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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (Notas, P3)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros) 
  
  
Em entrevista ao jornal brasileiro “O Semanário” concedida em 11/12/1958, Humberto Delgado refere as razões da sua mudança relativamente ao regime de Salazar que veementemente apoiara:

   Bem, agora é que as minhas divergências tomaram este vulto, no entanto, de há muito venho discordando das políticas do senhor Salazar. Fui dos que fizeram a revolução de Maio de 1926 - e fá-la-ia novamente hoje, tão justa foi - mas não foi para isto que aí está; o país arcado, sufocado e humilhado sob o peso duma ditadura sangrenta e feroz. A nação transformada num campo de concentração onde os nossos expoentes da cultura, intelectuais e líderes políticos progressistas e liberais são forçados a exilar-se ou se exilam voluntariamente. A mentalidade do povo está embotada e entre nós já escasseiam os valores. O Estado ditatorial tomou conta de tudo e, na vertical, de cima para baixo, dirige tudo e todos. A Revolução de 1926, absolutamente, não foi feita para isto. Dela, todos os princípios foram desvirtuados e estão por terra. Como isto acabará não sei. Afirmo, todavia, que acabará - e é por isso que estamos na luta.

   Começando por ser o aríete político de Henrique Galvão, consumado o ato eleitoral, Humberto Delgado, através do MNI, assumiu a liderança da oposição a Salazar. Irmanados na mesma causa, conjugando-se no caso do sequestro do paquete Santa Maria, haveriam de incompatibilizar-se mais tarde no exílio no Brasil, por divergências quanto à organização do movimento. 
   Foi em 1959, em Caracas, onde ocasionalmente se encontraram, que Humberto Delgado nomeou Henrique Galvão secretário-geral no estrangeiro do MNI e anunciou a união de forças com exilados espanhóis no combate às ditaduras ibéricas.
   Desiludido com a oposição de pantufas dos emigrantes lusos em Caracas, Henrique Galvão lá conheceu e arregimentou o célebre Camilo Mortágua. Aos 26 anos, este emigrante de Oliveira de Azeméis, ex-padeiro e ex-locutor de rádio, aderiu ao projeto de Galvão, que constituíra um corpo de intervenção com dissidentes da Junta opositora venezuelana. Foi Mortágua que lhe arranjou emprego numa imobiliária, tornando-se um dos seus mais fiéis correligionários, acompanhando-o na já lendária aventura do paquete Santa Maria.
   Em Janeiro de 1960, em nome do MNI, Galvão estabeleceu um acordo de cooperação com a União dos Combatentes Espanhóis (UCE) liderada por José Velo Mosquera - galego que estivera refugiado em Portugal em fuga ao regime franquista -, do qual resultou a constituição do histórico DRIL - Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação.
   Dedicado ao derrube das ditaduras ibéricas pela violência, o DRIL advogava a democracia, a independência da Galiza, País Basco e Catalunha e o estabelecimento de uma confederação de repúblicas ibéricas. Reforma agrária, nacionalização das grandes indústrias e a criação do Instituto da Reforma Urbana - para garantia do direito universal à habitação - constituíam as traves mestras dos seus princípios programáticos. Pepe Velo era o diretor geral e Henrique Galvão, o responsável pelas ações em Portugal.
 
Foto do Paquete Santa Maria (um dos "meus" navios)
 Peniche, 30 de Janeiro de 2019
António Barreto

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (Notas, P2)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
 
  
Nenhum dos antecedentes candidatos - Norton de Matos e Quintão Meireles - levou as respetivas candidaturas até ao fim, fosse por falta de coragem - como pensava Delgado -, fosse por falta de confiança no processo eleitoral recusando-se a legitimar eleições fraudulentas.

   Os relatos da campanha eleitoral dão conta da forte adesão popular à campanha de Delgado, mostrando haver na sociedade portuguesa de então forte disponibilidade para novas propostas políticas. Na época, as oposições eram constituídas pelo ex-Partido Republicano Democrático, pelas correntes liberais progressistas e socialistas, por alguns setores da igreja Católica - como o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes; Manuel Serra, oficial de máquinas da Marinha Mercante um dos líderes do assalto ao quartel de Beja em Janeiro de 1962 que já participara no Golpe da Sé em 1959; padre Perestrelo de Vasconcelos, ex-capelão da Marinha envolvido na mesma conspiração da Sé - e personalidades como; Vasco da Gama Fernandes, Jaime Cortesão, Mário Soares, Mário de Azevedo Gomes, Francisco da Cunha Leal, Mendes Cabeçadas, Ramon de La Féria, António Lomelino, Acácio Gouveia, Fernando Piteira Santos, capitão Almeida Santos - um dos líderes da Revolta da Sé, em Março de 1959 -, coronel Varela Gomes - outro líder do assalto ao Quartel de Beja -,Vasco Gonçalves­ e muitos outros.

