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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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terça-feira, 31 de março de 2020

No Segredo dos Deuses (últimas notas)



                         (Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986) 

Geoestratégia soviética:

   Jean-François Revel em Comment les democraties finissent refere que, entre 1970 e 1980, os soviéticos, instalaram-se em África, na Ásia do Sudeste, na Ásia Central, na América Central, no Próximo Oriente e nas duas margens do Mar Vermelho. O grande jogo do nacional-comunismo operava em dois palcos principais, o euro-asiático e o americano.

   Os Estados Unidos, apesar de detentores de meios materiais invulgares, carecem de experiência, imaginação e continuidade, e do afeto que, por ingenuidade, procuram obter dos outros: “amam-se os pequenos, raramente os gigantes”.

   Com uma fronteira de três mil quilómetros a sul, com o México pobre e sobrepovoado - atualmente com 129 milhões de habitantes - dificilmente os EUA a conseguirão defender. O plano foi delineado há muito pela URSS; Cuba como agitador, América central como detonador e México como bomba.

   Outros riscos ameaçam a estabilidade futura dos EUA; doze a quinze milhões de pessoas ilegais - se organizadas (algo que parece ocorrer atualmente) poderão formar a quinta coluna -, falta de bilhete de identidade nacional, a não imposição do idioma inglês e chegada maciça de hispânicos - que um dia reclamarão o regresso aos territórios dos seus antigos proprietários.

   Quanto à Europa, diz Alexandre de Marenches que deve aprender a defender-se por si só, sem a muleta americana; um dia, os americanos farão regressar as tropas que lá têm estacionadas para defender a sua fronteira a sul. Tal era parte do plano soviético (que alguém parece ter posto em marcha atualmente). Porém, o abandono pelos EUA da defesa da Europa, em especial das ilhas britânicas e Marrocos, seria um desastre para os americanos (na verdade, o abandono de África aos soviéticos, está a revelar-se fatal para o Ocidente).

Propostas para a defesa do Ocidente:

   Finalmente, o conde Alexandre de Marenches, ex-chefe dos SDECE franceses, esquematiza o que, à época, seria uma estratégia de defesa militar do Ocidente:
o   Constituição de um Estado-Maior supremo interaliado, de guerra global, pluridisciplinar, militar e civil pronto para responder em todas as ameaças.
o   Constituição de um exército Europeu equipado conforme ao modelo americano, composto por armas nucleares, um corpo para o teatro Europeu, uma força expedicionária para os teatros externos e um exército de milícia do tipo suíço. Defesa civil e proteção da população, uso das armas ideológicas junto das populações dos países inimigos - “as palavras e as ideias são a tropa de choque da guerra revolucionária” (Suzanne Labin) -, e ajuda em tempo de paz aos que se batem pela liberdade, a exemplo de Savimbi.

   Propunha, veementemente, uma aliança estratégica com os países do Magreb - Marrocos, Argélia e Tunísia -, “para que este não venha a ser um dia inimigo é preciso que seja complementar da Europa”. O lado Europeu contribuiria com alimentos, capitais e tecnologia, o lado africano com os grandes espaços, a mão-de-obra e o sentido do sagrado.

   Em caso de guerra – invasão das forças do extinto Pacto de Varsóvia pelo norte, a Península Ibérica e o Magrebe constituiriam o último bastião europeu. Exemplificou com um acontecimento histórico curioso, e pouco conhecido do grande público, ocorrido em Outubro de 1940 entre Franco e Hitler em Hendaia, nas margens do rio Bidassoa: Com Hitler no auge do poder, Franco recusou-lhe passagem para o Norte de África lembrando-lhe que Napoleão perdera mais soldados em Espanha do que na Rússia.

   Finalmente, sugeria a retirada do N do acrónimo NATO, naturalmente na sequência do alargamento o campo de ação daquela organização militar ao Atlântico Sul.


Peniche, 07 de Março de 2020
António Barreto

domingo, 29 de março de 2020

No Segredo dos Deuses


 (Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986) 
Convergência aristocrática:

   Alexandre de Marenches descendia duma casa aristocrática, dos tempos do Franco-Condado, que trocava correspondência com Carlos V, Filipe II e Carlos I - o Temerário -, Duque de Borgonha. Este facto aproximou-o do Rei Juan Carlos, descendente daqueles monarcas, estabelecendo-se uma grande amizade entre ambos.

   Numa das tertúlias em que o monarca espanhol fez referência aos problemas dos jovens, o Conde atribuiu-os ao aborrecimento decorrente da falta de causas, aventuras e grandes obras, adiantando a ideia, do agrado do monarca, de que a construção duma via fixa de comunicação entre as duas margens do estreito de Gibraltar, ponte ou túnel, seria motivadora para a juventude de ambos os lados.

