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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Jaime Neves e o 25 de Novembro

 

Jaime Neves e o 25 de Novembro

     
   Eanes, o homem que gosta das pessoas e suscita lealdades, é o chefe do Comando Operacional do 25 de Novembro. Neves é o chefe operacional.

      Graças ao DL 577-A/75, do Governo de Pinheiro de Azevedo, Jaime Neves integrou no Regimento de Comandos da Amadora (RCA), onde predominam oficiais do curso de 53/57 da Academia Militar, cerca de 300 veteranos constituindo duas companhias; uma sob comando de Sousa Gonçalves - da 2ªCCMDS - a outra comandada por Sampaio Faria - da 3ª CCMDS. Na reserva ficaram outras duas.
      Concentrando o ódio da esquerda totalitária, em especial do MRPP, o RCA é alvo de ataques da RTP e da EN bem como de frequentes manifestações junto ao quartel, chegando a Somague a tentar impedir a saída de viaturas. Militarmente isolados na grande Lisboa, o RCA conta com o apoio de ex-comandos fortemente organizados e espalhados pelo país, bem como do apoio político de Pires Veloso, do Cónego Melo, do Partido Socialista e da Igreja. No plano operacional, o RCA conta com quatro companhias no Norte; Braga, Vila Real, Lamego e Porto; duas do Centro e o Regimento de Cavalaria de Estremoz - o regimento de Spínola. O maior apoio porém é o que sentem por parte da designada maioria silenciosa.
      A Ordem de Operações, uma guerra civil, segundo o seu autor, Ramalho Eanes, é apresentada por este, acompanhado por Rocha Vieira, ao General Costa Gomes. Na ausência de Eanes, a planeada distribuição de armas é efetuada principalmente ao Partido Socialista através de Edmundo Pedro e Manuel Alegre por Galvão de Figueiredo, sob ordem de Tomé Pinto, tendo Eanes assumido a responsabilidade enquanto chefe do Comando Operacional.
      Os principais objetivos dos militares democratas são; o quartel da força aérea de Monsanto, a Polícia Militar e outros na calçada da ajuda, o COPCON no Forte do Alto Duque em Belém, e os paraquedistas de Tancos. A unidade de Monsanto não ofereceu resistência aos homens de Neves. Foi na Calçada da Ajuda que os cerca de trezentos comandos, agrupados em três companhias, enfrentam mais de dois mil militares; a de Jaime Neves, acabado de ser promovido a tenente-coronel, que sobe a calçada de chaimite, a 113ª do capitão Manuel Apolinário, que entra na calçada pelo lado esquerdo, e a 112ª do capitão António Lourenço, que desce a calçada.
      Pelas oito horas do dia 26 de Novembro, a chaimite de Neves, onde vão Ribeiro da Fonseca, Arnaldo Cruz e Vitor Ribeiro, inicia a progressão na Calçada da Ajuda, rebentando subitamente sobre ela uma trovoada de tiros vindos de todos os lados; do quartel e das casas particulares à esquerda. Há confusão de gritos, tiros e correrias, Neves, com meio corpo de fora da viatura, via rádio, dá ordens aos seus homens para não responderem ao fogo. José Eduardo Oliveira Coimbra vindo do cimo da calçada com a 112ª é atingido em cheio na crossa da aorta, acabando por morrer no Hospital Militar de Infectocontagiosas. Na CCMDS 113ª o furriel Joaquim dos Santos Pires é morto pelo fogo de metralhadora proveniente do Regimento de Cavalaria 7, frente ao quartel da Polícia Militar. Obedecendo à ordem de contenção, os comandos cercam o quartel da PM conseguindo posição de domínio. Do lado contrário é morto o aspirante Ascenso Bagagem. Neves avança de chaimite e derruba o portão de Lanceiros 2, tomando o quartel sem um tiro. Na frente da formatura na parada dos militares derrotados ordenada por Jaime Neves está Mário Tomé, que revelou honra na derrota. Quanto ao comandante da unidade, que revelara grande bravura na Guiné, ter-se-á refugiado debaixo de uma secretária, segundo Tomé. Ás três horas termina a operação, seguindo-se a passagem de passaportes aos militares derrotados, tendo ficado no comando do quartel da Polícia Militar, o bracarense Jaime Abreu Cardoso, figura lendária entre os comandos.
      Ao terceiro dia, a 112ª Companhia de Comandos cerca o Forte do Alto do Duque com o objetivo de prender Otelo e todo o Copcon. Mas foi Eanes que, surgindo com um grupo armado, levou Otelo, recusando-se a prendê-lo, contrariamente à exigência deste. No quartel apenas havia alguns fuzileiros, que incitavam à acção, e alguns oficiais. 
     
A maior preocupação porém era com a sublevada tropa especial de paraquedistas de Tancos, liderados pelo major Mascarenhas Pessoa, dos quais se esperava forte reação. Tal não viria a ocorrer graças a uma inteligente manobra administrativa do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, general graduado Morais e Silva que proíbe o fornecimento de alimentação, atribuição de verbas e qualquer tipo de apoio aos militares sublevados, desmoralizando-os, até porque boa parte deles são instruendos. A recusa de apoio aos paraquedistas por parte de Heitor Almendra, a alma mater dos paras, conterrâneo e amigo de Neves, acabado de regressar de Angola com centenas de paraquedistas, que despreza Mascarenhas pessoa, desativaria em definitivo a sublevação dos boinas verdes.

