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Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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domingo, 25 de novembro de 2018

Jaime Neves e o 25 de Novembro


     
   Eanes, o homem que gosta das pessoas e suscita lealdades, é o chefe do Comando Operacional do 25 de Novembro. Neves é o chefe operacional.

      Graças ao DL 577-A/75, do Governo de Pinheiro de Azevedo, Jaime Neves integrou no Regimento de Comandos da Amadora (RCA), onde predominam oficiais do curso de 53/57 da Academia Militar, cerca de 300 veteranos constituindo duas companhias; uma sob comando de Sousa Gonçalves - da 2ªCCMDS - a outra comandada por Sampaio Faria - da 3ª CCMDS. Na reserva ficaram outras duas.
      Concentrando o ódio da esquerda totalitária, em especial do MRPP, o RCA é alvo de ataques da RTP e da EN bem como de frequentes manifestações junto ao quartel, chegando a Somague a tentar impedir a saída de viaturas. Militarmente isolados na grande Lisboa, o RCA conta com o apoio de ex-comandos fortemente organizados e espalhados pelo país, bem como do apoio político de Pires Veloso, do Cónego Melo, do Partido Socialista e da Igreja. No plano operacional, o RCA conta com quatro companhias no Norte; Braga, Vila Real, Lamego e Porto; duas do Centro e o Regimento de Cavalaria de Estremoz - o regimento de Spínola. O maior apoio porém é o que sentem por parte da designada maioria silenciosa.
      A Ordem de Operações, uma guerra civil, segundo o seu autor, Ramalho Eanes, é apresentada por este, acompanhado por Rocha Vieira, ao General Costa Gomes. Na ausência de Eanes, a planeada distribuição de armas é efetuada principalmente ao Partido Socialista através de Edmundo Pedro e Manuel Alegre por Galvão de Figueiredo, sob ordem de Tomé Pinto, tendo Eanes assumido a responsabilidade enquanto chefe do Comando Operacional.
      Os principais objetivos dos militares democratas são; o quartel da força aérea de Monsanto, a Polícia Militar e outros na calçada da ajuda, o COPCON no Forte do Alto Duque em Belém, e os paraquedistas de Tancos. A unidade de Monsanto não ofereceu resistência aos homens de Neves. Foi na Calçada da Ajuda que os cerca de trezentos comandos, agrupados em três companhias, enfrentam mais de dois mil militares; a de Jaime Neves, acabado de ser promovido a tenente-coronel, que sobe a calçada de chaimite, a 113ª do capitão Manuel Apolinário, que entra na calçada pelo lado esquerdo, e a 112ª do capitão António Lourenço, que desce a calçada.
      Pelas oito horas do dia 26 de Novembro, a chaimite de Neves, onde vão Ribeiro da Fonseca, Arnaldo Cruz e Vitor Ribeiro, inicia a progressão na Calçada da Ajuda, rebentando subitamente sobre ela uma trovoada de tiros vindos de todos os lados; do quartel e das casas particulares à esquerda. Há confusão de gritos, tiros e correrias, Neves, com meio corpo de fora da viatura, via rádio, dá ordens aos seus homens para não responderem ao fogo. José Eduardo Oliveira Coimbra vindo do cimo da calçada com a 112ª é atingido em cheio na crossa da aorta, acabando por morrer no Hospital Militar de Infectocontagiosas. Na CCMDS 113ª o furriel Joaquim dos Santos Pires é morto pelo fogo de metralhadora proveniente do Regimento de Cavalaria 7, frente ao quartel da Polícia Militar. Obedecendo à ordem de contenção, os comandos cercam o quartel da PM conseguindo posição de domínio. Do lado contrário é morto o aspirante Ascenso Bagagem. Neves avança de chaimite e derruba o portão de Lanceiros 2, tomando o quartel sem um tiro. Na frente da formatura na parada dos militares derrotados ordenada por Jaime Neves está Mário Tomé, que revelou honra na derrota. Quanto ao comandante da unidade, que revelara grande bravura na Guiné, ter-se-á refugiado debaixo de uma secretária, segundo Tomé. Ás três horas termina a operação, seguindo-se a passagem de passaportes aos militares derrotados, tendo ficado no comando do quartel da Polícia Militar, o bracarense Jaime Abreu Cardoso, figura lendária entre os comandos.
      Ao terceiro dia, a 112ª Companhia de Comandos cerca o Forte do Alto do Duque com o objetivo de prender Otelo e todo o Copcon. Mas foi Eanes que, surgindo com um grupo armado, levou Otelo, recusando-se a prendê-lo, contrariamente à exigência deste. No quartel apenas havia alguns fuzileiros, que incitavam à acção, e alguns oficiais. 
     
