Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

domingo, 10 de julho de 2016

Do Capitalismo (I)


Paolo Varonese, Weding in Canã
  
   "História do Capitalismo"  (coleção Teorema), de Michel Beaud, professor de Ciências Económicas na Universidade de Paris VIII desde 1968, apesar da matriz socialista do autor, constitui uma síntese da evolução económica Ocidental desde o início do século XVI,  ao século XX, 1978, e um excelente contributo para ajudar quem aspira a conhecimento da matéria algo acima do rudimentar, como é o caso; perceber as causas e alcance dos grandes acontecimentos históricos do período.  De tradução cuidada, boa qualidade de papel e adequado formato de letra, as análises são sustentadas em profusa informação técnica e ajudam-nos a interpretar muitos dos acontecimentos de hoje.

   A longa caminhada do capitalismo inicia-se com a conquista e pilhagem da América - século XVI - e, numa segunda fase, pela ascensão das burguesias, mercantis e bancárias, do século XVII. A lenta decomposição da sociedade feudal - século V ao XV -, resultado de múltiplas causas; peste negra, guerra dos cem anos, guerra das cruzadas, guerra dos trinta anos, a ascensão das repúblicas italianas, as novas ideias de João Calvino - ao justificar o comércio e os juros atribuindo o sucesso à escolha divina - criou as fundações do capitalismo alterando o regime de propriedade e de ordenamento social, transformando os servos em trabalhadores livres, desenvolvendo e expandindo o comércio regional, proporcionando a acumulação e a expansão das atividades bancárias e financeiras e os progressos da metalurgia, das armas de fogo, da construção naval e das técnicas de navegação.
 
   Extraordinário como a maior tragédia do século XIV, a peste negra, contribuiu decisivamente para a libertação dos camponeses da servidão a que estavam sujeitos pelos senhores feudais e pela hierarquia eclesiástica!  

   Os Descobrimentos - iniciados em 1487 por Bartolomeu Dias ao contornar o Cabo da Boa Esperança - a que se seguiu a descoberta da América por Cristóvão Colombo em 1492, e, em 1498, a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia por Vasco da Gama - resultaram das transformações causadas pela ambição dos reis na busca de grandeza e riqueza, e pelas guerras da Reforma que estes travaram contra o Papa e que abalaram a moral da Idade Média relativamente ao preço justo e à proibição de juros.

   Beaud não atribui qualquer relevância aos descobrimentos e colonização portugueses na evolução do capitalismo, mas destaca a importância da colonização espanhola, que se traduziu na pilhagem de avultadas quantidades de ouro e prata aos Astecas - México - e aos Incas - Perú - cujas populações foram severamente dizimadas; cerca de 90 % naqueles e de 95 % nestes em pouco mais de um século. Um paradoxo consiste no piedoso projeto de cristianização e bênção papal associado às descobertas. Outro, traduz-se no extraordinário trabalho do frade dominicano espanhol Bartolomé De Las Casas na defesa dos índios; nomeadamente junto do imperador Carlos I de Espanha, na sua famosa e comovente carta, na qual se esforçava por lhe explicar que os índios eram seres humanos, ou quase, dotados de sensibilidade e dignos de comiseração.
 
   Geralmente ficou a ideia que a época dos Descobrimentos foi de grande prosperidade económica, mas não é bem assim. Sim para os monarcas, mas não para o povo que viu drasticamente reduzidos os salários reais, 50 % no conjunto, devido à entrada maciça de metais preciosos na economia, que fez disparar a inflação e esteve na origem da numerosas revoltas da população pobre, reduzida à mendicidade, às workhouses e sujeita à forca por vagabundagem, em caso de reincidência. Foi nessa época, 1558, que Gresham proferiu a célebre frase acerca das moedas, segundo a qual, a má moeda expulsa a boa moeda. Foi também nesta época que Maquiavel na sua obra imortal, "O Príncipe", formulou a polémica ideia  de que "num governo bem organizado, o Estado deve ser rico e os cidadãos pobres". A riqueza a reino, que na antiguidade e na era medieval assentara na produção agrícola, passou caracterizar-se pelo comércio e pelas manufaturas. Um novo Deus, o dinheiro, pressentido por Thomas More na sua "Utopia" em 1516, tinha nascido.
 
   Na citada obra "Classe et Nation" de Samir Amin, 1979, reconhecemos métodos bem atuais, "nos modos de produção tributários" nos quais "a submissão duma vasta camada produtora, camponesa e artesanal, permite obter um tributo graças ao qual vive na abastança, e por vezes no luxo, uma oligarquia que possui as armas e controla a religião: é o caso dos modos de produção esclavagista, feudal, asiático e africano". Não anda muito longe da sociedade ocidental atual em que a oligarquia instalada no aparelho estatal, alicerçada em todos os seus poderes, normativo, judicial, policial e militar, subjuga a sociedade civil não comprometida com o poder partidário.
 
(continua)  

Sem comentários:

Enviar um comentário