      Ao fim de quatro dias, os principais suportes militares do PREC estão dominados e Jaime Neves, com os pés em chaga, pode então descalçar as botas e caminhar para a posteridade.
      Para Jaime Neves, o 25 de Novembro foi um contragolpe na extrema-esquerda e nos comunistas de Cunhal. Porém, a fragilidade de oposição do PCP alimenta a suposição de que a principal intenção de Cunhal, Pato, Lourenço e companhia, consistia na entrega das províncias ultramarinas à órbita soviética através do “internacionalismo proletário”. Angola, com as manobras de Rosa Coutinho, a independência e o MPLA no poder duas semanas antes do 25 de Novembro parece comprová-lo.
     
Duas das consequências do 25 de Novembro foram o fim da oclocracia e a eleição de Ramalho Eanes para a Presidência da República; o primeiro democraticamente eleito, com o apoio de Jaime Neves, que participa na sua campanha. Este não tem apetência pela atividade política e recusa-a, considerando os políticos, tal como Torga - seu conterrâneo - “papagaios insinceros”. Confia na intransigência da defesa da democracia do seu amigo e camarada Eanes, cujo caráter conhece, por isso o apoia.


      Formalmente, é o “Documento dos Nove”, elaborado por Melo Antunes, considerado por Ramalho Eanes e muitos outros “ o pai da Democracia em Portugal” que põe termo ao PREC. Um documento que evita a aniquilação do PCP constituindo simultaneamente um aviso à extrema-direita. Jaime Neves, contrariamente ao que foi difundido, não quer “dar cabo” do PCP nem da Intersindical, não se coibindo porém de criticar ambos. Apesar de tudo, Neves não está satisfeito; quer deitar a mão aos lideres do PREC e “no mínimo, expulsá-los de Portugal”, nunca, encostá-los ao “paredón”.
     
Efetuadas as comoventes honras militares aos falecidos furriel Pires e tenente Coimbra, os seus funerais são sentidos pelo Povo. No de José Coimbra, tripeiro da rua de Santo Ildefonso, milhares de pessoas inundaram a ponte D. Luis, que parece ter tremido com a carga humana. Jaime Neves fica com a sua kalashnikof.

Sintetizado de "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

Jaime Neves e o PREC

 

Jaime Neves e o PREC (6)

      
      A primeira etapa do PREC desenvolve-se até ao 28 de Setembro durante a presidência de António de Spínola; a segunda vai até princípios de Agosto de 1975 e caracterizou-se pelas nacionalizações e reforma agrária, comandadas pelo PCP, que controlava organismos do Estado, refreadas pela reação do povo nortenho a partir de março com a vaga anticomunista. Por fim, a terceira e última fase que culminou no 25 de Novembro graças à oposição de alguns oficiais do MFA à insanidade revolucionária comunista.
 