A maior preocupação porém era com a sublevada tropa especial de paraquedistas de Tancos, liderados pelo major Mascarenhas Pessoa, dos quais se esperava forte reação. Tal não viria a ocorrer graças a uma inteligente manobra administrativa do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, general graduado Morais e Silva que proíbe o fornecimento de alimentação, atribuição de verbas e qualquer tipo de apoio aos militares sublevados, desmoralizando-os, até porque boa parte deles são instruendos. A recusa de apoio aos paraquedistas por parte de Heitor Almendra, a alma mater dos paras, conterrâneo e amigo de Neves, acabado de regressar de Angola com centenas de paraquedistas, que despreza Mascarenhas pessoa, desativaria em definitivo a sublevação dos boinas verdes.

      Ao fim de quatro dias, os principais suportes militares do PREC estão dominados e Jaime Neves, com os pés em chaga, pode então descalçar as botas e caminhar para a posteridade.
      Para Jaime Neves, o 25 de Novembro foi um contragolpe na extrema-esquerda e nos comunistas de Cunhal. Porém, a fragilidade de oposição do PCP alimenta a suposição de que a principal intenção de Cunhal, Pato, Lourenço e companhia, consistia na entrega das províncias ultramarinas à órbita soviética através do “internacionalismo proletário”. Angola, com as manobras de Rosa Coutinho, a independência e o MPLA no poder duas semanas antes do 25 de Novembro parece comprová-lo.
     
Duas das consequências do 25 de Novembro foram o fim da oclocracia e a eleição de Ramalho Eanes para a Presidência da República; o primeiro democraticamente eleito, com o apoio de Jaime Neves, que participa na sua campanha. Este não tem apetência pela atividade política e recusa-a, considerando os políticos, tal como Torga - seu conterrâneo - “papagaios insinceros”. Confia na intransigência da defesa da democracia do seu amigo e camarada Eanes, cujo caráter conhece, por isso o apoia.


      Formalmente, é o “Documento dos Nove”, elaborado por Melo Antunes, considerado por Ramalho Eanes e muitos outros “ o pai da Democracia em Portugal” que põe termo ao PREC. Um documento que evita a aniquilação do PCP constituindo simultaneamente um aviso à extrema-direita. Jaime Neves, contrariamente ao que foi difundido, não quer “dar cabo” do PCP nem da Intersindical, não se coibindo porém de criticar ambos. Apesar de tudo, Neves não está satisfeito; quer deitar a mão aos lideres do PREC e “no mínimo, expulsá-los de Portugal”, nunca, encostá-los ao “paredón”.
     
Efetuadas as comoventes honras militares aos falecidos furriel Pires e tenente Coimbra, os seus funerais são sentidos pelo Povo. No de José Coimbra, tripeiro da rua de Santo Ildefonso, milhares de pessoas inundaram a ponte D. Luis, que parece ter tremido com a carga humana. Jaime Neves fica com a sua kalashnikof.

Sintetizado de "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

Peniche, 25 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto   

sábado, 17 de novembro de 2018

O 25 de Abril visto da História (notas, P12)


O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 
…os processos conspirativos de tomada do poder ou a atividade política como atividade conspirativa como atividade política dominante são característicos de países em que o peso do Estado é preponderante face à debilidade da sociedade civil. (VJS)

   Quarenta e quatro anos depois do fim da “longa noite fascista” o Estado foi tomado pelos Partidos, que mantêm a sociedade civil em estado “vegetativo”, esta, subsistindo perante a voracidade fiscal e patrimonial dos novos “senhores” - herdeiros dos velhos privilégios da extinta nobreza e do esclerosado clero. (AB)