Ocidente, esperança e fragilidades:

   A esperança das democracias parlamentares ocidentais residiria no facto de o rácio migratório entre a Europa Ocidental e o bloco soviético se ter cifrado na ordem de um para um milhão; por cada europeu que passou para o lado soviético, um milhão teria feito o caminho inverso. Acresceria que, enquanto o povo pode desembaraçar-se duma ditadura de direita, jamais o conseguirá fazer relativamente a um regime comunista.

   Após quarenta anos de observação de conflitos internacionais, Alexandre de Marenches afirmava viverem-se então tempos excecionalmente perigosos. Estaria em curso uma guerra total, multiforme e policromática, devendo desconfiar-se dos que o negassem. Uma guerra psicológica, especialmente grave se negligenciada, poderia vencer o Ocidente face à descrença geral da população e à determinação dos seus inimigos.

   Houvera uma espécie de inversão na estratégia da guerra; da conquista do terreno para a submissão do homem, passou-se para a conquista do homem através da mente e daqui para o domínio do terreno. O método é o da “velha” técnica da subversão - “a maior astúcia do diabo é fazer crer que não existe”. Dificilmente se pode combate-la. E quem o fizer é imediatamente apelidado de fascista. Fica-se desarmado perante os “mitos incapacitantes” inventados. A técnica é a da infiltração; na comunicação social, no clero, na escola e na universidade.

   No passado remoto o acesso ao poder obtinha-se controlando a Igreja (as almas), no século XIX controlando a instrução (os cérebros), à época, controlando o audiovisual (universidade). Contrariamente ao que sucedia nos países do Leste, na Europa, o amor da pátria e do trabalho foi substituído pela permissividade, indisciplina, desprezo pelas virtudes antigas, obsessão por paraísos artificiais; em suma verificou-se uma inversão de valores, que enfraquece o Ocidente face ao “soldado político” movido por uma crença, uma fé, característico dos seus inimigos comunistas ou islâmicos.

   Citando Soljenitsyne: “Não são as dificuldades de informação que constrangem o Ocidente, mas a ausência do desejo de saber. É a preferência dada ao agradável sobre o penoso. É o espírito de Munique, o espírito de condescendência e de concessão, ilusões medrosas de sociedades de homens que vivem no bem-estar que perderam a vontade de se privar, de se sacrificar e de mostrar firmeza”.

   Prognosticando um inevitável conflito sino-soviético no século seguinte - XXI - o “velho” aristocrata considerava a zona do próximo e médio Oriente a de maior risco de conflitualidade, cuja intensidade dependeria dos “ventos” que soprassem de Moscovo.

   Em 1986 - data da entrevista subjacente a estas notas - Alexandre de Marenches, considerava a União Soviética a principal ameaça ao Ocidente; o férreo controlo de fronteiras, o sentido de patriotismo da respetiva população disponível para o sacrifício pessoal, a sua estratégia global com regiões de influência bem definidas trabalhadas por interpostos líderes locais doutrinados e suportados politicamente, economicamente e militarmente, contrastava com a obsessão do progresso económico e social das “democracias moles” do Ocidente onde os cidadãos, ciosos do seu bem-estar, tinham esquecido o sentido patriótico, e onde a alternância governativa impedia a acumulação de conhecimento e sistematização da ação.

     Apesar da pertinente caracterização sociopolítica dos dois blocos e da extraordinária experiência oficial e oficiosa de quatro décadas, Alexandre de Marenches, tinha deixado escapar algo essencial que lhe não permitiu prever o que sucederia em 1989 - queda do muto de Berlim - e em 1982 - implosão do regime soviético, fruto das dinâmicas sociais e económicas e políticas internas e da impossibilidade de acompanhamento do progresso tecnológico americano em matéria de armamento.

   Como está demonstrado hoje a desagregação soviética não arrastou consigo o fim do socialismo, este prosseguiu a partir dos espaços geográficos influenciados - especialmente afro-asiáticos - e grupos políticos Ocidentais indisponíveis para abdicar dos seus projetos de poder apesar de cientes do provado fracasso da ideologia socialista. Hoje a ONU, longe dos princípios fundadores da Sociedade das Nações, graças à matriz política da maioria dos países que a compõem, prossegue, ao seu estilo aparentemente altruísta, os desígnios políticos da extinta União Soviética.
 
 
Alexandre de Marenches
Peniche, 7 de março de 2020
António Barreto

Da República

  
  "Pérola":

"" O Partido Democrático é hoje uma agência de negócios em vésperas de falência fraudulenta." Não seria apenas o Partido Democrático a falir em maio de 1926, mas todo o regime liberal."

   Em "História Política e Contemporânea , Portugal 1808-2000.

    Os comentários acima, de José Domingos dos Santos, nas vésperas do 28 de maio, e Paulo Jorge Fernandes coautor da obra referenciada, parecem aplicáveis ao momento político que se vive em Portugal em 2020, substituindo Partido Democrático por Partido Socialista e regime liberal por "socialismo democrático". 
 