      Neste período, Jaime Neves, ao serviço da Academia Militar, desenvolve várias ações, entre as quais a recolha de quarenta revolveres no Ministério da Economia, a dissuasão de alguns soldados da Guarda Nacional Republicana que, num ato de sublevação na cadeia do Linhó, se recusavam a içar a Bandeira Nacional; de uma outra vez, na mesma cadeia, pela persuasão da fama que o precede e do seu estilo simples e franco, com recurso a uma palestra em cima de uma mesa, põe termo ao motim que os cadastrados de alto coturno recentemente oriundos do Limoeiro tinham provocado. No caso do capitão cubano Peralta feito prisioneiro na Guiné e internado no Hospital Militar, cuja proteção contra rapto, que se receava por parte de ativistas de esquerda, lhe foi ordenada por Costa Gomes, então Presidente da República, Neves exigiu-lhe uma ordem escrita por conhecer e não “perdoar” o seu habitual “contorcionismo”.
      Injustamente Neves considerava Spínola um cobarde pelo facto de, no 11 de Março conhecido por “Matança da Páscoa”, ter fugido pelas traseiras do Palácio de Belém enquanto ele e os chefes da GNR e da PSP aguardavam no mesmo edifício ordens de avançar contra quem se supunha preparar o aniquilamento dos spinolistas; elementos da Aginter liderados por Guérin-Sérac.
      As ações sucedem-se, bizarras e quase ininterruptas, desde a prestação de socorro a polícias cercados em esquadras até ao ordenamento de filas para o cinema.
      Em Outubro Jaime Neves e o major Florindo Morais vão a Moçambique cujo Alto Comissário era então Vitor Alves - com a alcunha de garrafão -, buscar as Companhias de Comandos 20-43ª e 20-45ª que, em Lourenço Marques, se tinham envolvido em confrontos graves com os guerrilheiros da Frelimo, recusando-se porém a trazê-los sob prisão, intenção inicial de Costa Gomes, o que fazem com sucesso graças à estratégia de Neves de os conduzir ao Centro de Instrução de Comandos em Luanda, onde tinham feito o seu treino, para uma breve estadia apaziguadora antes do regresso a Lisboa onde passaram à disponibilidade.
      Os Comandos nasceram na guerra e para a guerra, contrariamente aos Fuzileiros e aos Paraquedistas, que já existiam antes de 1961, e são os que mais feitos têm de combate, mais armas capturadas, mais guerrilheiros abatidos e mais bases destruídas, do que qualquer outra tropa especial, e talvez até do que toda a tropa normal. Entre 1961 e 1974, cerca de oito mil comandos - um centésimo da tropa portuguesa total - fizeram a guerra de África; na qual morreram trezentos e sessenta, desapareceram trinta, e foram feridos, a maioria sem um pé, oitocentos. Nos seus cinquenta anos de vida, os Comandos são, desde 29 de Junho de 2012, a unidade mais condecorada de sempre do Exército Português. Terá sido esta guerra a mais brilhante nos quatrocentos anos de existência daquele corpo militar desde Schomberg? Quem herdará as condecorações do Centro de Tropas Comando após a sua extinção?
      Os comandos são voluntários, vêm de todo o território imperial, desde Minho a Timor, pretos, brancos, mulatos e amarelos, materializam a “sociedade multirracial” de Salazar, oferecem-se por puro idealismo patriótico e imperial, pelo desejo de aventura, por um desgosto de amor, por quererem fazer a guerra a sério, por terem lido Camões, Junger, Hemingway, Laterguy, por terem visto filmes como “O Último Comboio do Katanga”; outros procuram o suicídio heroico ou redentor ou a auto-demonstração de bravura.
      Abreu Cardozo, Almeida Bruno, Marcelino da Mata, Jaime Neves, Folques, Matos Gomes, Ferreira da Silva, Lobato Faria ou Chung, são alguns dos maiores comandos; homens casados com a guerra, que, como muitos outros comandos milicianos, lembram o português do século XV e XVI, temido no hemisfério sul e invejado pelos europeus, que o descreviam como “orgulhoso, duro, fechado, algo sinistro”. São os últimos heróis portugueses, heróis tristes a quem foi negada a mitificação da derrota, porque simplesmente a não houve. A ficção portuguesa parece ter medo destas figuras, quem sabe por castradores motivos políticos, ou simplesmente porque na sua claustrofobia, no seu minúsculo pedestal burguês e intelectual, os ficcionistas nem sequer os conhecem de outiva.
      Depois de combaterem os guerrilheiros em África, razão da sua fundação por Santos e Castro, os Comandos, miscelânea de militares do exército, incluindo as duas companhias regressadas de Moçambique, são recriados por Jaime Neves, constituindo o Regimento de Comandos da Amadora, que virá a ter uma ação decisiva no fim do PREC, esse período alucinatório em que muitos confundem História com histeria. Atuam contra manifestações e greves, uma delas a grande greve da TAP, cuja bandalheira a torna internacionalmente conhecida por Take Another Plane. Mais tarde, já derrotados, alguns grupos  dessa esquerda furiosa e infantilizada de que se destaca o MRPP onde militava gente como Durão Barroso, Ana Gomes ou Maria José Morgado - com quem o gadamaelense Manuel Ferreira da Silva tivera um béguin em Luanda -, tentam vingar-se cobardemente contra a família de Neves.
      Quase quarenta anos depois, o Capitão Chung não consegue perceber quem, próximo do 25 de Abril de 1975, esteve por trás da ação saneadora promovida pelo Capitão Marques Patrocínio, e outros indivíduos de pequeno estatuto, que afastou durante algum tempo do Regimento de Comandos da Amadora,vários oficiais, entre os quais, o seu comandante Jaime Neves e ele próprio. Um dos conjurados confessaria mais tarde,a Neves ter recebido de Cunhal, para si e sua família, a promessa de pagamento fora do país, o que ajudaria aquele a formar a convicção da influência do PCP neste episódio. A chegada a Lisboa da 6ª esquadra americana por essa ocasião proporcionou o boato de que Jaime Neves estaria a preparar um golpe à Pinochet, daí o saneamento. Num volte-face dramático num plenário do Regimento realizado a 4 de Agosto, Otelo Saraiva de Carvalho, que havia anuído ao saneamento, devolve o comando a Jaime Neves, tendo sido presos os conjurados, a maioria dos quais acabou por se arrepender e pedir perdão. 

Créditos a: "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

domingo, 12 de novembro de 2023

A Ética Republicana em Portugal

  

A Ética Republicana em Portugal


Pela noite dentro a camioneta pára junto à porta de Machado Santos, na rua José Estêvão. D. Beatriz, a mulher do almirante, foi intimada a abri-la. Rebentando com a fechadura a tiro, os intrusos perguntaram-lhe pelo marido. Queriam levá-lo à presença de Procópio de Freitas que lhe queria falar.


No interior, de pistola em punho, António, o filho do almirante estava pronto a resistir. Este, confiante na sua patente e no prestígio que granjeara, dissuadiu-o. Nada demoveu os intrusos. Abel Olímpio o tenebroso cabo que chefiava a brigada homicida, manteve-se inflexível, ignorando o pedido de garantia de regresso em segurança do detido.


Idealista, insatisfeito e intransigente, Machado Santos, a quem os republicanas deviam a vitória no 5 de Outubro, era um homem marcado. Os democráticos não lhe perdoaram as críticas ao governo, o apoio ao ditador Pimenta de Castro, o envolvimento no 13 de Dezembro de 1916 ( Revolta de Tomar, contra a entrada da IGM), e o 5 de Dezembro de 1917 em que alinhara ao lado de Sidónio contra o governo de Afonso Costa.


Traidor para os democráticos é odiado marinheiros, que não lhe perdoaram a humilhação da revista militar na rotunda ao lado de Sidónio. Incorruptível, patriota, Machado Santos, quando governante, fora implacável com especuladores e açambarcadores.


A pensão que lhe fora atribuída pelo congresso e a inveja que suscitava tornaram-no alvo de sucessivas acusações avulso com o propósito de destruição da sua imagem pública. Chegara a hora do desejado desfecho, do assassínio físico.


O relógio de parede batia a uma e meia. Perante o desespero de D. Beatriz, o cínico Olímpio assegurava o regresso do detido em segurança após rápida visita ao Arsenal. Porém, ignorou o pedido de palavra de honra.


Vestido à civil, o herói do 5 de Outubro seguiu na camioneta com os seus algozes. Num side-car, os redatores do “Imprensa da Manhã” acompanhavam-nos, e confraternizavam alegremente com os assassinos, eufóricos com a oportunidade jornalística.


