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sábado, 23 de julho de 2016

Aberrações democráticas (2)

  
Edward Hopper - Gloucester Beach, Bass Rocks, 1924.
 
   A ascensão do PS ao poder executivo em 2015, não obstante a pesada derrota eleitoral que sofreu, constitui um exemplo de fragilidade, extensível à generalidade das democracias, passível de radicalizar e aprofundar as fissuras sociais  da sociedade portuguesa. A aliança de poder pós-eleitoral que se verificou não foi sufragada pelos eleitores, incluindo os do Partido Socialista, sentindo-se, muitos deles, ludibriados, vexados e revoltados. A falta de ética política acabará por liquidar o regime que a pratica, disseminando-se e corroendo toda a comunidade.
 
   António Costa ascendeu à liderança do seu partido "atropelando" o líder anterior, considerado "fraco", apesar das sucessivas vitórias políticas ainda que marginais. A tremenda carga de austeridade imposta aos cidadãos pelo governo PSD/CDS a mando da troica, parecia garantir vitória folgada nas Legislativas ao PS liderado por António Costa dada a sua maior experiência política; como Ministro da Justiça, da Administração Interna, de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e do seu perfil algo carismático. A sua polémica passagem pela Capital, agravando encargos correntes com pessoal, disseminando taxas por proprietários, operadores hoteleiros e aeroportuários, extorquindo financiamentos ao Governo, condicionando a circulação de viaturas, abrindo estaleiros em pontos vitais como o do Terreiro do Paço, traduziu-se numa gigantesca campanha de propaganda político-partidária, graças, sobretudo, ao permanente ambiente festivo proporcionado pela generosa mobilização das gentes da "cultura", que, pelas ruas de Lisboa e a soldo do município, anunciavam a chegada do "homem providencial", capaz de volatilizar qualquer crise.
 
   António José Seguro, de outra geração e com uma cultura política moderada mais propícia ao diálogo e entendimento com os seus congéneres à direita, fiel aos valores históricos do seu partido, constituía uma séria ameaça à ala radical do PS, "herdeiros" políticos de Manuel Serra, infiltrado pelo PCP nos primórdios da sua fundação (Rui Mateus; "Contos Proibidos"). As reformas em curso que o Governo da Passos Coelho, implementou no setor público; reduzindo os encargos com pessoal, eliminando instituições esvaziadas de utilidade, escrutinando despesas, reduzindo prazos de pagamento a fornecedores, promovendo a convergência com a sociedade civil em matéria de saúde e apoios sociais e privatizando ou tentando privatizar os remanescentes bastiões comunistas - TAP, RTP, METRO de Lisboa, METRO do Porto, Carris, STCP, CP, CP Carga, Refer, Portos, Estiva, etc - ameaçava seriamente grande parte do "aparelho" instrumental da esquerda que lhe permite manter o país refém da sua ideologia. A sua base eleitoral e instrumental de apoio estava pois em risco. Urgia ganhar a qualquer custo e reverter o processo, independentemente da legitimidade do Governo em funções.
 
   A realidade eleitoral foi outra, afinal!, António Costa não conseguiu convencer os eleitores - que, significativamente, tinham percebido as causas da austeridade -; renunciou o entendimento com o partido vencedor e sujeitou-se ao diálogo com os partidos não democráticos, minoritários, antieuropeístas e demagógicos, traindo a história do seu partido e os seus próprios eleitores, que nunca lhe perdoarão ter entregue o país, ainda que indiretamente, ao totalitarismo comunista e à irresponsabilidade e oportunismo dos bem instalados "bloquistas".
 
   Os resultados eleitorais mostraram que a maioria dos cidadãos reconhece a necessidade de austeridade mas com alguma suavização. Daí terem imposto ao partido vencedor o diálogo com o partido vencido. Que deveria ter acontecido. Os factos apontados acima e os exemplos da Grécia e da Espanha, em que os respetivos Partidos Socialistas perderam importância política para os partidos radicais de esquerda, até aí marginais, induziram António Costa e seus prosélitos a "guinar" à esquerda, receosos de eventuais consequências similares. De todo o modo, será menos pernicioso o radicalismo controlado pelo PS do que se em maioria. Apesar dos "sapos" que, sucessivamente, terão de engolir, os três partidos estão condenados ao entendimento. Sobre eles paira o espetro do fim dos últimos bastiões do PREC. 
 
   O ciclo de crescimento que parecia assegurado face ao desempenho económico de 2015, graças às reformas de Passos Coelho, permitiram a António Costa avançar para a rápida reversão das restrições pecuniárias do funcionalismo público e do designado Estado social, principais bases sociais do eleitorado socialista. Em permanente ação de propaganda proporcionado pelo aparelho de Estado, António Costa, espera reconquistar a maioria absoluta "com que, inevitavelmente, conduzirá o país a mais uma bancarrota e ao empobrecimento crónico, se os cidadãos o permitirem. Talvez não tenhamos que esperar tanto; afinal, os dados macroeconómicos e as contas públicas degradam-se continuamente, apesar da cativação de verbas, que, mais uma vez, penalizam a sociedade civil, nomeadamente, as empresas privadas e seus trabalhadores.
 
   Esta deriva radicalizante do Partido Socialista tem a virtude de clarificar, definitivamente, a matriz político-partidária e as fraturas sociais em Portugal, terminando um ciclo de equívocos, entre os quais, o que consiste no respeito dos agentes políticos pelo primado da universal igualdade de oportunidades. Fica claro que os partidos de esquerda em Portugal privilegiam os trabalhadores e as instituições do setor público em detrimento de todos os outros, constituindo-se em efetivos instrumentos opressores, propiciadores de privilégios às suas clientelas, precursores de um qualquer autoritarismo sob o chapéu democrático. E a verdade é que o setor público tem todos os poderes nas suas mãos; o normativo, o legislativo, o judicial, o policial e o militar. O risco de uma "reversão" de 180º no regime, é real e exige a oposição de todos os homens livres.

   "Mário Soares chegara a Portugal sob a influência do contrato político acordado com o PCP em Paris em 1973, e, pior do que isso, perfeitamente convencido de que o PS estava predestinado a um papel subalterno em relação aos comunistas" (Rui Mateus, Memórias de um PS desconhecido, pág. 57)

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