Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

domingo, 31 de julho de 2016

Aquecimento Global; os pontos nos is!

 

Camille Pissarro - Paysage avec une vachère, c. 1872.

"Figure 2
The Younger Dryas is the focus of intense research, but also great speculation about the causative mechanism.
Other important points from Figures 1, 2 and 3 expose the lies and distortions about the last 120 years being anomalous include,
  • Current temperatures are proclaimed as the warmest on record. In fact, the world was warmer than today for 97 percent of the last 10,000 years.
  • The Medieval Warm Period (MWP) just 1000 years ago was 2°C warmer than today. The public is told that a similar warming will be catastrophic.
  • The Minoan warm period approximately 3500 years ago was 4°C warmer than today.
  • We are told the amount and rate of temperature increase in the last 100 years is abnormal. Compare the slope with any of the previous increases in Figure 2."

https://wattsupwiththat.com/2016/07/31/a-warm-period-by-any-other-name-the-climatic-optimum/

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Olivia Ribau; um caso triste!

      
Cristo, São João da Cruz, Salvador Dali
 
   As imagens inéditas do navio depois de resgatado ao rio, que o Correio da Manhã referiu na sua edição de 25 de Julho último, confirmam a análise que eu mesmo fiz, no dia do infortúnio, 11 de Outubro de 2015 pelas 19º 10´, pela visualização da sucessão das fotos publicadas na ocasião. Apesar do mau tempo o navio fez-se à barra com a escotilha do porão de ré aberta, tal como as portas estanques de acesso à casa da máquina e ao compartimento dos alojamentos!, uma massa de água daquelas a grande velocidade inundou de imediato aqueles compartimentos, provocando o colapso do motor propulsor e alternadores, deixando o navio sem governo; sem possibilidade de compensar o adornamento a bombordo que se verificou,  com propulsão a vante e manobra de leme a estibordo. Está tudo, implícito, nas fotos. Um caso de negligência sucessiva grosseira que nos questiona acerca da eficácia de cerca de trinta anos de formação profissional no setor, dos processos de admissão ao exercício das atividades marítimas, da função das capitanias e das "trinta e cinco mil" - salvo seja -,  licenças e taxas exigíveis aos armadores e profissionais da pesca. Mais formação, mais consciencialização de proximidade regular, - simples, pragmática -, menos perseguição e punição é prioritário.
 
   Há uma incorreção na notícia do CM; a vaga não apanhou o navio atravessado, como refere. Este estava na posição ortogonal relativamente à vaga - de cerca de 5/6 m - no momento em que esta "partiu". No trajeto até ao ponto de entrada é que foi atravessado ao alinhamento da vaga ainda em formação off-shore e, aí sim, poderia ter-se avaliado o risco e guinado para fora novamente.
 
   Não foi só a tripulação que falhou; com ela falharam a autoridade portuária, os operacionais e responsáveis pelo salvamento e até os projetistas da configuração da barra. Até o sindicato dos operacionais de salvamento devia rever a sua forma de atuação, defendendo os seus filiados sem contribuir, ainda que indiretamente, para a ineficácia dos serviços de socorros a náufragos e o agravamento do risco de morte de marinheiros e pescadores. Na luta sindical, não vale tudo!
 
   Há processos em curso contra o Chefe da Estação Salva-Vidas da Figueira da Foz - multa de €810,00, do ISN por falta de prontidão, zelo, obediência e lealdade" (não atendeu o telemóvel para atender à trajédia) - e denúncia dos superiores hierárquicos ao Ministério Público por omissão de auxílio, cuja moldura penal é de de 1 ano. Também o capitão do porto à data foi constituído arguido num dos inquéritos crime aberto pelo DIAP de Coimbra.
 
   Foi recentemente aprovada legislação penalizadora dos autores de maus tratos aos animais que lhes confere o estatuto jurídico de "seres sensíveis"; algo entre os inertes e os seres humanos. Perante este caso, considerando toda a envolvência inerente posterior, fico com a sensação de que certas autoridades e algumas elites vêm o pescador como ser sensível vagamente semelhante ao ser humano que merece desprezo e talvez alguma indulgência. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

Do Capitalismo (2)


