Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

domingo, 28 de agosto de 2016

Expropriem-nos!

  

 
   Fernando Botero, The Presidential Family, 1967
 
   Desde tempos imemoriais que o Homem, na sequência ou eminência de catástrofes, recorre ao sacrifício de animais ou pessoas, incluindo familiares próximos, para apaziguamento dos deuses, numa demonstração de obediência e subserviência incondicional. O Velho Testamento está repleto destes casos, o mais conhecido o de Abraão, que estava disposto a matar o próprio filho, afetuoso, obediente e inocente, para demonstrar o seu amor a Deus.  Com o seu exemplo, Cristo deu um contributo decisivo pondo termo a esta prática bárbara, restituindo ao Homem a capacidade de superação das suas dores, culpas, bastando para tanto, o seu arrependimento sincero, libertando-o da prepotência das hierarquias eclesiásticas e seus próceres. Porém tal fenómeno, apesar disso, repete-se ao longo dos tempos em que o poder suscita, frequentemente, na maioria das pessoas, uma obediência incondicional na esperança de obtenção da comunidade,  aceitação, tolerância ou clemência.
 
   Também os ancestrais "direitos naturais" de vingança, de sangue ou de honra, características da Antiguidade ou da Idade Média, não estão totalmente erradicadas nas sociedades modernas, com especial ênfase nas comunidades mafiosas sicilianas, americanas, ciganas e outras. Pelo contrário, em especial a segunda Guerra Mundial, consagrou o sacrifício de civis como legítimo alvo das forças militares em confronto.
 
   No caso dos incêndios que devastam as florestas nacionais não é difícil descortinar o mesmo espírito de vingança na sociedade portuguesa, tanto mais que a evolução político-económica dos últimos anos, aprofundou e fez alastrar como nunca, velhos ódios, entre a população.
 
   "São os madeireiros que metem fogo às florestas para reduzirem os preços da matéria-prima, são os mentecaptos cuja deficiência compele a experiências pirómanas, são os bombeiros que adoram o ofício a ponto de meterem fogo à floresta, são os interesses empresariais associados aos incêndios, fonte inestimável de rendimentos. Ultimamente, dei comigo a pensar que certos interesses político-partidários não devem ficar fora do cesto da suspeição; afinal, perante a extensão da floresta ardida este verão, as esquerdas, clamam pela coletivização das terras, ainda que encapotadamente, como castigo para os prevaricadores dos proprietários, esses criminosos "usurpadores do património coletivo" que tanto desvelo suscitam dos igualitaristas.
 
     Ora, os incêndios florestais são naturais e necessários à regeneração e enriquecimento da floresta. O húmus resultante dos detritos florestais propiciam a sustentabilidade e diversidade animal. Ao Estado compete encontrar forma de controlar este processo de forma a proteger as populações minimizando os estragos.
 
   As causas dos incêndios são múltiplas e bem conhecidas:
 
      - A transmissão indivisível da propriedade rural foi, no século XIV, cancelada passando a lei a impor a sua repartição pelos legítimos herdeiros. Este processo culminou na inviabilização económica da propriedade rural, razão primeira do seu abandono.
 
      - A emergência do setor terciário, a economia dos serviços, em detrimento dos setores primário e secundário que se verificou sobretudo no mundo Ocidental no século XX, acelerou o abandono dos campos, em marcha desde e era pré-industrial, séculos XVII e XVIII, e o consequente abandono do mundo rural..
 
      - A expansão do ensino superior, como "elevador social" associado ao estigma do trabalhador rural, incentivou as novas gerações à qualificação para serviços, designadamente públicos.
 