…Em segundo lugar, temos a natureza tipicamente pequeno-burguesa do Movimento dos Capitães, que o expôs, necessariamente, às mais diversas e contraditórias flutuações, culminando, por fim, na desintegração do MFA…(VJS)

   O MFA refletia as contradições da sociedade civil, de onde, afinal, provinham os seus membros. Por essa altura, uma sociedade “partida ao meio”, correspondendo quase completamente a duas zonas geográficas distintas, com duas histórias de povoamento distintas e com padrões económicos distintos. Até hoje, o 25 de Abril deixou um país fraturado, economicamente indigente. (AB)

…Disso se apercebe claramente o PS, ao tomar a dianteira da ofensiva contra o gonçalvismo e ao capitalizar em proveito próprio toda essa vaga imensa de frustrações explosivamente acumuladas…(VJS)

Pensava-se então que o socialismo do PS não tinha correspondência com a doutrina marxista, muito menos com o modelo leninista que o PCP estava a levar ao terreno, numa vaga de terror de sentido contrário ao “fascismo” antecedente. A realidade de hoje confirma tese de muitos de então - como Rui Mateus -, segundo a qual, estaria em causa, não o marxismo-leninismo do PCP, mas a liderança do processo. E o gradualismo reformista  do mesmo, digo eu; para não assustar os eleitores. (AB)

….A estrutura hierárquica do partido corresponde organicamente à estrutura hierárquica do exército: daí à osmose vai um passo. E daí que seja uma explicação moralista primária o dizer-se que certos oficiais, bem conhecidos pelas funções destacadas que desempenharam no decurso da guerra colonial, se converteram por mero oportunismo em instrumento do PCP ou da extrema-esquerda. O que acontece é que, face à crise de identidade em que o exército de debate com o fim das guerras coloniais, as únicas alternativas ideológicas que então se apresentam para preencher o vazio são as do PCP e de certa extrema-esquerda. (VJS)

   VJS não refere casos pessoais, mas talvez Costa Gomes tenha sido um desses casos, quanto aos mais conhecidos; Melo Antunes, Rosa Coutinho, Vitor Crespo…,tenho ideia que terão sido opções ideológicas muito anteriores ao 25/04. (AB)
Foto: Marginal Norte
Peniche, 17 de Novembro de 2018
António J.R..Barreto

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O 25 de Abril visto da História (notas P 11)


…Esta situação, o 11 de Março, atingiria o seu ponto mais alto. Aí, ao tomar, praticamente sozinho, o controlo da máquina do Estado, o Partido Comunista assinava a sua própria sentença de morte, a médio prazo, como partido de governo…. (JAS)

   Mas ficou a semente. Até hoje. E foi o suficiente para entregarem as províncias ultramarinas à União Soviética.(AB)

…O Partido Socialista começa, diretamente, através do seu secretário-geral Mário Soares, por desempenhar um papel preponderante na descolonização, é depois ultrapassado e acaba – claramente já marginalizado – a condenar de modo explícito a forma como decorria a evolução dos acontecimentos em Angola e a posição da parte portuguesa….(JAS)

   Pelos vistos estava errado ao considerar que o Partido Socialista e Mário Soares dominaram o processo da descolonização. (AB)

…Recorde-se que, é em torno de África, a propósito do ultimato inglês, que a propaganda republicana mobiliza a opinião pública contra a Monarquia e o Partido Republicano ganha expressão nacional….(JAS)

   Uma ironia, perante a invocada herança republicana dos atuais socialistas; o conceito de integridade do território mudou. E o povo, preocupado em sobreviver, aceita o que lhe “dão”. (AB)

…Costa Gomes foi secretário de Estado de Salazar – posto de que foi demitido pelo seu envolvimento na conspiração abortada de Botelho Moniz -, foi comandante-chefe das Forças Armadas em Angola; foi Chefe de Estado Maior das Forças Armadas ao tempo de Caetano; foi demitido do cargo pouco antes do 25 de Abril e recuperou-o após o 25 de Abril; foi Presidente da República, sucedendo a Spínola….(JAS)

   É obra!, consta que foi preponderante no desfecho do 25/11/2018. (AB)

….É impossível pensar, por exemplo, que a URSS se tenha disposto a intervir de modo tão claro em Angola sem dispor de garantias antecipadas de que os Estados Unidos não se iriam opor frontalmente a essa intervenção….(JAS)