  
William Turner; Eruption Bridgman credit 
   No início do século XVII, 90 % da população vive ainda da agricultura e a nobreza mantém os seus privilégios recusando-se a reconhecer igualdade social aos camponeses e artesãos. A igreja resistia aos avanços da ciência perseguindo Erasmo, queimando o humanista Giordano Bruno por heresia em 1600, enclausurando Campanella durante 27 anos, e obrigando, em 1633 através da Inquisição, Galileu, a retratar-se dos seus “diálogos sobre os principais sistemas do mundo.
   Apesar do poderio espanhol, já em declínio na américa e na europa, é na Holanda, antigas “Províncias Unidas”, em Inglaterra e em França que prossegue a longa marcha rumo ao capitalismo. Com um comércio pujante, uma agricultura moderna, uma burguesia poderosa, ausência de nobreza e grande tolerância, foi na Holanda que Descartes se instalou em 1625 e publicou o seu famoso Discours sur La Methode pour Bien Conduire sa Raison et Chercher da Verité dans les Sciences em 1637 e as suas Meditátion Metaphysique em 1641. 
   Segundo Karl Marx, a Holanda foi o símbolo do capitalismo comercial e financeiro da primeira metade do século XVII. Independente da Espanha desde 1609, principal destino dos judeus expulsos de Espanha e Portugal, implementando a normalização e mecanização da produção, os holandeses construíram uma vasta frota - superior em marinheiros (na sua grande maioria estrangeiros, na época considerados a escória dos trabalhadores) às da França, Inglaterra, Espanha e Escócia em conjunto -, que lhes permitiu obter grandes lucros no comércio mundial que desenvolveu, sobretudo na Ásia, através da Companhia Holandesa das Índias Orientais, e na América latina. Para a difusão deste comércio contribuiu decisivamente o poderoso Banco de Amesterdão com a criação do florim branco, recebendo depósitos, efetuando pagamentos em divisas e concedendo créditos, à cidade de Amesterdão, à Companhia das Índias e, por fim, às empresas privadas. Na segunda metade do século XVII, as sucessivas guerras - com Inglaterra em 1652/54; 1665/1667; 1672/74, com a França em 1672, e sobretudo a da Sucessão de Espanha - 1702/14- e o consequente endividamento, conduzem ao enfraquecimento da economia holandesa e à perda da sua predominância. 
   ­­­A supremacia do poder marítimo e colonial da Inglaterra face à Espanha e à Holanda nos séculos XVI e XVII, permitiu decuplicar o seu comércio externo de 1610 a 1640, desenvolvendo uma poderosa burguesia associada à miríade de mercadores, artesãos e assalariados, que produziam e transacionavam têxteis, aço, papel, alúmen, hulha e manufaturas diversas. Para o sucesso da expansão comercial inglesa contribuiu decisivamente a Companhia das Índias Orientais, fundada em 1600 pela rainha Vitória, que estabeleceu feitorias nos locais mais recônditos do império, bem como a aliança entre a alta burguesia e o Estado, caracterizada pelo engrandecimento nacional e enriquecimento de ambos, cujos negócios, este, protegia, através de regulamentação económica e fiscal. Tal não impediu a decapitação de Carlos I, em 1649, pela infeliz ideia de decretar o aumento dos impostos sem consentimento Parlamentar e com isso provocar a ira popular, dando origem à ascensão da república oligárquica que Cromwell rapidamente converteu em ditadura. Partidário do mercantilismo, Cromwell impôs a exclusividade do transporte marítimo à frotas inglesa ou coloniais, bem como os marinheiros ingleses às mesmas, em, pelo menos, três quartos do total.  
   A economia inglesa, predominantemente rural, abalada por nova vaga de enclosures - extensas áreas retiradas à atividade agrícola para uso exclusivo de pastagens de ovelha -, gerou novos contingentes de camponeses sem terra e a reativação do descontentamento popular que culminou com a exigência de democracia parlamentar, liberdade e propriedade que, justamente, constituíam as aspirações dos camponeses médios e abastados, artesãos, comerciantes e notáveis locais. A estratificação socioeconómica é extensa e a diferenciação salarial oscila entre as 6,1 libras anuais para cada família de camponeses pobres - 400000 - e as 2590 para cada uma dos lordes - 186 -, sem contar com os vagabundos – 30000 pessoas – que auferiam 2 libras anuais! Aumento salarial, redução do horário de trabalho e proteção contra a concorrência estrangeira era o que artesãos pobres, operários e negociantes-fabricantes exigiam da regulamentação estatal, em vez de democracia e liberdade. 
   Em 1689, na sequência do descontentamento popular liderado pela alta burguesia, banqueiros, profissionais liberais, grandes camponeses e comerciantes, que reclamavam democracia e liberdade, forçando o exílio de Jaime II, o Parlamento oferece a coroa de Inglaterra a Guilherme mediante o compromisso de, este, respeitar a célebre Declaration of Rights” que impedia o Rei de suspender a aplicação das leis, de receber impostos e de recrutar e manter um exército em tempo de paz sem o consentimento do Parlamento. A extinção do absolutismo, em que a Inglaterra foi pioneira, não deu lugar à democracia, uma vez que apenas cerca de cinquenta mil proprietários tinham direito a nomear representantes no parlamento. Aliados do lado do povo no condicionamento do poder régio, as novas elites mudam de estratégia e estabelecem um compromisso com a nobreza. 
   Com o seu Leviatan , publicado em 1651, Locke rebate as teses absolutistas de Hobbes defendendo a livre adesão dos cidadãos como legitimação da sociedade e o direito de insurreição; Em consequência, cada vez que o legislador ataca os bens que pertencem ao povo e o prejudica, cada vez que procura escravizar o povo impondo-lhe um poder arbitrário, entra em guerra com ele. Paradoxalmente, ou nem tanto, Locke, originário de famílias abastadas, médico, com experiência de administração pública, tendo viajado por França e Holanda, não reconhece aos trabalhadores capacidade para governar, preconizando o uso da força para os pobres. Aos vagabundos válidos - entre os 14 e os 50 anos -, condenava a servir três anos na frota, aos que vivessem junto ao mar, aos restantes teriam que trabalhar três anos nas Workhouse - casas de trabalho comunal. Os que tivessem menos de 14 anos condenava-os a serem chicoteados e obrigados a frequentar uma escola de ofícios. Para Locke, os homens com direito ao contrato social são os membros da nobreza, do clero, da gentry e da burguesia comercial e financeira. 
   O liberalismo surge pela pena de Sir Dudley North, admirador de Descartes, na sua obra Discourses Upon Trade publicada em 1691;…Nunca nenhum povo enriqueceu por intervenção do Estado, mas é a paz, a indústria, a liberdade e nada mais que atraem o comércio e a riqueza. 
   O banco de Inglaterra, fundado em 1694 e os tratados de Methuen - com Portugal em 1703 - e de Utrecht - com a Espanha em 1713 -, abrindo aos ingleses os mercados da américa do sul,  expandiram e consolidaram o domínio da economia mundial pelos ingleses, que só viriam a perder para os americanos no decurso da primeira guerra mundial.
(Continua)