      - O caso português contempla ainda os complexos "progressistas" que desataram a desmantelar todos os símbolos do Antigo Regime, entre os quais o programa de gestão das florestas públicas. Uma rede nacional de guardas florestais assegurava a gestão das matas nacionais, cortando matos, desbastando árvores e vigiando a sua utilização, razão suficiente para dissuadir os habituais desleixos. A nível superior, altos quadros da especialidade, tratavam de estudar e planear a reflorestação contemplando a diversidade florestal, o retardamento dos fogos e a implementação de acessos às ajudas. Tudo foi cancelado por Álvaro Barreto, quando Ministro da Agricultura, que, alegadamente, cedendo aos interesses das empresas de celulose - por causa das quais, as autoridades destruíram a Praia da Claridade -, implementou a desastrosa monocultura do eucalipto.
 
   A adesão de Portugal à CEE/UE, teve como consequência económica o decrescimento dos setores primários, devido à baixa produtividade e falta de competitividade face aos seus parceiros europeus. Os abundantes financiamentos para o abandono das culturas não foram compensados com medidas de prevenção dos riscos inerentes, nomeadamente em matéria de segurança.
 
   Por último, segundo consta, anda por aí uma nova entidade de gestão florestal a aplicar pesadas multas a torto e a direito aos desgraçados dos proprietários que têm a veleidade de querer tratar das suas propriedades, cortando matos ou efetuando desbastes.
 
   Ao Estado compete zelar pelos bens das pessoas, incluindo as propriedades florestais, nomeadamente, impedindo os incendiários de destruir a propriedade alheia. Ao invés, o Estado, que desleixa a gestão da sua própria floresta, não protege os bens dos cidadãos, como é de sua obrigação e esbanja os dinheiros públicos sem dar as explicações a que está obrigado por lei, sempre insaciável por mais recursos, afia o dente para estraçalhar os cidadãos, proprietários por inerência, já fustigados com IVAS, combustíveis, eletricidade, águas, licenças, taxas, e tudo o mais que os há-de revoltar e fazer denunciar as ditaduras disfarçadas de democracias do "absolutismo progressista"!
 
   Ouvi há dias um "especialista" na TV invectivar, aludindo à lei, um proprietário que disparou uns tiros de caçadeira sobre um helicóptero que tentava abastecer-se na sua piscina, ou depósito. Não terá ele direito a salvaguardar a sua água para proteger a sua propriedade? O mesmo iluminado" apontava, em tom de crítica, a dispersão habitacional como causadora da dificuldade do combate aos fogos florestais! Ora, com a insanidade que o atual governo demonstrou nas alterações aos impostos sobre a propriedade habitacional, é natural e compreensível que as pessoas abandonem as cidades e o litoral para se instalarem nas zonas rurais. Afinal, talvez seja esta a medida que faltava para reverter a desertificação do interior!
 
À semelhança do que acontece com o abandono dos centros urbanos - o Estado estraga tudo em que mete a mão - a reversão do abandono das matas - e dos centros urbanos - consiste, tão simplesmente, em tornar a viticultura viável e não em servir de pretexto para mais impostos dos indefesos cidadãos.
 
Os decisores políticos nunca são responsáveis, porquê? Simples; porque dominam as instâncias normativas e jurisdicionais!, Então, onde está a vantagem da democracia?, em escolher o ditador? 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O que a Comunicação Social esconde acerca das alterações climáticas.

 
 
Banks of a River with Barge 1864, Camile Pissarro
 
 

THE HOCKEY SCHTICK: Bombshell: New study confirms 'solar activity has ...

  