Afonso Costa em março de 1921
 
Peniche, 29 de Março de 2020
António Barreto 

sábado, 28 de março de 2020

No Segredo dos Deuses

          
             (Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)

O Terrorismo:

   Quanto ao terrorismo, Alexandre de Marenches destaca os campos de treino na Líbia, na Síria e no Iémen do Sul. Refere que o terrorismo não inventa causas, serve-se das que existem, como por exemplo, dos arménios contra os turcos em retaliação pelo genocídio que estes, em 1915, cometeram contra aqueles. Surpreendentemente, revela que a Líbia era o grande financiador do IRA e um elemento dos canais de financiamento, que compreendiam grupos separatistas do Quebec, do IRA e da Bretanha.

   Advogava Marenches que o combate ao terrorismo se deve fazer de forma global visto que é uma espécie de doença internacional. Exemplos disso foram os casos do terrorismo Basco e do Exército Revolucionário Vermelho Japonês cujas ações poderiam ter sido limitadas se tivesse havido colaboração entre os serviços secretos de Espanha, da França e da Holanda. As práticas do Exército Vermelho Japonês consistiam em atar a vítima a uma árvore e retirar-lhe a pele em tiras, da cabeça aos pés, e esquartejar os traidores.

   Lord Mountbatten, ignorando, displicentemente, o aviso do espião gaulês, não escapou ao atentado, ocorrido na Irlanda, em 27 de Agosto de 1979, ao seu iate, onde um dos seus netos perdeu a vida e outros familiares ficaram feridos.

   Sobre o atentado a João Paulo II, Alexandre de Marenches soube que iria ocorrer e conseguiu avisá-lo através de um eclesiasta francês. O Santo Padre, confiante de que a sua sorte estava nas mãos do senhor, não tomou quaisquer precauções particulares. E o atentado ocorreu. Ali Agca, o seu autor, não passou de um instrumento ao serviço da União Soviética. Não era do interesse desta um papa não marxista, conhecedor do mundo comunista. Apesar de falhado, o atentado debilitou o Santo Padre, que, a partir daí teve um forte declínio físico.

   O terrorismo na Europa procura desmembrar os países que a compõem a fim de impedir a formação da Grande Europa, beneficiando da permeabilidade das suas fronteiras. A origem do terrorismo não está na Europa nem no Médio Oriente; os primeiros terroristas contemporâneos foram os Tupamaros do Uruguai.

   Há um certo romantismo nas causas do terrorismo que fascina o terrorista como uma espécie de droga, e suscita admiração nalgumas pessoas. O fanatismo religioso é uma via privilegiada para o recrutamento dos terroristas, os quais, doutrinados, encaram a morte como uma espécie de libertação para o além paradisíaco.

A expansão xiita:

   A expansão do xiismo, maioritariamente concentrado no Irão, era apontado como um risco para a União Soviética (sendo hoje uma das principais causas do terrorismo no Ocidente). No entanto, surpreendentemente, os soviéticos infiltraram a estrutura eclesiástica iraniana, acabando descobertos e saneados ou fuzilados.

O ativismo ecologista:

   Alexandre de Marenches, já retirado, advoga a necessidade de um Conselho Nacional de Segurança com a finalidade de coordenar os serviços entre os vários ministérios, dando-lhe coerência e eficácia. Atribui à democracia, concretamente à incompatibilidade partidária, a ausência de progressos. O semiamadorismo dos Serviços teria sido a causa do escândalo da ONG Greenpeace ocorrido em 19 de Agosto de 1985 - sabotagem da sua embarcação Rainbow Warrior num porto da Nova Zelândia na qual faleceu o fotógrafo português Fernando Pereira, em retaliação pelos protestos que fazia aos testes nucleares que a França realizava no atol da Muroroa -, que provocou grande turbulência diplomática entre os dois países e acabou por custar três anos de prisão a dois operacionais franceses.

   Neste tipo de ONGs de protesto, sendo, muitas delas, fundadas por gente bem-intencionada, logo que ganham alguma relevância são infiltradas por operacionais ao serviço de Moscovo que acabam por subverter os princípios da fundação do organismo, manipulando-o em conformidade com o seu interesse estratégico (pratica do PC português desde os primórdios).
 
Alexandre de Marenches
 
Peniche, 7 de Março de 2020
António Barreto

quinta-feira, 26 de março de 2020

No Segredo dos Deuses


             (Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)

A instrumentalização soviética:

   Na luta insana pelos recursos do planeta os soviéticos privilegiavam o recurso a intermediários para travarem as suas lutas a troco de proteção. No continente americano, desde o Canadá à Terra do fogo - Margem norte do Estreito de Magalhães -, tal missão cometia a Fidel Castro - cuja administração dependia do financiamento vermelho -, em África, para a região do Magreb e até ao sul de Angola, o “mandatário” era Kadhafi, o qual, além de gozar de autonomia económica - devido ao petróleo -, comprava armamento e serviço técnico aos soviéticos - que pagava a pronto e em moeda forte. Na Ásia essa tarefa era desempenhada pelos veteranos de Hanói.