(Síntese livre a partir da obra de Michel Beaud; A História do Capitalismo)

sábado, 23 de julho de 2016

Aberrações democráticas (2)

  
Edward Hopper - Gloucester Beach, Bass Rocks, 1924.
 
   A ascensão do PS ao poder executivo em 2015, não obstante a pesada derrota eleitoral que sofreu, constitui um exemplo de fragilidade, extensível à generalidade das democracias, passível de radicalizar e aprofundar as fissuras sociais  da sociedade portuguesa. A aliança de poder pós-eleitoral que se verificou não foi sufragada pelos eleitores, incluindo os do Partido Socialista, sentindo-se, muitos deles, ludibriados, vexados e revoltados. A falta de ética política acabará por liquidar o regime que a pratica, disseminando-se e corroendo toda a comunidade.
 
   António Costa ascendeu à liderança do seu partido "atropelando" o líder anterior, considerado "fraco", apesar das sucessivas vitórias políticas ainda que marginais. A tremenda carga de austeridade imposta aos cidadãos pelo governo PSD/CDS a mando da troica, parecia garantir vitória folgada nas Legislativas ao PS liderado por António Costa dada a sua maior experiência política; como Ministro da Justiça, da Administração Interna, de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e do seu perfil algo carismático. A sua polémica passagem pela Capital, agravando encargos correntes com pessoal, disseminando taxas por proprietários, operadores hoteleiros e aeroportuários, extorquindo financiamentos ao Governo, condicionando a circulação de viaturas, abrindo estaleiros em pontos vitais como o do Terreiro do Paço, traduziu-se numa gigantesca campanha de propaganda político-partidária, graças, sobretudo, ao permanente ambiente festivo proporcionado pela generosa mobilização das gentes da "cultura", que, pelas ruas de Lisboa e a soldo do município, anunciavam a chegada do "homem providencial", capaz de volatilizar qualquer crise.
 