Desceram pela Almirante Reis e pararam no Intendente, por avaria. Augusto Gomes, empresário teatral, foi mandado parar, tendo-lhe sido requisitada a viatura para “transportar um cadáver ao necrotério”.


Ao ver Machado Santos, o empresário percebeu o que se passava. Pediu para não matarem o almirante.


Dos doze marinheiros da comitiva, oito “valentes” dispararam sobre o herói do 5 de Outubro.


Porém, não seria a última vítima mortal da “ética republicana”, uma ficção criada por quem tem a consciência pesada.


Créditos a “Nobre Povo; os anos da República”, de Jaime Nogueira Pinto



Machado Santos

domingo, 29 de outubro de 2023

Rainhas que eram Reis

  

Rainhas que eram Reis


   Mouzinho da Silveira, liberal, monárquico, eminente reformador do século XIX, a propósito da naturalização do marido de D. Maria II - Augusto de Beauharnais - discutida na Câmara do Congresso na sessão de 28.01.1836, fez esta curiosa intervenção:


   “Sr Presidente, parece-me que este artigo deve ser completamente eliminado, porquanto o príncipe, pelo facto de casar com a Rainha fica sendo puramente uma pessoa de direito público, e por direito público é que se devem estabelecer as prerrogativas correspondentes às mulheres com que casam. O marido da rainha não é senão a mulher do rei, e é este o espírito de todas as leis do nosso país, aonde a rainha é, às vezes, reinante - rei - e não se entendiam os monumentos porque todos os adjetivos eram como se fossem do género masculino - por exemplo, diziam à rainha é - sábio -, é - virtuoso -, e não - sábia - e - virtuosa - enfim a rainha é uma pessoa eminentemente diferente das outras; porque é a Rainha de Portugal, e o marido que casar com a rainha fica sendo a - mulher do rei - pelo menos é esta a figura que faz em direito civil, e isto não é preciso declarar-se, porque no direito público lá tem todas as vantagens que lhe são inerentes - e isto é tão certoque quando ali fosse naturalizado, então também havia de ser consequentemente necessária a habilitação, porque na Carta que nós jurámos, se estabelece que nenhum estrangeiro possa ser cidadão português sem obter a carta de naturalização; e se ele tem necessidade…

(…) este artigo é inaplicável e deve ser eliminado; está é a minha opinião, pois isto não quer dizer senão que não carece ser naturalizado o marido da rainha ou a mulher do rei, como se quiser dizer.”


Mouzinho da Silveira 
Columbano Bordalo Pinheiro

Créditos: “Mouzinho da Silveira, Pensamento e Ação Política”

Peniche 29 de Outubro de 2023

António Barreto


sábado, 28 de outubro de 2023

Ética Republicana em Portugal (2)

 

Ética Republicana em Portugal (2)


Exultante o clarim da Guarda exibiu o sabre manchado do sangue de António Granjo, anunciando novas vítimas aos camaradas que impediam a saída do cadáver de Granjo para o Necrotério.


Com Abel Olímpio - o “Dente de Ouro” - e Manuel José Carlos no comando, a sinistra camioneta arrancou de novo, agora rumo a Santos.


O alvo era, agora, o Capitão de Fragata José Carlos da Maia, fundador da República e maçon - João Afonso, da loja Solidariedade de Lisboa.


Acusado de traição e cumplicidade no envio para África dos marinheiros rebeldes do 8 de Janeiro, Carlos da Maia fora deputado às Constituintes, governador de Macau e ministro da Marinha de Sidónio. E era era inocente.


Aresta Branco, um civil, era o Ministro da Marinha na época dos “crimes”. Carlos da Maia nem sequer fazia parte do Governo. A sede de vingança não compactuava com a verdade.


Constatada a ausência de Carlos da Maia do nº 13 das Janelas Verdes, os “justiceiros da república” arrancaram das mãos da ingénua Palmira Soares - criada da dona da casa que era também, madrinha de Berta Maia -, a nova morada do capitão-de-fragata, em Arroios, na Rua dos Açores nº 47, no 2º andar.


Maia, então com 43 nos, dizia à mulher - com quem casara no regresso de Macau e de quem tinha um filho, Francisco Manuel, de 6 meses - a sua pena por não terem casado mais cedo. Feliz, não suspeitava de que a sua vida estava a chegar ao fim.


Um ruído de botas e armas em atropelo fez-se ouvir na escada, dezena e meia de “valentes” entraram no apartamento, para, em nome da Junta Revolucionária levarem Carlos da Maia. Assim sentenciou o “Dente de Ouro”, afirmando não haver oficiais disponíveis para a detenção.


Berta Maia, chorou e suplicou, mostrando o filho, alguns marinheiros comoveram-se e queriam desisti mas o cabo não cedeu, mentindo duplamente ao afirmar ter sido deportado e que sua mãe morrera por via disso.


Berta, acusou-o de mentir e Maia, depois de sacudir o cabo quando este o tentara agarrar, decidiu acompanhá-lo para poupar a mulher, o filho e a criada, a enxovalhos. Num ato de complacência cínica, o “Dente de Ouro” convidou o capitão-de-fragata a despedir-se do filho.


Carlos da Maia, sem o supor, beija o seu menino pela última vez e entra na camioneta da morte sentando-se entre o motorista e Abel Olímpio.


Cá está o barbas de chibo”. É preciso liquidar este bandido, foi ele quem deportou os marinheiros!”, foi gritando Olímpio para a turba à chegada ao Arsenal.


