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terça-feira, 26 de julho de 2016

Do Capitalismo (2)


  
William Turner; Eruption Bridgman credit 
   No início do século XVII, 90 % da população vive ainda da agricultura e a nobreza mantém os seus privilégios recusando-se a reconhecer igualdade social aos camponeses e artesãos. A igreja resistia aos avanços da ciência perseguindo Erasmo, queimando o humanista Giordano Bruno por heresia em 1600, enclausurando Campanella durante 27 anos, e obrigando, em 1633 através da Inquisição, Galileu, a retratar-se dos seus “diálogos sobre os principais sistemas do mundo.
   Apesar do poderio espanhol, já em declínio na américa e na europa, é na Holanda, antigas “Províncias Unidas”, em Inglaterra e em França que prossegue a longa marcha rumo ao capitalismo. Com um comércio pujante, uma agricultura moderna, uma burguesia poderosa, ausência de nobreza e grande tolerância, foi na Holanda que Descartes se instalou em 1625 e publicou o seu famoso Discours sur La Methode pour Bien Conduire sa Raison et Chercher da Verité dans les Sciences em 1637 e as suas Meditátion Metaphysique em 1641. 
   Segundo Karl Marx, a Holanda foi o símbolo do capitalismo comercial e financeiro da primeira metade do século XVII. Independente da Espanha desde 1609, principal destino dos judeus expulsos de Espanha e Portugal, implementando a normalização e mecanização da produção, os holandeses construíram uma vasta frota - superior em marinheiros (na sua grande maioria estrangeiros, na época considerados a escória dos trabalhadores) às da França, Inglaterra, Espanha e Escócia em conjunto -, que lhes permitiu obter grandes lucros no comércio mundial que desenvolveu, sobretudo na Ásia, através da Companhia Holandesa das Índias Orientais, e na América latina. Para a difusão deste comércio contribuiu decisivamente o poderoso Banco de Amesterdão com a criação do florim branco, recebendo depósitos, efetuando pagamentos em divisas e concedendo créditos, à cidade de Amesterdão, à Companhia das Índias e, por fim, às empresas privadas. Na segunda metade do século XVII, as sucessivas guerras - com Inglaterra em 1652/54; 1665/1667; 1672/74, com a França em 1672, e sobretudo a da Sucessão de Espanha - 1702/14- e o consequente endividamento, conduzem ao enfraquecimento da economia holandesa e à perda da sua predominância. 
   ­­­A supremacia do poder marítimo e colonial da Inglaterra face à Espanha e à Holanda nos séculos XVI e XVII, permitiu decuplicar o seu comércio externo de 1610 a 1640, desenvolvendo uma poderosa burguesia associada à miríade de mercadores, artesãos e assalariados, que produziam e transacionavam têxteis, aço, papel, alúmen, hulha e manufaturas diversas. Para o sucesso da expansão comercial inglesa contribuiu decisivamente a Companhia das Índias Orientais, fundada em 1600 pela rainha Vitória, que estabeleceu feitorias nos locais mais recônditos do império, bem como a aliança entre a alta burguesia e o Estado, caracterizada pelo engrandecimento nacional e enriquecimento de ambos, cujos negócios, este, protegia, através de regulamentação económica e fiscal. Tal não impediu a decapitação de Carlos I, em 1649, pela infeliz ideia de decretar o aumento dos impostos sem consentimento Parlamentar e com isso provocar a ira popular, dando origem à ascensão da república oligárquica que Cromwell rapidamente converteu em ditadura. Partidário do mercantilismo, Cromwell impôs a exclusividade do transporte marítimo à frotas inglesa ou coloniais, bem como os marinheiros ingleses às mesmas, em, pelo menos, três quartos do total.  
   A economia inglesa, predominantemente rural, abalada por nova vaga de enclosures - extensas áreas retiradas à atividade agrícola para uso exclusivo de pastagens de ovelha -, gerou novos contingentes de camponeses sem terra e a reativação do descontentamento popular que culminou com a exigência de democracia parlamentar, liberdade e propriedade que, justamente, constituíam as aspirações dos camponeses médios e abastados, artesãos, comerciantes e notáveis locais. A estratificação socioeconómica é extensa e a diferenciação salarial oscila entre as 6,1 libras anuais para cada família de camponeses pobres - 400000 - e as 2590 para cada uma dos lordes - 186 -, sem contar com os vagabundos – 30000 pessoas – que auferiam 2 libras anuais! Aumento salarial, redução do horário de trabalho e proteção contra a concorrência estrangeira era o que artesãos pobres, operários e negociantes-fabricantes exigiam da regulamentação estatal, em vez de democracia e liberdade. 
   Em 1689, na sequência do descontentamento popular liderado pela alta burguesia, banqueiros, profissionais liberais, grandes camponeses e comerciantes, que reclamavam democracia e liberdade, forçando o exílio de Jaime II, o Parlamento oferece a coroa de Inglaterra a Guilherme mediante o compromisso de, este, respeitar a célebre Declaration of Rights” que impedia o Rei de suspender a aplicação das leis, de receber impostos e de recrutar e manter um exército em tempo de paz sem o consentimento do Parlamento. A extinção do absolutismo, em que a Inglaterra foi pioneira, não deu lugar à democracia, uma vez que apenas cerca de cinquenta mil proprietários tinham direito a nomear representantes no parlamento. Aliados do lado do povo no condicionamento do poder régio, as novas elites mudam de estratégia e estabelecem um compromisso com a nobreza. 
   Com o seu Leviatan , publicado em 1651, Locke rebate as teses absolutistas de Hobbes defendendo a livre adesão dos cidadãos como legitimação da sociedade e o direito de insurreição; Em consequência, cada vez que o legislador ataca os bens que pertencem ao povo e o prejudica, cada vez que procura escravizar o povo impondo-lhe um poder arbitrário, entra em guerra com ele. Paradoxalmente, ou nem tanto, Locke, originário de famílias abastadas, médico, com experiência de administração pública, tendo viajado por França e Holanda, não reconhece aos trabalhadores capacidade para governar, preconizando o uso da força para os pobres. Aos vagabundos válidos - entre os 14 e os 50 anos -, condenava a servir três anos na frota, aos que vivessem junto ao mar, aos restantes teriam que trabalhar três anos nas Workhouse - casas de trabalho comunal. Os que tivessem menos de 14 anos condenava-os a serem chicoteados e obrigados a frequentar uma escola de ofícios. Para Locke, os homens com direito ao contrato social são os membros da nobreza, do clero, da gentry e da burguesia comercial e financeira. 
   O liberalismo surge pela pena de Sir Dudley North, admirador de Descartes, na sua obra Discourses Upon Trade publicada em 1691;…Nunca nenhum povo enriqueceu por intervenção do Estado, mas é a paz, a indústria, a liberdade e nada mais que atraem o comércio e a riqueza. 
   O banco de Inglaterra, fundado em 1694 e os tratados de Methuen - com Portugal em 1703 - e de Utrecht - com a Espanha em 1713 -, abrindo aos ingleses os mercados da américa do sul,  expandiram e consolidaram o domínio da economia mundial pelos ingleses, que só viriam a perder para os americanos no decurso da primeira guerra mundial.
(Continua)

(Síntese livre a partir da obra de Michel Beaud; A História do Capitalismo)

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