   António José Seguro, de outra geração e com uma cultura política moderada mais propícia ao diálogo e entendimento com os seus congéneres à direita, fiel aos valores históricos do seu partido, constituía uma séria ameaça à ala radical do PS, "herdeiros" políticos de Manuel Serra, infiltrado pelo PCP nos primórdios da sua fundação (Rui Mateus; "Contos Proibidos"). As reformas em curso que o Governo da Passos Coelho, implementou no setor público; reduzindo os encargos com pessoal, eliminando instituições esvaziadas de utilidade, escrutinando despesas, reduzindo prazos de pagamento a fornecedores, promovendo a convergência com a sociedade civil em matéria de saúde e apoios sociais e privatizando ou tentando privatizar os remanescentes bastiões comunistas - TAP, RTP, METRO de Lisboa, METRO do Porto, Carris, STCP, CP, CP Carga, Refer, Portos, Estiva, etc - ameaçava seriamente grande parte do "aparelho" instrumental da esquerda que lhe permite manter o país refém da sua ideologia. A sua base eleitoral e instrumental de apoio estava pois em risco. Urgia ganhar a qualquer custo e reverter o processo, independentemente da legitimidade do Governo em funções.
 
   A realidade eleitoral foi outra, afinal!, António Costa não conseguiu convencer os eleitores - que, significativamente, tinham percebido as causas da austeridade -; renunciou o entendimento com o partido vencedor e sujeitou-se ao diálogo com os partidos não democráticos, minoritários, antieuropeístas e demagógicos, traindo a história do seu partido e os seus próprios eleitores, que nunca lhe perdoarão ter entregue o país, ainda que indiretamente, ao totalitarismo comunista e à irresponsabilidade e oportunismo dos bem instalados "bloquistas".
 
   Os resultados eleitorais mostraram que a maioria dos cidadãos reconhece a necessidade de austeridade mas com alguma suavização. Daí terem imposto ao partido vencedor o diálogo com o partido vencido. Que deveria ter acontecido. Os factos apontados acima e os exemplos da Grécia e da Espanha, em que os respetivos Partidos Socialistas perderam importância política para os partidos radicais de esquerda, até aí marginais, induziram António Costa e seus prosélitos a "guinar" à esquerda, receosos de eventuais consequências similares. De todo o modo, será menos pernicioso o radicalismo controlado pelo PS do que se em maioria. Apesar dos "sapos" que, sucessivamente, terão de engolir, os três partidos estão condenados ao entendimento. Sobre eles paira o espetro do fim dos últimos bastiões do PREC. 
 
   O ciclo de crescimento que parecia assegurado face ao desempenho económico de 2015, graças às reformas de Passos Coelho, permitiram a António Costa avançar para a rápida reversão das restrições pecuniárias do funcionalismo público e do designado Estado social, principais bases sociais do eleitorado socialista. Em permanente ação de propaganda proporcionado pelo aparelho de Estado, António Costa, espera reconquistar a maioria absoluta "com que, inevitavelmente, conduzirá o país a mais uma bancarrota e ao empobrecimento crónico, se os cidadãos o permitirem. Talvez não tenhamos que esperar tanto; afinal, os dados macroeconómicos e as contas públicas degradam-se continuamente, apesar da cativação de verbas, que, mais uma vez, penalizam a sociedade civil, nomeadamente, as empresas privadas e seus trabalhadores.
 
   Esta deriva radicalizante do Partido Socialista tem a virtude de clarificar, definitivamente, a matriz político-partidária e as fraturas sociais em Portugal, terminando um ciclo de equívocos, entre os quais, o que consiste no respeito dos agentes políticos pelo primado da universal igualdade de oportunidades. Fica claro que os partidos de esquerda em Portugal privilegiam os trabalhadores e as instituições do setor público em detrimento de todos os outros, constituindo-se em efetivos instrumentos opressores, propiciadores de privilégios às suas clientelas, precursores de um qualquer autoritarismo sob o chapéu democrático. E a verdade é que o setor público tem todos os poderes nas suas mãos; o normativo, o legislativo, o judicial, o policial e o militar. O risco de uma "reversão" de 180º no regime, é real e exige a oposição de todos os homens livres.

   "Mário Soares chegara a Portugal sob a influência do contrato político acordado com o PCP em Paris em 1973, e, pior do que isso, perfeitamente convencido de que o PS estava predestinado a um papel subalterno em relação aos comunistas" (Rui Mateus, Memórias de um PS desconhecido, pág. 57)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Valores cistãos


Paolo Varonese, Deposição de Cristo
 
"Dedicar-lhe esta conquista e agradecer-lhe por ter sido convocado e por me conceder o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado. Espero e desejo que seja para glória do Seu nome”."
 

