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domingo, 29 de março de 2020

No Segredo dos Deuses


 (Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986) 
Convergência aristocrática:

   Alexandre de Marenches descendia duma casa aristocrática, dos tempos do Franco-Condado, que trocava correspondência com Carlos V, Filipe II e Carlos I - o Temerário -, Duque de Borgonha. Este facto aproximou-o do Rei Juan Carlos, descendente daqueles monarcas, estabelecendo-se uma grande amizade entre ambos.

   Numa das tertúlias em que o monarca espanhol fez referência aos problemas dos jovens, o Conde atribuiu-os ao aborrecimento decorrente da falta de causas, aventuras e grandes obras, adiantando a ideia, do agrado do monarca, de que a construção duma via fixa de comunicação entre as duas margens do estreito de Gibraltar, ponte ou túnel, seria motivadora para a juventude de ambos os lados.

Ocidente, esperança e fragilidades:

   A esperança das democracias parlamentares ocidentais residiria no facto de o rácio migratório entre a Europa Ocidental e o bloco soviético se ter cifrado na ordem de um para um milhão; por cada europeu que passou para o lado soviético, um milhão teria feito o caminho inverso. Acresceria que, enquanto o povo pode desembaraçar-se duma ditadura de direita, jamais o conseguirá fazer relativamente a um regime comunista.

   Após quarenta anos de observação de conflitos internacionais, Alexandre de Marenches afirmava viverem-se então tempos excecionalmente perigosos. Estaria em curso uma guerra total, multiforme e policromática, devendo desconfiar-se dos que o negassem. Uma guerra psicológica, especialmente grave se negligenciada, poderia vencer o Ocidente face à descrença geral da população e à determinação dos seus inimigos.

   Houvera uma espécie de inversão na estratégia da guerra; da conquista do terreno para a submissão do homem, passou-se para a conquista do homem através da mente e daqui para o domínio do terreno. O método é o da “velha” técnica da subversão - “a maior astúcia do diabo é fazer crer que não existe”. Dificilmente se pode combate-la. E quem o fizer é imediatamente apelidado de fascista. Fica-se desarmado perante os “mitos incapacitantes” inventados. A técnica é a da infiltração; na comunicação social, no clero, na escola e na universidade.

   No passado remoto o acesso ao poder obtinha-se controlando a Igreja (as almas), no século XIX controlando a instrução (os cérebros), à época, controlando o audiovisual (universidade). Contrariamente ao que sucedia nos países do Leste, na Europa, o amor da pátria e do trabalho foi substituído pela permissividade, indisciplina, desprezo pelas virtudes antigas, obsessão por paraísos artificiais; em suma verificou-se uma inversão de valores, que enfraquece o Ocidente face ao “soldado político” movido por uma crença, uma fé, característico dos seus inimigos comunistas ou islâmicos.

   Citando Soljenitsyne: “Não são as dificuldades de informação que constrangem o Ocidente, mas a ausência do desejo de saber. É a preferência dada ao agradável sobre o penoso. É o espírito de Munique, o espírito de condescendência e de concessão, ilusões medrosas de sociedades de homens que vivem no bem-estar que perderam a vontade de se privar, de se sacrificar e de mostrar firmeza”.

   Prognosticando um inevitável conflito sino-soviético no século seguinte - XXI - o “velho” aristocrata considerava a zona do próximo e médio Oriente a de maior risco de conflitualidade, cuja intensidade dependeria dos “ventos” que soprassem de Moscovo.

   Em 1986 - data da entrevista subjacente a estas notas - Alexandre de Marenches, considerava a União Soviética a principal ameaça ao Ocidente; o férreo controlo de fronteiras, o sentido de patriotismo da respetiva população disponível para o sacrifício pessoal, a sua estratégia global com regiões de influência bem definidas trabalhadas por interpostos líderes locais doutrinados e suportados politicamente, economicamente e militarmente, contrastava com a obsessão do progresso económico e social das “democracias moles” do Ocidente onde os cidadãos, ciosos do seu bem-estar, tinham esquecido o sentido patriótico, e onde a alternância governativa impedia a acumulação de conhecimento e sistematização da ação.

     Apesar da pertinente caracterização sociopolítica dos dois blocos e da extraordinária experiência oficial e oficiosa de quatro décadas, Alexandre de Marenches, tinha deixado escapar algo essencial que lhe não permitiu prever o que sucederia em 1989 - queda do muto de Berlim - e em 1982 - implosão do regime soviético, fruto das dinâmicas sociais e económicas e políticas internas e da impossibilidade de acompanhamento do progresso tecnológico americano em matéria de armamento.

   Como está demonstrado hoje a desagregação soviética não arrastou consigo o fim do socialismo, este prosseguiu a partir dos espaços geográficos influenciados - especialmente afro-asiáticos - e grupos políticos Ocidentais indisponíveis para abdicar dos seus projetos de poder apesar de cientes do provado fracasso da ideologia socialista. Hoje a ONU, longe dos princípios fundadores da Sociedade das Nações, graças à matriz política da maioria dos países que a compõem, prossegue, ao seu estilo aparentemente altruísta, os desígnios políticos da extinta União Soviética.
 
 
Alexandre de Marenches
Peniche, 7 de março de 2020
António Barreto

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