    Em plena Guerra Fria, aquelas duas potências repartiram o mundo conforme os seus interesses. Estava em causa o acesso direto aos recursos dos territórios administrados por Portugal. Mais que os direitos humanos ou o direito dos povos à autodeterminação. A prova disso é a atual olímpica indiferença da comunidade internacional perante as oligarquias instaladas nesses países e o estado de profunda miséria em que os respetivos povos vivem. (AB)

…Spínola não esconde a sua exasperação progressiva, o seu desespero, a sua impotência, traduzido num discurso cujas conotações fascistas (nomeadamente no Alfeite e em Tancos) são cada vez mais claras. Ao mesmo tempo que assina o reconhecimento do direito à independência dos povos colonizados, Spínola evoca as “sagradas parcelas” do “nosso ultramar” e transfere para a “Mãe-Pátria” as razões de ser da luta desencadeada pelo Exército português contra os povos das colónias: “Responderemos com a guerra aos que nos quiserem fazer a guerra”.

   Spínola, derrotado na Guiné na sequência da perda da supremacia aérea para o PAIGC – graças ao apoio militar da URSS e de Cuba -, perante a intransigência de Marcelo na recusa de entabular negociações com o inimigo, deixou-se perder pela sua vaidade e contradições, aceitando o penacho da presidência acreditando, ingenuamente, que os restantes protagonistas do golpe de estado aceitariam a sua liderança na condução das negociações com os movimentos de libertação. Melo Antunes e Otelo, irresponsavelmente ou premeditadamente, assumiram, perante os negociadores africanos, por parte do Estado português, responsabilidades para as quais não tinham mandato. (AB)
Foto: Peniche, Porto de Pesca
Peniche, 16 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas P10)


 O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

…Ora São Francisco de Assis fez igualmente a sua opção de classe – pelos pobrezinhos. Só que ele, ao fazê-la, fê-lo abdicando dos seus privilégios – o que não sucede com muitos destes militantes que, não contentes em preservar os seus privilégios de natureza social e económica, pretendem ainda alarga-los a privilégios de natureza ideológica, fazendo-se a si próprios “condutores da classe operária”. (JAS)

   Tudo resumido, já se percebeu que a ânsia de justiça social e económica, não passa em muitos casos - para não dizer todos -, de um veículo de desbravamento dos caminhos do poder; a velha compulsão primordial das sociedades humanas. (AB)

A Descolonização e os jogos do poder:

….Nascido em 1921, o PCP não conseguiria entretanto até 1926 expressão nacional significativa. Ilegalizado pouco tempo depois, o PCP vai, por isso, ser um partido que se estrutura quase inteiramente na clandestinidade. Isto conduz imediatamente a que a “osmose” entre o partido e o corpo da sociedade portuguesa seja escasso….(JAS)

O que ainda hoje, em democracia, se verifica e contrasta com o poder de facto que detém através dos sindicatos da administração pública que lhe permitem manter sequestrada a sociedade civil. Um preço demasiado elevado da liberdade política incondicional. (AB)

...A URSS passa a funcionar para o PC Português como Roma para os católicos. (JSA

   Com a particularidade de a URSS prover generosamente ao seu financiamento – segundo li por aí da ordem dos 10 milhões de dólares por ano. Isto põe em causa o autoproclamado patriotismo do PCP. Ao obedecer às diretivas comunistas para Portugal, o PCP não tinha em conta os interesses nem dos operários nem dos camponeses, antes, servia-se deles pm nome da difusão do imperialismo soviético. (AB)

…Repare-se aliás - a mero título de curiosidade – que a viragem política em Portugal só começaria verdadeiramente uma vez praticamente resolvida, a favor do MPLA, a resolução da questão angolana….(JAS)