   Estas são as últimas frases do texto que Fernando Santos fez questão de ler antes de iniciar a conferência de imprensa no rescaldo da conquista do título europeu. É comovente esta franqueza e humildade de um homem que sabíamos cristão mas de quem não suspeitávamos tal audácia. Não num tempo cada vez mais amoral, onde se cultiva um egotismo cada vez mais exacerbado, se enaltecem todas as bizarrias sociais e onde os valores cristãos são vistos pela "doutrina" dominante como um dos grandes obstáculos à emancipação das sociedades humanas.
 
   Sem que me tenham encomendado o sermão nem seja detentor de qualquer outro tipo de habilitação além da que habita o cidadão comum que se questiona, parece-me oportuno sublinhar algumas dos valores difundidos por Jesus Cristo no seu breve consulado.
 
  Desde logo o amor ao próximo, o da universalidade e o do perdão. Estas são as três características que permitem a emancipação do Homem da barbárie à qual sempre retorna quando delas se esquece. "Não faças a outro o que não queres que te façam a ti". É esta, afinal, a "grande" revolução cultural de que carecemos; orientação da nossa postura no respeito pelos outros. Paradoxalmente, muitas vezes confunde-se cultura com quantidade de conhecimentos, erudição, e esta, frequentemente, conduz ao desrespeito do outro, resultado da ascensão social e económica que geralmente proporciona a quem a detém.
 
   A universalidade, maravilhosamente contida nas parábolas em que Cristo recusou negar graças aos pedidos dos Blasfemos - os céticos - e dos ímpios - os estranhos à tribo -, com fé, rompeu com a tradição judaica da restrição religiosa ao grupo ou seita, abrindo os espíritos ao diferente e ao reconhecimento da natureza espiritual comum, condição essencial à aproximação cultural dos povos e dos homens.
 
   A qualidade cristã que mais me fascina, porém, é a capacidade que proporciona de resgate do homem da barbárie, permitindo-lhe a recuperação da inocência pelo arrependimento sincero, o que implica a interiorização e prática tendencial de valores referenciais, assim permitindo obstruir o desenvolvimento da espiral do mal sempre latente em cada um de nós.
 
   O sublime gesto de amor que foi a crucificação, visa pôr fim à tradição judaica do sacrifício e sentimento de culpa de cada um como forma de expiação dos seus "pecados", substituindo-o pelo sacrifício maior de Jesus Cristo em nome de todos.
 
   O que o catolicismo fez depois é outra coisa; muitas vezes, execrável, miserável, indigno de Jesus Cristo.
 
   Claro que, se Fernando Santos não tivesse ganho, continuaria a ser um homem de Fé, humildemente a agradecer a Deus por mais um dia, apesar da vitória do adversário, que felicitaria sem rancor. Tudo estaria igualmente bem; afinal, como não aceitar a felicidade do outro?
   Fernando Santos, além de competente, é um homem bom. Um exemplo. 

domingo, 10 de julho de 2016

Do Capitalismo (I)


Paolo Varonese, Weding in Canã
  
   "História do Capitalismo"  (coleção Teorema), de Michel Beaud, professor de Ciências Económicas na Universidade de Paris VIII desde 1968, apesar da matriz socialista do autor, constitui uma síntese da evolução económica Ocidental desde o início do século XVI,  ao século XX, 1978, e um excelente contributo para ajudar quem aspira a conhecimento da matéria algo acima do rudimentar, como é o caso; perceber as causas e alcance dos grandes acontecimentos históricos do período.  De tradução cuidada, boa qualidade de papel e adequado formato de letra, as análises são sustentadas em profusa informação técnica e ajudam-nos a interpretar muitos dos acontecimentos de hoje.

   A longa caminhada do capitalismo inicia-se com a conquista e pilhagem da América - século XVI - e, numa segunda fase, pela ascensão das burguesias, mercantis e bancárias, do século XVII. A lenta decomposição da sociedade feudal - século V ao XV -, resultado de múltiplas causas; peste negra, guerra dos cem anos, guerra das cruzadas, guerra dos trinta anos, a ascensão das repúblicas italianas, as novas ideias de João Calvino - ao justificar o comércio e os juros atribuindo o sucesso à escolha divina - criou as fundações do capitalismo alterando o regime de propriedade e de ordenamento social, transformando os servos em trabalhadores livres, desenvolvendo e expandindo o comércio regional, proporcionando a acumulação e a expansão das atividades bancárias e financeiras e os progressos da metalurgia, das armas de fogo, da construção naval e das técnicas de navegação.
 