   Apesar da grande recetividade popular à campanha de Delgado, que, ao que parece, decorreu sem restrições, a sua candidatura obteve apenas 25% dos votos. Convencido de fraude eleitoral - a oposição não participou na contagem dos votos -, Humberto Delgado considerou-se legítimo vencedor. Já Américo Thomaz, cuja campanha teve, também, grande recetividade popular, considerou - nas suas “Últimas décadas da República” -, tais declarações como as habituais desculpas dos derrotados.

      Entre o fascínio do sucesso popular e a compulsão da revolta, Humberto Delgado recusou o convite do Governo para integrar uma ação formação em ciências económicas em curso no Canadá. Temendo pela vida - agentes da PIDE pareciam controlar-lhe os movimentos - apresentou-se na embaixada do Brasil onde pediu asilo político. Após prolongadas peripécias de cariz político-diplomático, este, é-lhe concedido, graças à intervenção de Álvaro Lins, intelectual de prestígio e embaixador do Brasil em Lisboa.

   Determinado a prosseguir a luta, Delgado fundou, em 18/06/1958 com os delegados distritais e nacionais da sua candidatura, o MNI - Movimento Nacional Independente - e, já no Brasil, o jornal “Portugal Livre”, “porta-voz do movimento.

   Inviabilizada a intervenção democrática Delgado sentiu-se legitimado a recorrer à luta armada, declarando-o sem restrições onde quer que o recebessem, no frenético périplo que desencadeou pela Europa, Norte de África, América do Sul, Europa de Leste e Rússia. Esta atitude haveria de conduzi-lo à morte, como preconizou Henrique Galvão.  
Peniche, 28 de Janeiro de 2019
António JR Barreto

domingo, 27 de janeiro de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (Notas P1)


Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros)
 

  
Humberto Delgado opunha-se a qualquer tipo de tirania. Nunca aderiu ao comunismo; não queria substituir a ditadura de salazar pela comunista, apesar de ter sido bem tratado na Checoslováquia - onde foi submetido a duas intervenções cirúrgicas a uma hérnia, por influência de Álvaro Cunhal - e na União Soviética - que visitou a convite dos comunistas russos. Admirava a qualidade de vida de ambos. Defendia o Socialismo Democrático mas nunca o definiu. O Partido Socialista é o herdeiro político de Humberto Delgado. Compreende-se a atribuição do seu nome ao aeroporto da Portela pelo executivo socialista da Câmara Municipal de Lisboa.

   Foi em Outubro de 1957 que Henrique Galvão desafiou Humberto Delgado a candidatar-se, no ano seguinte, à Presidência da República, como parte da sua estratégia para derrubar Salazar. Galvão, que chegou a ser um dos correligionários diletos de Salazar, não lhe perdoou o apoio a Duarte Pacheco com quem rivalizara por ocasião da grande exposição da portugalidade que foi o Mundo Português - cujas reminiscências ainda hoje se podem ver lá para os lados da Torre de Belém.

   Indignado com a miséria que viu em África - decorrente da corrupção e do da servidão abjeta a que os negros eram sujeitos -, denunciou os abusos a Salazar e Marcelo Caetano, e, na Assembleia Nacional, confrontou os deputados com as brutalidades da política colonial. Perplexo com a passividade salazarista, íntegro e corajoso, logo decidiu derrubar o regime, pela insurreição armada, conspirando na estruturação dum projeto de ação.

   Foi descoberto e preso pela PIDE, sucedendo-se uma série de peripécias dignas dos melhores filmes de ação, cujos pontos altos foram a fuga do Hospital de Santa Maria, a entrada na embaixada da Argentina, onde esteve asilado, e o sequestro do paquete Santa Maria.

   Galvão associou-se à organização do galego Pepe Vela - DRIL, Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação - com o propósito de derrubar as ditaduras ibéricas pela via armada e substitui-las por regimes democráticos. Já depois do termo da aventura do paquete Santa Maria, com o apoio dos emigrantes portugueses do Brasil, chegou a implementar e dirigir um campo de treino de operacionais em Campinas com a finalidade de derrubar, pela força, o regime de Salazar.  

   Humberto Delgado, embaixador militar na Nato, idólatra de Salazar e defensor incondicional do Estado Novo, era também grande admirador de Henrique Galvão visitando-o com frequência, nas prisões da ditadura. Nasceu entre ambos uma empatia e admiração que culminaria na candidatura de Delgado à Presidência da República, em 1958. Haveriam de odiar-se irredutivelmente mais tarde num inevitável choque de egos.
Peniche, 27 de Janeiro de 2019
António JR Barreto