   Exceção foi o Cambodja, em que os sanguinários Khmers vermelhos eram apoiados pela China - fedelhos, armados de kalachnikov, saídos das florestas, exterminaram cerca de um quarto da população da cidade, fazendo jus a um dos lemas da Revolução francesa segundo o qual “a revolução não precisa de sábios”.

   O interesse Ocidental em liquidar Kadhafi vem desta época - em 70 houve atentados egípcios contra ele -, acabando por se concretizar na guerra civil de 2011. Curiosamente, Alexandre de Marenches explica a falta de ação dos americanos nestes casos - assassinato dos seus inimigos -, com razões de ordem moral e falta de pessoal qualificado na CIA.

   A administração Cárter dizimara os recursos humanos dos serviços secretos americanos, facilitando a vida aos seus inimigos. Conta-se um episódio em que, tendo-lhe sido proposto, por iniciativa dos serviços secretos franceses, o sequestro de Khomeini, para moeda de troca com os americanos sequestrados na embaixada de Teerão, Jimmy Carter recusou, respondendo que não se fazia isso a um bispo e, sobretudo, a um homem daquela idade. Nos Estados Unidos a Lei constitucional proíbe o assassinato em nome da razão de Estado.

Em plena III Guerra Mundial:

   Para o ex-chefe dos SDECE, a terceira guerra mundial começara muitos anos antes desta entrevista - realizada em 1986 - resumindo-se aos múltiplos conflitos armados locais e ao terrorismo, que visam o acesso às matérias-primas e o controlo psicológico das populações.

   A falta de perceção geral desta realidade dever-se-á à ausência do padrão das guerras clássicas. Por outro lado, não deveria temer-se o risco de conflito atómico em larga escala pela simples razão de que a união soviética, o grande promotor do terrorismo internacional - “a violência é a parteira da História, dizia Lenine” -, estaria interessada em controlar os meios de produção industriais e tecnológicos do Ocidente e não em destrui-los.

   Já então, o “nosso” Marenches tinha percebido que uma Europa alargada à Europa de Leste era inconveniente ao bloco soviético, dado o elevado poder económico resultante, superior ao dos próprios Estados Unidos. (A “invasão” de imigrantes afro-asiáticos a que assistimos hoje, pode estar relacionada com o plano de desagregação da Europa, congeminado nos “bons” tempos da URSS, e, coincidentemente, do interesse dos EUA).
 
Peniche, 7 de Março de 2020
António Barreto

domingo, 22 de março de 2020

No Segredo dos Deuses

              (Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)


O Médio-Oriente:  

   O Médio-Oriente - do Paquistão ao norte do Iraque, mediterrânio e Somália - de que fazem parte dois dos maiores produtores mundiais de petróleo - Irão e Arábia Saudita -, tem uma relevância geoestratégica de que resulta permanente disputa entre as potências económicas mundiais.

   O incontestado domínio histórico anglo-americano - britânicos no Irão e Iraque e americanos na Arábia Saudita - deu lugar a um complexo jogo político de bastidores, envolvendo, paralelamente, negócios de armamento entre países Ocidentais e a URSS (Rússia) por um lado e as potências regionais por outro.

   Numa Europa anémica, incapaz de resistir à chantagem das potências dominantes, onde cada membro fazia os seus negócios esconsos, o Ocidente, em especial a França, apostava no Iraque apesar do envolvimento deste no financiamento do terrorismo internacional.

   Com uma história excecionalmente rica - berço da História -,o Iraque, possuidor de abundantes recursos minerais, petróleo e água - rios Tigre e Eufrates -, objeto de sucessivas disputas territoriais seculares, proporcionava ao Ocidente algum equilíbrio estratégico face à influência que, á época, a URSS tinha na região. Por outro lado, enquanto governado pela fação sunita, o Iraque funcionaria como tampão às aspirações expansionistas xiitas a partir do Irão, constituindo uma ameaça ao Ocidente desestabilizando a NATO a partir da Turquia.

   Na sangrenta guerra Irão-Iraque para a qual Saddam Hussein - “homem sólido, duro, com grandes qualidades”, considerava Alexandre de Marenches - foi encorajado, por erro de análise do departamento de informação francês, verificou-se o paradoxal apoio dos israelitas à causa de Teerão consubstanciado no fornecimento de armas. Quanto ao Ocidente, incluindo Portugal, fornecia armamento a ambas as partes!

   Testemunho do anacronismo e barbaridade do regime dos Ayatollas - o Irão, à época, tinha cerca de oitenta mil membros do clero, entre Ayatollas (bispos) e mollás (padres), disseminados por todo o país, em cidades, aldeias e departamentos -, são as “crianças sapadoras”. O exército iraniano usava crianças para a desminagem do terreno! Alexandre de Marenches visitou, no Iraque, um campo destes jovens prisioneiros; meninos sem pernas e, ou, sem braços, decepados na tenebrosa missão de fazer explodir minas ocultas. Caminhar sobre os cadáveres dos meninos constituía garantia de segurança para os militares iranianos!