   Extraordinário como a maior tragédia do século XIV, a peste negra, contribuiu decisivamente para a libertação dos camponeses da servidão a que estavam sujeitos pelos senhores feudais e pela hierarquia eclesiástica!  

   Os Descobrimentos - iniciados em 1487 por Bartolomeu Dias ao contornar o Cabo da Boa Esperança - a que se seguiu a descoberta da América por Cristóvão Colombo em 1492, e, em 1498, a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia por Vasco da Gama - resultaram das transformações causadas pela ambição dos reis na busca de grandeza e riqueza, e pelas guerras da Reforma que estes travaram contra o Papa e que abalaram a moral da Idade Média relativamente ao preço justo e à proibição de juros.

   Beaud não atribui qualquer relevância aos descobrimentos e colonização portugueses na evolução do capitalismo, mas destaca a importância da colonização espanhola, que se traduziu na pilhagem de avultadas quantidades de ouro e prata aos Astecas - México - e aos Incas - Perú - cujas populações foram severamente dizimadas; cerca de 90 % naqueles e de 95 % nestes em pouco mais de um século. Um paradoxo consiste no piedoso projeto de cristianização e bênção papal associado às descobertas. Outro, traduz-se no extraordinário trabalho do frade dominicano espanhol Bartolomé De Las Casas na defesa dos índios; nomeadamente junto do imperador Carlos I de Espanha, na sua famosa e comovente carta, na qual se esforçava por lhe explicar que os índios eram seres humanos, ou quase, dotados de sensibilidade e dignos de comiseração.
 
   Geralmente ficou a ideia que a época dos Descobrimentos foi de grande prosperidade económica, mas não é bem assim. Sim para os monarcas, mas não para o povo que viu drasticamente reduzidos os salários reais, 50 % no conjunto, devido à entrada maciça de metais preciosos na economia, que fez disparar a inflação e esteve na origem da numerosas revoltas da população pobre, reduzida à mendicidade, às workhouses e sujeita à forca por vagabundagem, em caso de reincidência. Foi nessa época, 1558, que Gresham proferiu a célebre frase acerca das moedas, segundo a qual, a má moeda expulsa a boa moeda. Foi também nesta época que Maquiavel na sua obra imortal, "O Príncipe", formulou a polémica ideia  de que "num governo bem organizado, o Estado deve ser rico e os cidadãos pobres". A riqueza a reino, que na antiguidade e na era medieval assentara na produção agrícola, passou caracterizar-se pelo comércio e pelas manufaturas. Um novo Deus, o dinheiro, pressentido por Thomas More na sua "Utopia" em 1516, tinha nascido.
 
   Na citada obra "Classe et Nation" de Samir Amin, 1979, reconhecemos métodos bem atuais, "nos modos de produção tributários" nos quais "a submissão duma vasta camada produtora, camponesa e artesanal, permite obter um tributo graças ao qual vive na abastança, e por vezes no luxo, uma oligarquia que possui as armas e controla a religião: é o caso dos modos de produção esclavagista, feudal, asiático e africano". Não anda muito longe da sociedade ocidental atual em que a oligarquia instalada no aparelho estatal, alicerçada em todos os seus poderes, normativo, judicial, policial e militar, subjuga a sociedade civil não comprometida com o poder partidário.
 
(continua)  

sábado, 9 de julho de 2016

Ao Vitor

 
 
   Anunciação, Tintoretto
 
   A vida é dura, Zé!, a vida é dura!, aquela caralha morreu!, já viste?, aquela caralha morreu! - disse o Vitor, já sem o amplo sorriso que habitualmente lhe adornava o rosto, referindo-se à mulher, que falecera recentemente, vítima de grave doença de que nunca suspeitaram e que se revelara no decurso dos tratamentos que ele próprio vinha fazendo. - Coragem, Vitor!, coragem! - respondeu o Zé, com uma leve palmada nas costas, sentindo a inútil e frustrante vulgaridade do incentivo perante o infortúnio do seu velho amigo. 
 