The Seine at Marly 1971, Camile Pissarro

   Os efeitos térmicos do Sol na superfície terrestre não se devem apenas ao impacto direto do calor radiante que emite. Estudos científicos da Universidade Técnica de Copenhague, durante 25 anos, suportados por medições de 130 estações meteorológicas e modelação atmosférica, sugerem que, as emissões solares - massa coronal, campo eletromagnético e radiação térmica, afetadas pelas erupções solares -, têm um efeito de varrimento temporário dos raios cósmicos - micro-partículas cósmicas -, que, pelo processo de ionização, contribui significativamente para a formação das nuvens, que, por sua vez, propiciam a regularização térmica "automática" do planeta. Os referidos estudos revelaram uma redução de cerca de 2 % da massa de nuvens por ação solar, correspondendo ao desaparecimento de cerca de 1 bilião de toneladas de água da atmosfera, por cada evento solar. Estes factos têm sido pouco valorizados pelo IPCC. A mesma instituição que continua a defender o cada vez mais indefensável Hockey Stick - elaborado por Michael Man at al -, sustentado numa metodologia manifestamente errónea, base da tese das causas antropogénicas do Ótimo Climático Moderno - 1920 a 1984. Por outro lado, como se pode verificar no gráfico abaixo - e em muitos outros - verifica-se a sobreposição quase plena das temperaturas da Terra desde 1850 com a atividade solar.
"The IPCC models fail to consider multiple solar amplification mechanisms, including cosmic rays and numerous other amplification mechanisms, thereby ignoring that solar activity can explain the 0.7C global warming since the end of the Little Ice Age in 1850. Solar activity reached a grand maximum in the latter half of the 20th century, and accumulated solar energy (the 'sunspot integral') explains global temperature change since 1900 with greater than 97% statistical significance.  This new paper confirms that solar activity variation can account for a 2% variation in global cloud cover, sufficient to explain the warming of the 20th century and without any consideration of CO2 "radiative forcing.""


THE HOCKEY SCHTICK: Bombshell: New study confirms 'solar activity has ...: A  new study confirms "s olar variations affect the abundance of clouds in our atmosphere," a solar amplification mechanism which ...

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A influência do Sol nas temperaturas da Terra

   



Davos In Summer, Ernst Ludwig Kirchner, 1925
   
   Um excelente trabalho, utilíssimo para que está, interessado em se informar, com mais profundidade, sobre a temática do Aquecimento Global. Trata-se de um resumo e vários trabalhos científicos em datas e locais diferentes, que mostram a correlação entre a atividade solar e as variações das temperaturas atmosféricas e oceânicas, desde há milénios!


"Robust Correlation: Ocean Temperatures and Solar Activity
Sejrup et al., 2010   (Norwegian Sea)

Response of Norwegian Sea temperature to solar forcing since 1000 A.D.

“Here we present an exceptionally well-dated marine sediment sequence in the eastern Norwegian Sea which records 1–2°C variations of temperature in northward flowing Atlantic waters that are robustly correlated with various estimates of solar activity spanning the last 1000 years. The temperature and solar proxy variations appear to be synchronous within dating errors, which, together with the large amplitude of the temperature signal and its correlation into central Europe, suggests strong coupling of the regional atmospheric and oceanic responses to the Sun.
- See more at: http://notrickszone.com/2016/08/22/scientists-ocean-temps-vary-robustly-and-near-synchronously-with-solar-activity/#sthash.dOO7KZty.eocjyxfP.dpuf"

http://notrickszone.com/2016/08/22/scientists-ocean-temps-vary-robustly-and-near-synchronously-with-solar-activity/#sthash.dOO7KZty.ySlQ49JB.dpbs 

domingo, 21 de agosto de 2016

Taxar a natalidade dos ricos; o último desígnio dos ambientalistas!


    httpswattsupwiththat.com20160819climate-philosopher-demands-a-tax-on-children

       Pelos EUA, anda um filósofo climático da Universidade de Georgetown, a desincentivar ao jovens de terem filhos e a aconselhar os Governos dos países desenvolvidos a aplicarem taxas a quem os tiver. Isto, quantificar os filhos em equivalentes de carbono, é uma barbaridade, mas a verdade é que os defensores da teoria das causa antropogénicas, se fossem coerentes, defenderiam o mesmo. O crescimento populacional da Terra de cerca de mil milhões de pessoas no início do século XIX para os cerca de sete mil milhões atuais, em consequência do progresso económico e tecnológico, estão a pôr em causa os recurso do planeta. A discussão então deveria centrar-se em conciliar o progresso económico e populacional com a preservação dos recursos o que, manifestamente, parece tratar-se de uma impossibilidade! Se o progresso económico coloca em causa, em última instância, a sustentabilidade do planeta e a sobrevivência do Homem, o decrescimento económico preservá-los-ia?, como se concilia o empobrecimento com a felicidade dos empobrecidos? Faltam filósofos aos tempos modernos!
    "For the sticks part of the plan, Rieder proposes that richer nations do away with tax breaks for having children and actually penalize new parents. He says the penalty should be progressive, based on income, and could increase with each additional child.
    Think of it like a carbon tax, on kids. He knows that sounds crazy." (Marc Morano, filósofo climático da universidade de Georgetown)