   Fui-me apercebendo desta versão, há não muito tempo, há medida que fui diversificando as leituras sobre os acontecimentos político-militares da época. De facto, se o PCP detinha o controlo avassalador da maioria das forças militares, o recuo de Cunhal, na “hora da verdade”, quando confrontado por Costa Gomes, é surpreendente. Ou estaria a contar com diferente desfecho. O certo é que Otelo hesitou, temendo, talvez, as consequências duma guerra civil, deixando sem ordens as forças afetas aos comunistas, entre as quais os fuzileiros - força decisiva na insurreição republicana de 1910 -, tendo sido rapidamente neutralizado por Ramalho Eanes. Sabemos também que a abdicação de Cunhal teve a ver com a promessa de integração do PCP na democracia por Melo Antunes - comunista desde os tempos da Academia Militar, onde foi colega de Alpoim Galvão. E sabemos, segundo o testemunho de Zita Seabra que ter-se-á justificado perante os membros do comité central, com um recuo estratégico que permitiria avanços maiores no futuro “um passo atrás para, mais tarde, dar dois passos à frente”. O primeiro passo à frente foi dado com a sua admissão às eleições constituintes e posterior permanência no sistema democrático. O segundo passo parece em curso induzindo a desagregação dos serviços públicos e agravando os conflitos de classe, nomeadamente entre setor público e setor privado. O que é certo é que, Angola e Moçambique, foram entregues de mão beijada aos movimentos guerrilheiros comunistas, através de um ato eleitoral que não passou de uma encenação. (AB)
Foto: Peniche, Marginal de norte
Peniche, 9 de Novembro de 2018
António J R. Barreto

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas P9)


 O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

….Ao tentarem correr com o padre que ao domingo faz o sermão na missa, certos partidos políticos sonham no fundo substituir-se à igreja pondo um seu militante a celebrar a missa de domingo e a proferir o sermão….. As hierarquias dos partidos leninistas reproduzem a hierarquia da igreja. … (JAS)

   Isto tem ar de brincadeira mas é bem sério; o que está em causa não são os valores cristãos, cuidadosamente substituídos pela “ética republicana, mas o poder, o poder exercido pela igreja católica desde a fundação da nacionalidade, em decadência a partir da guerra civil de 1832/1834 na qual os maçons foram preponderantes. A ratoeira da laicidade do Estado - como se o Estado tivesse que ser religiosamente neutro para respeitar todas as religiões em geral - permitiu aos governos de inspiração jacobina ir “desbastando” a influência católica acabando na difusão do islamismo com censuráveis intuitos políticos (um povo para um partido em vez de um partido para o povo). (AB)

A ciência substituiu a religião…..os sistemas ideológicos são anticientíficos na medida em que representam uma cristalização de princípios e conhecimentos em determinado momento histórico….A censura ideológica à ciência por parte da Igreja Católica na Idade Média, foi ressuscitada de facto, por exemplo, na Rússia estalinista….. (JAS)

   Quanto à ciência, ­­apesar dos sucessivos equívocos dos “cientistas”, paradoxalmente, tornou-se, dogmática, promíscua, instrumentalizável, traindo os princípios iluministas, pondo em causa a qualidade dos respetivos regimes políticos. (AB)

…Aliás o protestantismo afirma-se essencialmente como uma associação entre uma ordem divina e uma ordem material surgida com a ascensão da burguesia, conquistando predomínio nos países que mais cedo conheceram um processo de expansão capitalista….(VJS)

   Parece-me haver aqui um equívoco de VJS; é provável que o processo tenha tido origem nas célebres lutas do campesinato alemão contra a Igreja Católica, na fundação, profundamente participativa e aberta, do Protestantismo – introduzindo uma prática democrática e austera na cultura protestante, em 1517, com a discussão das célebres 95 teses de Martinho Lutero na igreja de Wittenberg – e, com o advento do calvinismo, na supressão do conceito de pecado atribuído até então aos juros de capital. Assim, terá sido a evolução do cristianismo através do protestantismo e calvinismo que criou as condições para o advento e desenvolvimento do capitalismo. (AB)

…Mais, o Partido é aquele corpo místico - no sentido em que a igreja o é – perante o qual nos reconhecemos e nos afirmamos como fiés de um culto a um Ser supremo, que dá sentido à nossa existência….Nestas condições, o Partido não é uma emanação de classe, uma expressão orgânica da classe, mas um edifício construído no vazio, sustentado pelos alicerces abstratos da ideologia, e que se reclama da representação (mítica, evidentemente) da classe. (VJS)