   Vitor era um pequeno empresário, um ás em eletricidade auto; sempre a cem à hora, perspicaz e decidido, nenhum problema deixava por resolver. Viveu para o trabalho, acompanhado, frequentemente, pela sua discreta mulher. Uma das pessoas mais trabalhadoras e exemplares que Zé, que correu mundo, conhecera. No dia seguinte, pela manhã, radiosa de luminosidade, Zé e o seu filho João, junto ao portão da oficina, acenaram com entusiamo ao largo e sorridente cumprimento de Vitor, que passava, rapidamente, na sua viatura de serviço. Parecia satisfeito a caminho de um qualquer serviço profissional.
 
   No dia seguinte, há um grande alarido na marginal junto às arribas da papoa; muita gente e bombeiros. - Parece que é o Vitor, pai! - disse o João. Zé foi ver; era o Vítor!, a convalescer de grave doença que parecia ter recrudescido nos últimos tempos, sem o apoio de sempre, cansado de lutar, Vitor não quis perder tempo agonizando e resolveu enfrentar a morte; apontou o carro ao mar, acelerou a fundo e, do cimo das arribas, precipitou-se nas águas daquela pequena e frondosa praia onde em tempos longínquos encalhara o San Pedro de Alcântara, carregado de metais preciosos. Vitor era um tipo decidido! Zé percebera-o.
 
  - Bom dia, Vitor; então o nosso Benfica? - Ah!, assim tá bem, assim vamos lá!, desta vez gostei! - Recordou o Zé com pena e saudade, tentando perceber porque não detetara tamanho desespero.  Adeus Vitor; Deus saberá acolher-te! - disse baixinho na derradeira homenagem, derramando um punhado de terra sobre a urna.

CO2; reduzir ou aumentar?

  
Repouso do Trabalho, Van Gogh
 
   Nesta artigo, defende-se a necessidade de aumentar a concentração de CO2 na atmosfera de 400 ppm para 1000 ppm, a fim de atenuar os efeitos devastadores da próxima era glaciar que se avizinha e de aumentar a produção agrícola para fazer face ao aumento populacional da Terra. Quantifica-se a necessidade de calcário para decomposição em fornos e a energia calorífica necessária para o efeito, bem como o correspondente custo financeiro.
 
"Although a lot of nonsense has been written about CO2 harming plant growth, the reality is commercial greenhouse growers maintain elevated CO2 levels of around 1000ppm, because one of the most effective means of promoting plant growth is to make sure plants get enough CO2 – enough being defined as a significantly higher concentration than is currently available in the atmosphere."


https://wattsupwiththat.com/2016/07/09/lets-cook-limestone-to-raise-atmospheric-co2-to-1000ppm/

sábado, 2 de julho de 2016

Aberrações "democráticas" (1)

     
Nu, Amadeo Modiglianni
 
   Tenho como referência a ideia de que todos os regimes políticos são bons desde que o pilar da sua doutrina resida no respeito universal de todos e cada um. O que não significa que tenha de ser satisfeita, de cada um a vontade, sendo certo que há bens individuais invioláveis no centro dos quais está o da dignidade.
 
   Ao governo anterior reconheço a capacidade de, sob custódia dos credores, inverter o processo de descontrolo das contas públicas, enfrentando os poderes da rua, da comunicação social, dos tribunais e da oposição política, num inédito desprendimento eleitoral que deveria ter sido reconhecido e louvado. A inversão do défice, de quase 20 mil ME anuais em 2010 das contas externas, para um excedente de cerca de 3 mil ME em 2013 , 2 mil ME em 2014 e 3 mil ME em 2015, graças ao aumento das exportações da ordem dos 25% e à estabilização das importações que registaram um aumento da ordem dos 3 %, de 2011 a 2014, estancou o endividamento global da economia nacional que atingira níveis incomportáveis. As reformas introduzidas a muito custo no setor público e privado, permitiram a redução do défice orçamental do Estado da ordem dos 15 mim ME anuais, desenhando o caminho para o equilíbrio das contas públicas sem o qual o país permanecerá na condição de protetorado. Prescindiu-se da última tranche do financiamento, constituiu-se uma reserva financeira de salvaguarda assinalável, pôs-se em marcha um programa de reestruturação silenciosa da dívida pública, transformando dívida de curto prazo em dívida de longo prazo de menor custo, graças às inacreditáveis taxas de juro, historicamente baixas, para as quais contribuiu a política  de compra de ativos do BCE. Paulatinamente, o PIB inverteu a dinâmica recessiva  em 2012 e 2013, aumentando 0,9 % em 2014, 1,5 % em 2015, perspetivando-se, à data,  1,5 % em 2016 e 1,7 % em 2017. Recuperou-se a confiança externa e o investimento refletido na subida do rating da dívida pública pela DBRS e na perspetiva positiva das outras agências, que permitiu ao BCE manter a sua política de compra de dívida soberana, alargada recentemente à dívida corporate. A economia tinha entrado nos "carris" e a dinâmica de reformas a prosseguir, gradualmente, aliviaria a economia dos incomportáveis encargos paralisantes e empobrecedores induzidos pelo setor público, aumentando a liquidez do setor empresarial e dos consumidores Estavam criadas as condições para a redução do desemprego e melhorias salariais, dentro da margem de produtividade alcançada. Mas...a luta partidária e ideológica tem outras lógicas que não passam necessariamente pela independência e pelo progresso.
 