O condutor, militar, combatente, depois de protestar recusando-se a ser cúmplice dum assassínio, prosseguiu a marcha sob ameaça de morte.


No túnel do Arsenal, ao cruzar-se com a viatura da Cruz Vermelha onde seguia o seu diretor - Afonso Ornelas - e o corpo de António Granjo, a camioneta pára, descendo Carlos da Maia.


Perguntou-lhe o capitão-de-fragata Luís Ramos a razão da sua presença. Dizendo desconhecê-la, Carlos da Maia foi de imediato insultado por um marinheiro, que, ameaçador, avançou na sua direção ante o seu olhar de indignação.


Levando a mão ao bolso simulando sacar da arma - que não tinha -, Carlos da Maia viu precipitar-se sobre si um bando de marinheiros que, barbaramente o agrediram à coronhada.


Caindo de borco na sala do telefone ao tentar escapar, José Carlos da Maia foi abatido com um tiro na nuca.


Cortês dos Santos e Carvalho Crato, oficiais da Junta Revolucionária, chegaram e repreenderam os assassinos


Estava consumado mais um ato da tenebrosa “ética republicana”.


José Carlos da Maia

A partir de: “Nobre Povo, os Anos da República” - de Jaime Nogueira Pinto

Peniche, 28 de Outubro de 2023

António Barreto

domingo, 15 de outubro de 2023

A Ética Republicana em Portugal

 

A Ética Republicana em Portugal

 

A Ética Republicana em Portugal


“-Vocês não têm o direito de me matar!”


A 10 de Julho de 1921 os liberais ganharam as eleições; os democráticos sofreram a primeira derrota em dezasseis anos e Salazar foi eleito, pela primeira vez, pelos católicos.


Vivia-se em intensa turbulência social; escândalos bancários, greves e assaltos. Proliferavam boatos disseminados pela imprensa afeta à várias fações políticas.


Consumada a queda de Barros Queirós por envolvimento no escândalo do Crédit d’Anvers, António Granjo forma governo - o trigésimo primeiro da República - tentando conciliar os partidos eleitos; o liberal, o democrático, o monárquico e o católico.


Na disseminação dos rumores incendiários destacava-se o Imprensa da manhã; acusava o governo de planear o desarmamento da GNR e da Marinha, corporações afetas ao Partido Democrático.


Liberato Pinto, demitido da GNR por irregularidades e aguardando julgamento, sob pseudónimo, alimentava as notícias com “documentos confidenciais”.


António Granjo, Republicano da primeira hora, íntegro, frontal e leal, que se batera contra as forças de Paiva Couceiro durante as incursões monárquicas e nas trincheiras da Flandres, era acusado de conservador, de traidor, de se ter vendido aos barões da economia.


Tudo servia aos derrotados políticos para incendiar a opinião pública; a presença do agricultor Palha Blanco na tomada de posse do Ministro da Agricultura, Aboim Inglês, bastou para o acusar de ter-se vendido aos agrários.


Conspirava-se abertamente; Camilo de Oliveira - demitido da GNR - na Pastelaria Bijou, Procópio de Freitas - o “Pau Real” - na Marinha. António José de Almeida - Presidente da República - alertava a população para a escravatura como consequência da anarquia.


Magalhães Lima - grão-mestre da Maçonaria fundou o Movimento de Salvação Pública a que se juntaram Jaime Cortesão, Ramada Curto, Cunha leal, Leonardo Coimbra e José de Castro.


A Maçonaria - sempre a Maçonaria -, a 15 de Outubro, fez um aviso público a António Granjo afirmando que as “provocações” da GNR não defendiam o povo dos interesses dos “grandes exploradores”.


A 30 de Setembro eclode uma intentona, rapidamente controlada. Vários oficiais da Armada, incluindo Procópio de Freitas, foram presos e soltos a 5 de Outubro. Liberato Pinto fora, entretanto, condenado.


Imprensa da Manhã, acusa Granjo de embirrar com jornalistas, republicanos - que odiava e perseguia - e marinheiros, esquecendo-se de que estes eram o melhor suporte da República.


A 19 de Outubro eclodiu a “esperada” revolução. A chefiá-la estava o coronel Manuel Maria Coelho, o capitão-tenente Procópio de Freitas, o ex-capitão da GNR Camilo de Oliveira e o Major Cortês dos Santos.


Apoiavam-se os conjurados nos subalternos, nos baixos escalões da Guarda e da Marinha; aqueles, insatisfeitos pelos rumores de desarmamento pelo Governo, estes, pelas humilhações sofridas após a derrota contra Sidónio. Era um movimento desgarrado, fragmentado, mas radicalizado pela propaganda mediática.


Às 5h e 30 da manhã, na Rotunda, a artilharia da Guarda deu as salvas de sinal seguidas pelas da Vasco da Gama, com que a Marinha assinalou a sua adesão à conjura.


António Granjo sem meios de resistência - a aviação da Amadora e a GNR recusaram-se a defender o Governo -, apresenta a demissão ao Presidente, que a aceita prontamente e declara finda a sua missão.


Perante os representantes civis e militares dos revoltosos - Jacinto Simões, Veiga Simões e Camilo de Oliveira - António José de Almeida recusa-se a reconhecer o governo revolucionário e resigna.


Já em casa Granjo foi visitado pelo vizinho Bernardino Simões, maçom, que o aconselha a refugiar-se e lhe ofere a sua casa para o efeito. Vira, na baixa, uma turba armada com más intenções.


Renitente António Granjo acaba por ceder e, acompanhado do amigo Simões, escapando à turba, foi refugiar-se em casa do “inimigo” Cunha Leal, que o recebeu de braços abertos.