   A Inépcia americana:

   A República Islâmica do Irão, hoje uma das maiores causas da instabilidade regional e internacional, é o resultado da ostensividade e inépcia da administração Cárter que decidiu derrubar a monarquia autocrática de Mohammad Reza Pahlavi - a dinastia Pahlavi teve início em 1925, na sequência do golpe de 1921 de que resultou a deposição de Amade Xá Cajar e a subida ao trono de Reza Xá Pahlavi por sua vez deposto e exilado pelos aliados (que detinham o controlo total da exploração petrolífera no Irão), por se recusar a expulsar os alemães que, no passado, tinham dado precioso contributo à modernização daquele país - e substitui-la por uma democracia do tipo ocidental de cariz socialista (Jimmy Carter era um democrata).

   A administração Cárter revelou um total desconhecimento do caráter tenebroso do integrismo muçulmano xiita liderado pelo radical ayatola, Ruhollah Musavi Khomeini, exilado - no Iraque de 1963 a 1978 e em Paris, de 1978 a 1979 - pelo Xá Pahlavi, que decidiu poupar-lhe a vida.

   Beneficiando da complacência iraquiana e francesa, o ayatola desenvolveu intensa propaganda revolucionária a partir de Berlim Oriental, onde estava instalado o quartel-general do partido comunista clandestino iraniano - “Toudeh” -, que gravava os seus discursos apelando à revolta popular e à deserção dos militares, e que, depois de copiados, eram distribuídos profusamente pela população iraniana.

   Para ilustrar a causa da proliferação da subversão revolucionária no Irão, Alexandre de Marenches estabelece uma curiosa comparação entre a ditadura e a autocracia; enquanto o ditadura elimina os dissidentes a autocracia tolera-os. Foi o caso do Xá Reza Pahalavi e foi a causa última do fim do seu reinado. A educação que o Xá recebera na Europa e o confisco de terras que fizera ao clero - incluindo as do ayatola Khomeini - e que distribuíra pelos camponeses - constituíram causas da tolerância daquele e do ódio implacável deste.

   Magro, franzino e tolerante, contrariamente ao seu pai, um gigante a quem “ninguém ousava mentir”, ao Xá Reza Pahalavi “ninguém ousava dizer a verdade”. Confrontado com os planos de deposição da administração Cárter revelou-se incrédulo e confiante no reconhecimento Ocidental da importância estratégica do seu reinado. Detentor de um poderoso exército, este garantia a estabilidade na região.

   Infelizmente, nem nos EUA, nem na Europa, se fazia a menor ideia de que, entre a população iraniana, havia pessoas que viviam como os europeus do século XI! Nem a CIA nem a SAVAK – respetivamente os serviços secretos americanos e iranianos - se haviam apercebido da convulsão social em marcha. A ânsia de modernização do Império iraniano levara o monarca a cometer certas imprudências que se revelaram fatais.

   Já com a revolução em marcha em Teerão, confrontado com a turbulência popular em curso, o monarca afirmou perentoriamente que jamais, em circunstância alguma, mandaria abrir fogo contra o seu Povo. Alexandre de Marenches compara Mohammed Reza Palavi, ao Czar Nicolau II e a Luis XVI, vencidos pela própria fraqueza pessoal.

   Jimmy Cárter, o inefável, enviou um seu emissário - general Hauser - num périplo aos quartéis iranianos ordenando a não intervenção militar no movimento revolucionário sob pena de cessação do fornecimento de armamento. Assim foi Khomeini colocado no poder motivando a explosão da revolução xiita.

   Acolhido incondicionalmente em Marrocos pelo rei Hassan II, Mohammed Reza Palavi, confrontado com os riscos que a sua presença representava para o monarca anfitrião e respetiva família, refugiou-se nas Bahamas donde passou ao Egipto onde viria a falecer. Hassan II tinha o sentido da honra, da lealdade e da solidariedade.
 
Alexandre de Marenches
 
Peniche, 07 de Março de 2020
António Barreto

sábado, 21 de março de 2020

No Segredo dos Deuses

 
(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)
 
 
Neocolonização de África. Parte II:

     O propósito do chefe espião em África era o de criar, desde Tânger à fronteira sul de Angola, uma zona de influência cultural francesa. Segundo dizia, dando o exemplo de Portugal em que havia uma espécie de cidadania comum com o Brasil - que fazia com que qualquer brasileiro se sentisse em casa em Portugal -, congregando cerca de cento e trinta e cinco milhões de pessoas, a cultura é que conta (atualmente, em 2020, 226 milhões, 290 milhões incluindo Angola, Moçambique, Guiné, São Tomé, Macau e Timor).

