Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

sábado, 9 de julho de 2016

Ao Vitor

 
 
   Anunciação, Tintoretto
 
   A vida é dura, Zé!, a vida é dura!, aquela caralha morreu!, já viste?, aquela caralha morreu! - disse o Vitor, já sem o amplo sorriso que habitualmente lhe adornava o rosto, referindo-se à mulher, que falecera recentemente, vítima de grave doença de que nunca suspeitaram e que se revelara no decurso dos tratamentos que ele próprio vinha fazendo. - Coragem, Vitor!, coragem! - respondeu o Zé, com uma leve palmada nas costas, sentindo a inútil e frustrante vulgaridade do incentivo perante o infortúnio do seu velho amigo. 
 
   Vitor era um pequeno empresário, um ás em eletricidade auto; sempre a cem à hora, perspicaz e decidido, nenhum problema deixava por resolver. Viveu para o trabalho, acompanhado, frequentemente, pela sua discreta mulher. Uma das pessoas mais trabalhadoras e exemplares que Zé, que correu mundo, conhecera. No dia seguinte, pela manhã, radiosa de luminosidade, Zé e o seu filho João, junto ao portão da oficina, acenaram com entusiamo ao largo e sorridente cumprimento de Vitor, que passava, rapidamente, na sua viatura de serviço. Parecia satisfeito a caminho de um qualquer serviço profissional.
 
   No dia seguinte, há um grande alarido na marginal junto às arribas da papoa; muita gente e bombeiros. - Parece que é o Vitor, pai! - disse o João. Zé foi ver; era o Vítor!, a convalescer de grave doença que parecia ter recrudescido nos últimos tempos, sem o apoio de sempre, cansado de lutar, Vitor não quis perder tempo agonizando e resolveu enfrentar a morte; apontou o carro ao mar, acelerou a fundo e, do cimo das arribas, precipitou-se nas águas daquela pequena e frondosa praia onde em tempos longínquos encalhara o San Pedro de Alcântara, carregado de metais preciosos. Vitor era um tipo decidido! Zé percebera-o.
 
  - Bom dia, Vitor; então o nosso Benfica? - Ah!, assim tá bem, assim vamos lá!, desta vez gostei! - Recordou o Zé com pena e saudade, tentando perceber porque não detetara tamanho desespero.  Adeus Vitor; Deus saberá acolher-te! - disse baixinho na derradeira homenagem, derramando um punhado de terra sobre a urna.

Sem comentários:

Enviar um comentário