A pronta denúncia de uma “zelosa” porteira conduziu o bando de revolucionário à casa de Leal, para levar Granjo. Aquele opôs-se com firmeza, mas nem a sua condição de capitão e deputado os demoveu.


Carvalho Santos e o capitão Agatão Lança, amigos de Leal, com conhecimentos na Junta revolucionária, viram frustrada a sua tentativa de intervenção desta em favor de Granjo.


Por esta altura uma multidão eufórica, e bem bebida, de revolucionários - guardas-republicanos, soldados, marinheiros e formigas -, comemorava a vitória, no Arsenal.


Pedia-se a cabeça de Granjo. Após alguma discussão saíu um grupo, comandado pelo guarda-marinha Benjamim Pereira, para efetuar a detenção do ex-Presidente. O “herói” da noite, o chefe efetivo do bando era o conhecido “dente de ouro”, o cabo Abel Olímpio.


Em casa de Cunha Leal, o bando, em nome da Junta, exigiu a entrega de Granjo para ser conduzido à fragata Vasco da Gama onde Procópio de Freitas o esperava. Bernardino Pereira - o guarda-marinha que na sequência da intentona de 30 de Setembro pedira a intervenção de Leal para não ser preso -, responsabilizou-se pela integridade física do detido.


Leal hesita mas aceita, exigindo acompanhar o “foragido”, temendo o pior. Já na rua, um dos exaltados revolucionários propôs aos camaradas “furar” Granjo ali mesmo. Optaram por embarcar e conduzir as vítimas ao Arsenal.


No Terreiro do Paço confrontaram-se com uma multidão armada de baionetas e pistolas que gritava pedindo a morte imediata do “malandro”. Perante a cobardia dos colegas o tenente Lopes Soares pôs-se ao lado dos dois prisioneiros, protegendo-os, e o valente Leal, enfrentava-os, referindo-lhes a participação de ambos na guerra contra os alemães.


Por toda a Europa Central, entre 1917 e 1919, tinham deflagrado conflitos idênticos. No verdadeiro espírito da luta de classes exaltava-se o terror como meio normal de persuasão dos inimigos de classe. O extermínio era o destino dos inimigos insubmissos.


Tinha sido assim na Rússia, na Alemanha, também na Itália e em Espanha onde tinham deflagrado guerras civis de baixa intensidade. O modelo era o mesmo em todo o lado; líderes da extrema-esquerda, intelectuais burgueses - Lenine, Trotsky, Liebnecket - seguidos por militares revoltados - subalternos ou soldados e marinheiros radicais - contra um corpo de oficiais burgueses de ascendência aristocrática.


A gente da rua - a “canalha” - fazia o trabalho sujo. Fora assim no 5 de Outubro e no 14 de Maio, na repressão aos monárquicos e aos padres e na vandalização dos jornais conservadores; mas também no 5 de Dezembro, contra Costa, e depois no assalto a Monsanto.


A comitiva parou no pátio do Arsenal onde, perante os holofotes dos navios de guerra, e os urros da multidão enfurecida, desceram e os prisioneiros foram separados. Leal, empurrado para a rua foi interpelado e atingido, de raspão no pescoço, pelo “valente” sentinela.


Valeu a Leal, mais uma vez, Benjamim Pereira, que, com outros marinheiros desarmaram o patife. Mesmo ferido, Leal foi à procura de Granjo, que, refugiado na casa da guarda, amarrotado, pisado, enxovalhado, ao vê-lo ferido ficou estarrecido.


Regressou então a turba enfurecida, separando os prisioneiros, determinada a impedir a condução de Leal ao Hospital. Desta vez foi o tenente Agatão Lança que os enfrentou e que, apesar das armas em riste, abriu passagem à força seguindo de automóvel para o hospital de São José.


Aqui, Cunha Leal pediu a Agatão para o deixar e ir salvar António Granjo.


No Alfeite, o ex-Presidente do Conselho António Granjo continuava no pequeno aposento interior do 1º andar da casa da guarda onde alguns oficiais faziam guarda na escada de acesso.


Afonso Macedo tentou parar a turba, furiosa, descontrolada, que vinha em busca de Granjo. Os amotinados responderam-lhe com tiros, um dos quais lhe passou rente à cabeça.


Afastando os oficiais que tentavam chamá-los à razão, os “corajosos” republicanos seguiram em busca de Granjo, que se refugiara no quarto 3.


-Estavas aí? Oh…! Salta cá para fora!


- Vocês não têm direito de me matar!” respondeu o ex-Presidente numa última tentativa de os parar.


- Desce os degraus!”, gritaram-lhe. Resignado, António Granjo avançou destemido para a morte certa:


-Aqui me tendes. Matai-me. Matais um republicano.”

Atingido por uma saraivada de balas, já no chão, ainda foi desfigurado com uma coronhada no queixo desferida por um dos “valentes” republicanos.


O clarim da guarda, que chefiava a turba, enquanto a custo, retirava o sabre que espetara no peito do moribundo, exclamava, eufórico, com o sangue a correr em borbotões:


“-Vejam de que cor é o sangue do porco!”


Quando Agatão Lança, com Jacinto Simões, voltou ao Arsenal, tudo estava consumado:

-Um ainda o Sr tenente salvou, agora o outro...mataram-no!”


O nobre tenente regressou a São José onde deu a triste notícia a Cunha Leal:


“-Mataram o Granjo?” Perguntou o capitão.


“-Infelizmente…”


E ali choraram, abraçados, o homem bom que não tinham podido salvar.



A partir de; “Nobre Povo, Os Anos da República” de Jaime Nogueira Pinto.



