 a carreira de Lex Barker  prometia novo fôlego.  “"When you're with me", produzido na Alemanha em 1970, fora o seu ultimo filme. Novas produções na televisão e no cinema estavam “na calha”, com Lex Barker como protagonista. Porém, o destino tinha outros planos para o grande ator americano; Lex Barker, o ídolo das gerações dos anos 60 e 70, o grande Tarzan, morreu de ataque cardíaco em 11 de Maio de 1973 na avenida Lexington na sua Nova Iorque.

Lex Barker foi casado com, Constanze ThurlowArlene DahlLana TurnerIrene Labhardt, e Maria del Carmen 'Tita' Cervera. Teve dois filhos e uma filha e ficou imortalizado em 73 filmes.

Obrigado Lex Barker.

(Créditos a Marlies Bugmann)

Peniche 08 de Novembro de 2020

António Barreto

domingo, 1 de novembro de 2020

Cinco míseros escudos

 



   Eh pá, se fores a terra não leves dinheiro! Quando eles topam assaltam a malta. Assim fiz; fui a terra sem um tostão no bolso! Uma das coisas mais estúpidas que fiz na minha vida marítima!

   Foi pelos idos de 73, teria aí uns 22 anos. O Uíge fazia a carreira Lisboa-Bissau-Lisboa. Transportava militares, nos dois sentidos. Uma missão algo deprimente. Especialmente deprimente quando alguns tripulantes aproveitavam para fazer um dinheirinho extra. A bordo vendiam-se relógios, rádios, sandes, sei lá mais o quê, aos jovens e ansiosos militares que viajavam nos porões atulhados. Daquela vez, não sei o motivo, o navio fez escala em Cabo Verde, salvo-o-erro no Mindelo.

   Admirador da música cabo-verdiana, do Bana, do Eugénio Tavares, do Fernando Queijas, do tom dolente e ritmo ondulado das mornas e da alegria vibrante das coladeras, tinha que a ouvir na fonte, nas tabernas, onde era tocada em modo livre - tipo “jam session" -, habitualmente em convívio de gerações que incluía instrumentos típicos como, rabeca, violino, viola, cavaquinho, clarinete, reco-reco e maracas, entre garrafas de vinho tinto e cachaça e alguma "bucha" para enganar a fome.

   Anoitecia quando o navio atracou. Anda tinha umas horas livres, três ou quatro antes do próximo quarto. E lá fui, à sorte, na direção da cidade, perguntando às poucas pessoas que ia encontrando, por uma tasca onde fosse possível ouvir música.

   Ao passar numa rua escura, ouvi os sons ténues do que parecia ser uma rabeca. Fui atrás deles. Encontrei a taberna. Entrei. Uma ténue luz amarelada difundia-se na pequena sala logo após a entrada, de portas escancaradas. Em frente o balcão com algumas garrafas e copos de vinho e cachaça. Taberneiro no seu posto, trapo ao ombro e olhar inquisidor. Uns quantos clientes, quatro ou cinco, estavam por ali, pacatamente, conversando e bebendo. De uma das salas do lado vinha um som meio fanhoso da tal rabeca e algo semelhante a maracas e reco-reco. Disseram-me que estava lá um certo fulano a tocar com miúdos “se calhar é uma espécie de escola, pensei”. Um dos presentes, um pouco mais velho que eu veio em minha direção. Conversámos. Não se podia entrar na sala donde vinha a música. Era o reservado! Pediu duas violas, mandou vir uma garrafa de vinho tinto, chamou dois colegas e fomos para uma salinha anexa, aberta.

   Eram bons de viola; sobrava-lhes tempo para aprender e tocar. Tal como a mim, afinal. Tocaram umas modas, várias; mornas e coladeras. A solo e em duo. Maravilhado com tudo aquilo, quando chegava a minha vez acompanhava-me nuns fadinhos, daqueles que todos os portugueses conhecem. Disseram que era bom. Quis acompanhá-los nas coladeras. Que não, que não dava. Que não sabia. Era verdade; não é fácil fazer os baixos bamboleantes da morna e os arpejos ritmados da coladera. Pelo meio, íamos bebendo uns tintos, entusiasmados com a tertúlia. “Este é que era bom para tocar connosco”. Ouvi entre a pequena multidão que se foi juntando. “Pois era, pensei, para mim era, mas…amanhã já cá não estou! Vamos a todo o lado e não estamos em parte nenhuma.”

   Chegada a hora - Foi até à última -, despedi-me e saí. Já na rua, percebi que era seguido. Voltei-me. Era o músico de quem tinha acabado de me despedir. Olhei para ele sob a luz mortiça que se escapava da porta da taberna. Era jovem, sim. Meio andrajoso, vestia algo parecido com zuarte, calças rasgadas nalguns sítios e…descalço! Descalço, meu Deus!

   Comovi-me. Tínhamos ficado amigos. Como era possível andar roto e descalço? Pediu-me cinco escudos para uma garrafa de vinho. Disse-lhe a verdade; não tinha! Insistiu dizendo que impedira um colega de me assaltar, de navalha. Voltei a dizer-lhe que não tinha e convidei-o a acompanhar-me a bordo. Dar-lhe-ia então, com todo o gosto, algum dinheiro. Não quis. Eu não tinha tempo de ir e voltar, estava a pé.

   Olhei-o mais uma vez, antes de retomar o caminho de regresso, triste e comovido, sentindo-me profundamente estúpido por ter acatado o conselho do meu camarada…até hoje. Ocorreu-me mais tarde que talvez tivesse aceitado a camisa, se lha tivesse oferecido. Soube muito tempo depois que, por essa altura, abatia-se sobre Cabo Verde a maior seca das décadas precedentes.

   Desapareceu na penumbra. Nem sequer recordo o seu nome. E se o soube, esqueci-me dele!

24 de Outubro de 2020

António Barreto