   China e África do Sul foram parceiros ocasionais da França no apoio a Savimbi; os primeiros pela disputa sistemática que tinham com a União Soviética, os segundos num quadro de pragmatismo contranatura, já praticado pelo “sábio” Presidente do Malawi, Dr. Hastings Kamuzu Banda (por sinal, amigo íntimo do famoso português Jorge Jardim).

   No decurso da narrativa vem à baila infiltração comunista no generalato da marinha sul-africana (tal como em Portugal com Rosa Coutinho e Vitor Crespo) e a estratégia soviética de aproveitar todo e qualquer sinal de descontentamento, onde quer que fosse, para o organizar e transformar em conflito desestabilizador do respetivo regime. Com representação diplomática em todos os países da região e o quartel-general em Lusaca (onde foram redigidos os acordos dos nacionalistas africanos com os golpistas portugueses, mas também, em 1973, os acordos de Jorge Jardim com a Frelimo para a independência de Moçambique).

   Ao ceder a primazia soviética em África os EUA perderam terreno no controlo dos minérios estratégicos dos quais só passaram a controlar quatro enquanto a URSS controlava oito. Disso mesmo deu conta Alexandre de Marenches a  Ronald Reagan, completo ignorante na matéria.

   No domínio da designada “Guerra Fria” o espião gaulês refere a abismal diferença de esforço entre a URSS e os países Ocidentais; enquanto nestes escasseavam os meios de financiamento, naqueles são ilimitados. No domínio dos recursos humanos idêntica diferença; abundância de candidatos à atividade de espionagem, elevada qualidade dos centros de formação e estabilidade nos cargos de chefia no bastião comunista, escassez de procura e de formação e instabilidade nas chefias, nos EUA.

Conflito israelo-árabe:

   Relativamente ao conflito israelo-árabe, refere três circunstâncias curiosas e, aparentemente ignoradas do grande público. A primeira diz respeito ao desequilíbrio demográfico em Israel onde população árabe cresce a um ritmo muito superior ao da população judaica A segunda relaciona-se com o financiamento americano aos israelitas, bem superior em ambiente de guerra do que em paz. A terceira tem a ver com a hostilidade tribal entre os árabes, tão variada e profunda que só o ódio aos israelitas os une. Estas são as razões que levaram Alexandre de Marenches a convencer-se de que nenhuma das partes está interessada no fim da guerra razão pela qual esta se prolongaria no futuro. Trinta e cinco anos depois, efetivamente continua.
 
 
Alexandre de Marenches
 Peniche, 07 de Março de 2020
António Barreto

Nós os portugueses

Os meus amigos (26 de Novembro de 2006)

   “….Não sei qual o número ideal de amigos, embora esteja ciente de que Plutarco afirmou que deveria atingir os sete.”

O véu islâmico (17 de Dezembro de 2006)

“…Nos países árabes, uma vitória, mesmo que pequena, no combate pela igualdade entre os sexos é mais decisiva para o estabelecimento de sociedades democráticas do que as bombas que o Presidente Bush mandou despejar sobre o Iraque.”

Heranças Natalícias (24 de Dezembro de 2006)

   “…..Antes que o Irão nos engula, convém que, às crianças ocidentais, seja explicada a importância do Cristianismo nas tradições, valores e cultura da nossa civilização. Mesmo uma avó ateia percebe isto.”
Maria Filomena Mónica

Peniche, 22 de Fevereiro de 2020
António Barreto

quinta-feira, 19 de março de 2020

No Segredo dos Deuses

 
(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)
 
Pressupostos do 25 de Abril:

   Na última fase do Estado Novo, décadas de sessenta e setenta, os serviços secretos franceses estavam ao corrente do que se passava em Portugal. Tinham consciência de que o regime envelhecera com Salazar e que se preparava um revolução em todos os territórios ultramarinos, na sequência do que sucedera na Índia. Sabiam que o exército português estava subvertido em virtude do recrutamento militar de oficiais milicianos nas universidades do Porto e de Lisboa onde o marxismo tinha proliferado, beneficiando da abertura política proporcionada pela “Primavera Marcelista”. Erradamente pensavam que os serviços da PIDE desconheciam a conspiração dos capitães. Um episódio ocorrido em Paris em 1974, entre Alexandre de Marenches e o senhor B (Barbieri Cardoso? o chefe da PIDE, à época, era Silva Pais), em que este, alegado “patrão” daqueles oficiais, revelara total desconhecimento da revolução no preciso momento em que esta ocorria, dera-lhes essa convicção.