   Posto isto, reconhecendo-lhe o mérito, aceitando que o governo de Passos Coelho não tinha margem de manobra - o país tinha perdido o acesso aos mercados de financiamento -, a verdade é que os danos infligidos no tecido empresarial, sobrepondo-se ao violento processo de reestruturação posto em marcha pelo governo de Sócrates estimulado pela Comissão Europeia, foram catastróficos. Por toda a parte assistimos à falência de boas empresas, muitas delas bem estruturadas, de bom nível tecnológico e até exemplares, e ao cortejo de desgraças inerente, sem que se tenha vislumbrado, até ao momento, uma reestruturação empresarial qualitativamente superior. A caça ao subsídio, induzido pela UE, parece constituir a prioridade do talento empresarial, em vez da capacidade e empenho de produção de bens úteis e rentáveis para os cidadãos. A desertificação empresarial atingiu quase todas cidades, numa tendência crescente de destruição das economias locais e de movimentos migratórios para os grandes centros urbanos e para outros países.
 
   Se é verdade que a dureza das reformas foi imposta do exterior ao governo de Passos Coelho, há alguns aspetos que eu, enquanto simples e insignificante cidadão, não lhe perdoo, ainda que não tenha sido o criados de algumas das medidas que me indignam; desde logo as notificações automáticas! As penhoras automáticas de casas e contas bancárias por qualquer entidade pública ou privada! Como é possível que a ânsia de cobrança coerciva do Estado e algumas entidades privadas tenha proporcionado uma barbaridade destas? Como é possível que se considere notificado um cidadão sem que este tenha, efetivamente, tido acesso ao conhecimento da notificação? Como é possível que se autorize a penhora da habitação de uma família por dívidas, mesmo que marginais, ao fisco ou à banca, porque o infeliz cidadão perdeu o emprego, num contexto de crise geral conhecido? Isto era, sim, uma prática na Idade Média quando se enviavam para as casas de trabalho obrigatório, ou cortavam as orelhas, ou, simplesmente, se enforcavam os vagabundos; vagabundos estes que não eram mais que camponeses que tinham ficado sem terras, sem trabalho e sem pão em consequência das crises induzidas pelas guerras, pelas pestes ou pela inovação tecnológica. Como é possível, que se tenha criado um algoritmo que transforma dívidas às concessionárias das autoestradas, de cêntimos em dezenas de milhares de euros, destruindo a vida do cidadão, para engorda daquelas e dos cofres públicos? Como é possível que qualquer divergência do cidadão relativamente ai fisco se tenha tornado numa questão de vida ou morte? Como é possível que se transforme, nominalmente, em criminoso, o cidadão que não exige a fatura da bica e a mantenha guardada durante quatro anos, à ordem do fisco? Tudo isto é próprio, sim, de um Estado totalitário, não daquela ao qual  compete a tarefa de proteger a dignidade do seu soberano, o cidadão. Sinto muito, mas, não denegando todas as virtudes que reconheço a Passos Coelho, a cordialidade, o controlo emocional, a firmeza e a resiliência, nem a adequação da estratégia global do seu governo, reconheço-lhe, nestes casos, uma perigosa falta de cultura humanista que, num contexto favorável, poderá fazer resvalar o regime para o autoritarismo. É aqui que a democracia se pode revelar providencial. Uma cura de oposição pode ajudar a atenuar certas "perigosidades". Mas também pode abrir o caminho aos mais desvairados populismos e ressentimentos. 
 
 
A ver vamos, ou seja, estamos!