António Joaquim Granjo


Peniche, 15 de Outubro de 2023

António Barreto


sábado, 23 de setembro de 2023

Os Puros e os Ímpios


 Os Puros e os Ímpios


O conceito de povo escolhido, povo eleito por Deus para salvação da humanidade, é geralmente atribuído aos Judeus. O seu passado de escravatura e perseguição, espécie de expiação santificadora, continua a sensibilizar o comum dos mortais.


Outros povos, como por exemplo, os eslavos e os germânicos,Os têm a mesma visão de si próprios – ver em Hannah Arendt em As origens do TotalitarismoPor esse mundo fora não faltam casos semelhantes. Agostinho da Silva pensava algo parecido a respeito de Portugal e dos portugueses, o desígnio divino do quinto império, ideia, creio, com origem no pensamento do Padre António Vieira.


Em todas as épocas, em todas as geografias, em todos os regimes, com ou sem contornos celestiais, encontramos fenómenos derivados; gente, maioritária ou não, que se considera detentora da verdade e do dever, divino ou cívico, de a impor aos outros, pela persuasão da força, da astúcia ou da retórica.


A tentação dos poderes de cada momento é de impor aos “ignaros”, aos “súbditos”, aos “pobres de espírito” a sua visão da história, do mundo e da via para a “Terra Prometida”; algo que sempre sucederá num futuro longínquo, tão longínquo que nenhum dos contemporâneos o poderá testemunhar.


Tal, porém, não é exclusivo dos regimes totalitários revolucionários - Rússia e Cuba -, paradoxalmente também se verifica nos democráticos onde as leis, geralmente, acabam por refletir, não os interesses e preocupações do povo, mas os dos partidos maioritários, dos seus dirigentes, dos interesses económicos e sociais que gravitam à sua volta e os sustentam.


Pior ainda, boa parte dos partidos inspiram-se e vinculam-se a organizações internacionais externas adotando as respetivas ideologias e estratégias que procuram impor, gradualmente, às respetivas populações através da demagogia e do assistencialismo.


De facto, quer Hitler, quer Hugo Chávez ou Erdogan - e, em minha opinião, mais recentemente, Lula da Silva -, chegaram ao poder pela via democrática, tendo instituído - no caso do Brasil ainda no início - ditaduras que as respetivas populações, por si só, foram ou são incapazes de reverter.


O Nazismo, fundado no conceito da superioridade racial germânica, da sua raiz ariana, perdura ainda, na mente das gerações atuais, pela desumanidade que o caracterizou, pela ameaça real que representou para a Europa e para o Mundo, mas também por ser o mais conhecido das massas, graças à propaganda decorrente da vitória militar ocidental.


As comunidades judaicas foram as suas principais vítimas. Anna Arendt no seu livro “As Origens do Totalitarismo”, refere que, em caso de vitória alemã, outros vítimas se seguiriam, paulatinamente, gradualmente; os povos eslavos - povos de origem russa que compreendem hoje os países escandinavos, Polónia, Bulgária, Hungria, Eslovénia, Sérvia, Macedónia e Croácia -e até os os cidadãos germânicos com doenças crónicas - a fazer lembrar a solução preconizada por Sócrates, na sua República, para os doentes incuráveis.


Parte desses planos relativa ao extermínio dos povos não germânicos, principalmente dos eslavos, pode ser encontrada no “Bréviaire de la Haine”, de Léon Poliakov, Paris, 1951, cap. 8. Um projeto de lei de saúde do Reich, escrito pelo próprio Hitler, mostra que a máquina de destruição Nazi não se teria detido nem mesmo diante do povo alemão. Neste projeto ele propõe “isolar” do resto da população todas as famílias que tenham casos de moléstias do coração ou do pulmão sendo que o próximo passo nesse programa era, naturalmente, a liquidação física. Este e vários outros projetos preparados para depois da vitória estão numa circular aos chefes distritais,,,.Neste contexto, há ainda planeada a promulgação de uma “legislação global quanto a estrangeiros”, por meio da qual a “autoridade institucional” da polícia promoverá o embarque para os campos de concentração de pessoas inocentes de quaisquer crimes, desde que consideradas de algum modo “estranhas”…. (anotações em “As Origens do Totalitarismo, de Anna Arendt).


Se, no caso do nazismo a seleção populacional radicava na pureza da raça, no caso soviético centrou-se na pureza ideológica e no culto do poder paternalista e totalitárioSão conhecidas as sucessivas purgas com que Estaline, implacavelmente, aniquilou todos os pares e correligionários que, de alguma forma lhe poderiam disputar o poder.


...Segundo W. Krivitsky, cuja excelente fonte de informações conficenciais é a GPU: “Em lugar dos 171 milhões de habitantes estimados para 1937, apenas foram recenseados145 milhões; assim, desapareceram 30 milhões de pessoas na URSS.” Como se sabe, só a liquidação dos kulaks no início dos anos 30 havia custado perto de 8 milhões de vidas humana. (anotações em “As Origens do Totalitarismo”, de Anna Arendt).


Em todas as épocas, em todos as geografias, com mais ou menos violência não faltam culturas, ideologias, que dividem o mundo entre puros e impuros. Jesus, tanto quanto sei, foi o primeiro grande doutrinador a suprimir este conceito, a divisão das pessoas entre fiéis, blasfemos, gentios e iníquos, pregando a igualdade de todos os seres humanos perante Deus.


Porém, paradoxalmente, foi a sua própria Igreja, quem, durante séculos, desde tempos imemoriais, perseguiu, com violência extrema, os “impuros”; entre eles os cristãos que, de algum modo desrespeitavam os padrões definidos no Concílio de Niceia, de que a Santa Sé, foi zelosa guardiã.