Autocracia e totalitarismo comunista:

   Alexandre de Marenches tem uma curiosa interpretação do comunismo; compara-o ao catolicismo por terem estruturas semelhantes! Assim, no regime soviético também há um papa, um colégio de cardeais - o Politburo - a assembleia dos arcebispos e bispos - o comité central e respetivos secretariados - e a Santa Inquisição - o KGB, para combater as dissidências e prevenir os divisionismos. Contudo, considera que há uma diferença fatal doutrinária que condenará a ideologia comunista; enquanto o catolicismo, tal como todas as religiões, promete a felicidade depois da morte, o comunismo promete-a em vida, o que, sendo verificável, descredibiliza esta ideologia.
 
Alexandre de Marenches

Peniche, 07 de Março de 2020
António Barreto

quarta-feira, 18 de março de 2020

No Segredo dos Deuses

(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)

As democracias partidárias:

 A promiscuidade entre empresas e partidos políticos, flagelo das democracias atuais, é exemplificada com a descoberta acidental do caso de uma empresa dependente do Estado que se dedicava ao tráfico de matérias-primas e cujo diretor geral entregava a certo partido parte dos fundos obtidos. Ficara estabelecido em contrato que, em caso de mudança de Governo, aquele diretor seria promovido a Presidente daquela empresa. Alertado o Primeiro-Ministro, este limitou-se a sugerir a Alexandre de Marenches que lhe desse um “valente susto”! Os casos deste tipo abundam também em Portugal, depois da abrilada.

A neocolonização de África:

  A República francesa tinha relacionamento privilegiado com quase todos os países do norte e centro de África em consequência da sua história colonial, apesar de tardia. O envolvimento das respetivas populações teve grande impacto na formação dos futuros quadros africanos, beneficiários do sistema de ensino gaulês. Leopoldo Senghor, Presidente do Senegal e Houphouet-Boignhy, Presidente da Costa do Marfim, são referidos como exemplos excecionais de assimilação da cultura francesa - a ponto de terem contribuído na elaboração da respetiva constituição em vigor à época - e de equilíbrio institucional na gestão dos países dos quais foram fundadores. Foi no contexto de potência protetora ex-colonizadora que a França auxiliou militarmente o Chade contra a ambição de domínio territorial de Khadafi que, apesar disso, ainda logrou os seus intentos numa faixa setentrional daquele país.

   Do Chade à República Centro-Africana Khadafi tinha em marcha um plano de conquista territorial até ao Planalto Central e daí para o Corno de África. A expansão da influência soviética pela mão de Khadafi ameaçava todo o norte e centro do continente africano. À semelhança do que se passava em Angola e na Etiópia os franceses temiam a entrada em cena de forças cubanas ou alemãs (de leste). Bokassa, o autoproclamado “imperador-palhaço” da futura República Centro Africana apoiado pela França, tornou-se incómodo e perigoso. Numa operação, realizada em Bangui, semelhante à que a Mossad realizara em Entebe, os serviços secretos franceses depuseram o “imperador fantoche” substituindo-o por David Dacko, um francófono local a residir em Paris.

   A década de setenta foi especialmente turbulenta em África, as potências da época disputavam as valiosas matérias-primas que por lá abundam. Foi o caso do Zaire, concretamente, na província de Saba - rica em cobre, diamantes, cobalto, manganês, cádmio, chumbo, estanho e petróleo -, em Maio de setenta e oito, a cidade de Kolwezi  foi sitiada por cerca de quatro mil polícias catangueses, que a soldo do governo de Luanda, Cuba e dos países do leste da Europa, chacinaram centena e meia de europeus e muitos indígenas.

   O risco de balcanização do Zaire e consequente vulnerabilização da região à expansão comunista justificou a intervenção da França através dos serviços secretos e da Legião Estrangeira, ante a inépcia belga.

   A relação privilegiada de Alexandre de Marenches com o rei marroquino Hassan II permitiu-lhe persuadi-lo a usar a sua influência junto dos seus pares africanos e reunir um contingente militar interafricano, o primeiro da história de África, constituído por forças de Marrocos, Gabão, Senegal, Costa do Marfim e Togo, com o qual lograram controlar o Zaire.

   No relato deste episódio, o Diretor do SDECE, refere a importância estratégica de Marrocos para o Ocidente enquanto tampão à influência comunista na margem sul do estreito de Gibraltar e canal de apoio francês a Jonas Savimbi, que considerava o “herói da resistência anticolonialista em Angola”.

   Até ao consulado de Giscard D’Estaing a estratégia de expansão da influência francesa na África meridional passava pela aposta numa Angola livre da influência soviética, razão do seu apoio ao movimento de Jonas Savimbi, ao qual reconheciam representatividade dos negros autóctones.

   Idolatrado pelos angolanos do interior, Jonas Savimbi, que escrevia num francês soberbo, era considerado por Alexandre de Marenches um gigante intelectual e moral, um líder carismático, prodigioso, de imensa coragem que, depois de combater o colonialismo português se batia contra o colonialismo soviético, infinitamente mais poderoso. Cubanos e alemães de leste mantinham em Angola um contingente militar de trinta a quarenta mil homens ao serviço da URSS. Alexandre de Marenches comparava Savimbi ao general D’Gaulle e aos afegãos que resistiram à ocupação das forças soviéticas.