   Aqui radica um dos paradoxos das democracias partidárias; o anticlericalismo e o antipatriotismo constantes das doutrinas partidárias em geral - sobretudo por parte dos partidos ditos de esquerda -, tem mais a ver com a ascensão e sustentação do poder destes, ocupando o vazio ideológico, do que com a natureza intrínseca daqueles conceitos. Os partidos substituem-se à Igreja e ao Estado, constituindo uma perversão dos respetivos regimes. Assim, não é de estranhar a atual deriva tendencialmente apátrida e areligiosa na atual União Europeia, o que pode ser visto como um retrocesso social. De facto, assistimos, hoje, ao absurdo de, em países europeus democráticos, membros das estruturas públicas convidarem os seus concidadãos eleitores a saírem do país, em caso de desconforto ou desacordo com as políticas implementadas. (AB)

Foto: pormenor das falésias da Marginal Norte em Peniche

Peniche, 08 de Novembro de 2018
António J. B. Barreto

sábado, 3 de novembro de 2018

O 25 de Abril visto da História (notas P8)


O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais

  
O apelo à população rural, sobretudo das regiões de pequena e média propriedade, é uma constante dos partidos de direita. E a verdade é que esse apelo encontra resposta. Ora isto coloca um problema…que de resto se arrasta há muito tempo sem solução: a questão das relações da cidade com o campo. …. As cidades tornam-se o cenário artificial de um país que continua a ser predominantemente rural. …. E isto coloca de novo o problema da incapacidade dinâmica da burguesia portuguesa - que nunca leva à prática uma reforma agrária, que não faz a mecanização da agricultura e muito menos a sua industrialização. …trata-se de facto, nestes casos, de uma reação natural a um desenvolvimento, que de desenvolvimento tem apenas o discurso, a ideologia. ….eu preferiria, relativamente ao campo, a classificação de “indicador de desenvolvimento”. (JAS)

   É histórico; o conservadorismo da população rural nas regiões de minifúndio deve-se ao enraizamento do sentido de propriedade e também à profunda cultura cristã. Por outro lado, a população rural das regiões de latifúndio é mais acessível à doutrina progressista seja pelo regime de propriedade - marcada pelo assalariado -, seja pela heterogeneidade religiosa da população durante o processo do povoamento.

   Já o desequilíbrio persistente da relação de forças entre “a cidade e o campo” tem origem na significativa perda de relevância económica do setor agrícola, em clara decadência numa economia em transição, mas também devido à constituição e funcionamento das estruturas partidárias, que, claramente, subalterniza as regiões do interior, e constitui, em si mesmo, um dos maiores paradoxos do atual regime político.

   A falta de industrialização agrícola em Portugal terá muitas causas, como a crónica falta de capital - que caracteriza toda a economia nacional, desde sempre, agravada com a expulsão dos Cristãos-Novos -, mas, a que me parece decisiva e consiste na inviabilização económica da propriedade rural na sequência do fim dos morgadios e na alteração do regime de propriedade, que ocorreu no século XIX.

…Em contrapartida, entre o funcionalismo público, e contrariamente às expectativas, foi a linha PCP que saiu vencedora das primeiras eleições realizadas com vista à formação do sindicato daquele setor….(VJS)

   E tem sido assim até aos dias de hoje, para desgraça de Portugal; à “boa” tradição comunista, o PCP, através do controlo que exerce sobre os sindicatos da função pública via Intersindical, detém um poder de influência na governação muito superior à sua representatividade eleitoral. Além da evidente distorção democrática, o PCP, usando das prerrogativas que a lei lhe confere, condiciona setores vitais da administração pública alimentando conflitos sociais e degradando a competitividade económica geral sem contemplações, em nome dos interesses do “novo proletariado”, os “idiotas úteis” da modernidade.