Em Portugal todos nos lembramos da infame perseguição e expulsão dos Judeus e Cristãos-Novos, iniciada no século XV - A Santa Inquisição, fundada em 1184 só foi extinta em 1842. Mas também da feroz perseguição, nos séculos XVIII - Marquês de Pombal - XIX - regimes liberais - e XX - 1ª República - aos Jesuítas e aos eclesiásticos da Igreja Católica, regular e irregular.


Assim, o desaparecimento de arquivos, manuscritos, livros e instrumentos científicos, cuja existência e uso estão documentados, não terá ficado a dever-se só ao Terramoto ou à incúria, mas a uma estratégia deliberada do Marquês.

Mil e cem jesuítas são então expulsos do reino e mandados para os Estados papais. E aqueles que tinham particular influência na corte e na sociedade, metidos nas masmorras. Ou condenados à morte, como o padre Malagrida, queimado no Rossio em 1761.Os missionários do Brasil são trazidos para a metrópole, alguns morrem na viagem, outros vão também ficar a ferros.

O resto da Europa católica seguiu o exemplo português….Mais de cinco mil sacerdotes expulsos e embarcados à força para os Estados papais e duzentas e cinquenta casas, residências e colégios fechados, foi o balanço.


...Identificados com a reação e com as classes dominantes os religiosos eram os bodes expiatórios das revoluções. Na Comuna, em Março de 1871, vinte e quatro eclesiásticos, entre eles o arcebispo de Paris, monsenhor Darboy, foram sumariamente fuzilados.

...Muito do anticlericalismo e do anticatolicismo dos republicanos portugueses vem desta linhagem. A França era, e iria ser por muitos anos, a fonte da cultura política da esquerda Portuguesa.


...Em 28 de Maio de 1834, Joaquim António de Aguiar publicara um decreto em que extinguia em Portugal Continental e nos domínios portugueses todas as ordens religiosas, o que lhe valeu a alcunha de “Mata-frades”.

...Em 1910, quase um século depois, a situação repetia-se. Com a sua retórica humanitária, os republicanos queriam salvaguardar as aparências, mas Afonso Costa era decidido e despachado: manda fechar os conventos e arrolar-lhes os bens. Quanto aos Jesuítas, os inimigos de estimação, as suas casas e residências são invadidas por revolucionários civis, polícias e soldados, que prendem como criminosos os inacianos e os escoltam para Lisboa….A República não deixa os créditos da modernidade por mãos alheias: os padres são também objeto de testes antropométricos, de acordo com as regras de Lombroso, para comprovar cientificamente as suas “tendências criminosas inatas”.


...Para a laicização integral da vida pública e social, proibiram-se então os religiosos e sacerdotes de usar as suas vestes em público. “devendo o (infrator) ser preso pelas autoridades e podendo sê-lo por toda a pessoa do povo em flagrante delito”. Na mesma linha, foram retirados os crucifixos dos edifícios público, os nomes de santos dos quartéis e fortificações, abolido o juramento religioso, proibido o culto na capela da Universidade de Coimbra e fechados os cursos de Teologia e Direito Eclesiástico. E acabou-se, evidentemente, com a formação religiosa nas escolas. Escrevia então António José de Almeida:

A República libertou a criança portuguesa, subtraindo-a à influência jesuítica, mas precisa agora de a emancipar definitivamente, de todos os falsos dogmas, sejam os de moral ou de ciência…. A religião foi banida da escola. Quem quiser que a dê à criança no recato do lar, porque o Estado, respeitando a liberdade de todos, nada tem com isso.”


...O padre Fragues, confessor da rainha, morto a tiro e à coronhada na casa dos Lazaristas, fora uma vítima simbólica, na aurora da revolução. Nos primeiros dias, o poder republicano usara o pretexto de proteger os religiosos da fúria popular para os prender e expulsar do país. E não fora difícil: bastara ressuscitar a legislação antijesuítica e anticongregacionista, de Pombal, Joaquim António de Aguiar e Anselmo Brancamp. Foi o que fez Afonso Costa. Não era preciso inventar nada.


...António Macieira, digno continuador de Afonso Costa, prosseguiu com as deportações dos bispos, as sanções contra os párocos reacionários e o confisco dos bens da Igreja. Para demonstrar o apoio popular às medidas anti-religiosas, uma vasta frente de “organizações cívicas” - liderada pela Associação do Registo Civil, promove, na tarde de 14 de Janeiro de 1912, uma manifestação. A iniciativa contou com dezenas de agremiações, da filarmónica dos Alunos de Apolo à Liga das Mulheres Republicanas, da Carbonária às Associações de Logistas.

O espírito da convocatória estava todo na mensagem e nas palavras de ordem da manifestação: “Da subjugação completa do clericalismo depende o triunfo definitivo da República.”


...”O povo, que assiste à passagem do cortejo, aplaude” (em “Nobre Povo, os Anos da República” de Jaime Nogueira Pinto)


Não tenho ilusões quanto à moderação e tolerância atuais. É fácil descortinar os herdeiros políticos da ala extremista do Partido Democrático. O radicalismo anticatólico e marxista, continuam bem vivos nos alegados defensores da “igualdade” e das minorias, que, pacientemente, passo a passo, vão esgravatando, desestabilizando, desagregando, fomentando a desarticulação económica e social, dividindo a população, hostilizando os “talassas”, à espera do momento oportuno para a grande viragem, apoiados por estruturas do Estado controladas por correligionários infiltrado


Soldados dividindo as vestes de Jesus

Peniche, 23 de Setembro de 2023

António Barreto