   A partilha dos recursos do país acordada na Trilateral1, sobrepunha-se às divergências políticas das duas grandes potências da época. Paradoxalmente o principal financiador do regime de Angola, a Gulf Oil - através dos rendimentos da exploração petrolífera de Cabinda -, gozava da proteção militar cubana a expensas da união soviética. Da convergência de interesses geoestratégicos entre adversários políticos resultou o abandono do apoio geral à causa de Savimbi com exceção do da França até ao consulado de Giscard D’Estaing. Este, receoso de afrontar os interesses soviéticos, cancelou-o, à revelia da recomendação dos seus serviços secretos. Foi o fim da Unita. “Os países burgueses são de tal forma estúpidos e gananciosos que, um dia, eles próprios nos vão vender a corda com que os enforcaremos”, frase atribuída a Lenine.

   Rosa Coutinho é referido como agente comunista que fizera toda a carreira militar na marinha, na época salazarista e que entregara as chaves de Angola aos representantes dos países do Leste. Com o desabamento do império lusitano minado pelo interior e a perda de Moçambique para o marxismo e a fome, Alexandre de Marenches considerava que se deveria ter impedido a entrada cubana e soviética em Angola.
 

 
Alexandre de Marenches
 
Peniche, 07 de Março de 2020
António Barreto

terça-feira, 17 de março de 2020

No Segredo dos Deuses

(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)

A Guerra Fria:

   Nas dez toneladas de documentos dos arquivos da Gestapo entregues a Marenches em 1970, quando assumiu a Direção do SDECE, encontraram-se coisas horrorosas; alguns franceses “ilustres”, considerados “resistentes exemplares” foram, de facto, agentes da Gestapo ou dos serviços italianos. Os soviéticos porém, acederam a todos os arquivos dos países europeus ocupados pelos nazis. De posse de informação comprometedora sobre ocidentais influentes, os comunistas usaram-na na guerra fria, chantageando-os, levando-os a trair o seu próprio país.

   Por entre o caos e os excessos dos populares na França recém-liberta De Gaulle, recorrendo aos bons ofícios do conde, fracassou na tentativa de obter do presidente Eisenhower o apoio de que carecia para o fabrico da bomba atómica. Este com o caso Rosenberg ainda bem fresco - roubo dos segredos atómicos americanos por um simpatizante de Estaline -, temia, com razão, a infiltração comunista no aparelho francês. A deceção, porém, não dissuadiu o general gaulês de escolher o mundo livre na crise dos mísseis de Cuba que ocorreu logo após a guerra da Coreia.

   De Gaulle prevendo o desequilíbrio demográfico que veio a verificar-se entre as populações africanas e europeias, temendo o risco da ocorrência de uma França argelina por via do processo eleitoral facilitou a independência da sua colónia Magrebina.

   Para Alexandre de Marenches, Georges Pompidou, dotado de inteligência, sensibilidade, humor e modéstia, foi o melhor presidente de França do seu tempo; um autêntico homem de Estado que se caracterizou pela capacidade de encarar as más notícias e de relativizar as boas. O seu falecimento - vítima de uma septicemia - terá sido uma infelicidade para a França e para a Comunidade.

   A mudança frequente das estruturas governativas nas democracias, constitui ma das suas grandes fraquezas. A CIA mudou seis vezes de dirigentes nos onze anos do mandato de Marenches. Algo que não se verificou nos opositores soviéticos que ainda alocavam aos seus serviços de informações abundantes meios humanos e verbas quase ilimitadas.

   Embaixadas e consulados tinham entre os seus funcionários agentes que faziam espionagem a ocidente na maior liberdade. Os japoneses faziam-na recorrendo a equipas técnicas sob a capa de operações comerciais correntes, que visitavam as fábricas, documentando fotograficamente tudo o que lhes interessava. Por outro lado a imprensa americana é apontada como perigosa por atuar contra os interesses dos Estados Unidos ao condenar ao fracasso operações estratégicas publicando-as antecipadamente.

   O caso de Kurt Waldheim, suspeito de crimes de guerra nazis, eleito presidente da Áustria e Secretário Geral da ONU, é referido como um entre muitos em que, personalidades destacadas do pós-guerra, comprometidas com o 3º Reich, caíram nas mãos dos soviéticos graças aos arquivos que estes possuíam e documentavam essas ligações.

   As Nações Unidas são descritas como uma espécie de “queijo gruyére” infiltradas por agentes dos serviços de informação de vários países. Foi assim que, durante numerosos anos, o diretor do pessoal do serviço internacional da ONU foi um coronel do KGB. Um caso que ajuda a explicar muito do que hoje ocorre no seio daquela organização.
 
 
Alexandre de Marenches
 
Peniche, 14 de Março de 2020
António Barreto