 
…Ora, com reveladora frequência, verificamos que quanto mais acentuada é a má consciência pequeno-burguesa desses dirigentes mais eles ostentam uma “autossuficiência” de carácter já patológico, um exclusivismo, um sectarismo perfeitamente doentios, uma obsessão patética de serem os “pais ideológicos” da classe operária….. Antagónica à concepção leninista era, afinal, a concepção marxista, segundo a qual a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores. (VJS)

   Apercebi-me disso mesmo ao constatar a origem pequeno-burguesa da generalidade dos protagonistas das esquerdas em Portugal, desde o 25 de Abril. O caso mais flagrante da atualidade é o dos ativistas do Bloco de Esquerda, mas não só. Operários e camponeses, em geral o povo simples, não tem disponibilidade para o “lero-lero” político. Mas não se trata apenas de eventual “má-consciência de classe”, será mais uma necessidade compulsiva de protagonismo e de aproximação ao poder, ou mesmo do seu exercício. Daí a “perigosidade” dos “intelectuais” na evolução das sociedades; a outra face da moeda.(AB)

Foto: Peniche, Marginal Norte
Peniche 3 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O 25 de Abril Visto da História (notas P7)

O 25 de Abril Visto da História
(Livraria Bertrand)
Diálogo entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva em 1976 sobre a atualidade política, em vésperas as primeiras eleições presidenciais
 

…E esse é um traço característico do atraso português, uma constante da nossa história dos últimos cento e cinquenta anos. Durante o liberalismo, durante a República, e também durante o Estado Novo e ainda depois do 25 de Abril, os quadros políticos dirigentes são recrutados em grande parte - e até em maioria relativa - entre elementos das profissões liberais, entre advogados…. (VJS)

…A necessidade de legislar surge, no fundo, de certo modo, como alternativa à incapacidade de transformar…..(JAS)
 
Começo a duvidar da utilidade dos intelectuais na vida política dos povos. (AB)

…A Inglaterra…fazendo no fundo as vezes de uma “burguesia dominante” que nunca apareceu em Portugal. De França importava-se a ideologia da Revolução….não apenas a mentalidade, o estilo, o discurso político, o radicalismo verbal, o anticlericalismo radical, mas mesmo as organizações revolucionárias (como é o caso da Maçonaria e da Carbonária), importava-se o jacobinismo – que haveria de ter um papel decisivo na implantação da República em Portugal. (JAS)

   Inglaterra e França encontra-se hoje ensarilhados nas teias das suas próprias contradições face ao fenómeno da imigração, e Portugal parece apostado em seguir-lhes as pisadas, aprofundando os seus equívocos e a coesão social. (AB)

…Ao longo dos últimos dois séculos, a sociedade portuguesa, vive permanentemente entre dois impulsos: um de natureza exterior, que se faz de fora para dentro e de cima para baixo, e que é de sinal desenvolvimentista, transformador, que caminha no sentido da implantação de relações capitalistas; ou outro, de natureza interior, que se verifica de dentro para fora e de baixo para cima, que se faz no sentido da preservação das relações tradicionais contra a tendência invasora da ordem capitalista. (JAS)

   Isto passa-se em qualquer sociedade minimamente aberta, não é exclusivo de Portugal, e é bem mais complexo; o caso da Inglaterra no século XIX ou dos USA no século XX são exemplos dos poucos países que mudaram as suas estruturas económicas a partir de dentro. A ameaça castelhana induziu Portugal à dependência militar externa  - da Inglaterra; a conjugação destes dois fatores aliado à implacável perseguição dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal - fechando-lhes as escolas – e à atuação da Ordem do Santo Ofício - que só viria a ser formalmente extinta em 1842 -, talvez ajude a explicar a fraca dinâmica transformadora a que JAS alude e que parece perpetuar-se. Hoje, assistimos a uma transformação estrutural da economia portuguesa, imposta pela União Europeia, com recurso a subterfúgios como o do aquecimento global, do ambiente, ou da produtividade, sem que se perceba bem quem são os efetivos beneficiários desta transformação. (AB)

…Ora…a pequena burguesia constitui uma manta de retalhos…e não pode segregar, de facto, o que Gramsci chama “os intelectuais orgânicos” de uma classe, os partidos. Daí que os partidos surjam em Portugal como fatos que, depois de acabados no alfaiate, partem à procura do corpo social. (JAS)

   Talvez esta seja uma das causas do fechamento dos partidos portugueses à sociedade, devido ao medo de perderem as suas referências doutrinárias, e da distorção da democracia devido ao empenho partidário na mudança dos cidadãos e, absurdamente, na substituição da população, para sustentação dos seus projetos de poder.
 
Foto Praia de Peniche de cima
Peniche, 01 de Novembro de 2018
António J. R. Barreto