    https://wattsupwiththat.com/2016/08/19/climate-philosopher-demands-a-tax-on-children/

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Do Capitalismo (V)


 
Moïse Kisling - Frère et soeur, 1952
No início do século XVIII em França, cerca de 10 % da população - cem mil famílias, quatrocentas mil pessoas, entre militares, magistrados, eclesiásticos, laicos, grandes mercadores, alta nobreza e nobreza adquirida - viviam desafogadamente, das quais cerca de dez mil - entre a alta nobreza, nobreza de toga e grande burguesia - com bens de fortuna. Dos restantes, 30 % vivem enterrados em dívidas, 10 % mendigam e os restantes 50 % não têm condições para de dar esmola àqueles.

Após a fracassada tentativa de alargamento da estrutura governativa aos Concelhos de Nobres pelo Regente Filipe de Orleães, na sequência da morte de Luís XIV, regista-se o regresso ao absolutismo em que os Conselheiros do Rei são recrutados por este, entre a nobreza. Aos plebeus são vedados todos os cargos no Parlamento, na alta administração, na alta magistratura, no oficialato do exército e até no alto clero. Votados os plebeus ao desprezo e à troça, cava-se o fosso entre estes e a nobreza, apesar de muitos deles enriquecerem na prossecução dos seus negócios, graças, sobretudo à política liberal do cardeal Fleury (1726 a 1743).

A Coroa investe na rede viária financiada pela corveia régia, funda a escola de pontes e calçadas em 1743 e o corpo de engenheiros em 1750. Em 1724 é criada a bolsa de Paris. O comércio colonial e tráfico de escravos desenvolvem os principais portos dinamizando a indústria manufatureira por várias regiões - Bretanha, Normandia, Picardia, Flandres, Ruão -, induzindo à concentração dos artesãos em espaços comuns, precursores das modernas fábricas, e promovendo a rivalidade conflituosa entre os artesãos urbanos e os pequenos camponeses empobrecidos pelas más colheitas. Neste contexto, são os mercadores, detentores da matéria-prima e dos contratos de fornecimento que extraem a parte de leão da mais valia de toda a fileira, enquanto os artesãos têm que recorrer ao sobre trabalho - desde antes do sol nascer até muito depois do ocaso - para compor os magros salários.

No inverno de 1910, homens, mulheres e crianças, de rosto e mãos lívidas, esgravatavam a terra procurando raízes que devoravam com sofreguidão, quando as encontravam. Outros pastavam a erva, como gado. Outros ainda deitavam-se na beira da estrada à espera da morte. Havia quem se alimentasse de pão de feto.

A miséria do povo contrastava com a sumptuosidade da Nobreza, que cerrara fileiras em torno do Rei garantindo os privilégios e as prerrogativas proporcionadas pelos cargos régios. De outra parte, a burguesia, enriquecida pelos negócios coloniais, quer aceder aos negócios de Estado reservados à Nobreza.

É nesta turbulência social e económica, que, paradoxalmente, nos luxuriantes salões de veludos, sedas e ouro, germinam e se difundem as ideias que gerarão e desenvolverão a multiforme contestação que acabará por estabelecer os princípios das sociedades modernas.
(Síntese livre da obra "História do Capitalismo" de Michel Beaud)

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Europa; a fábrica de sem-abrigo

 
 
Eugène Boudin - Les pêcheuses de Kerhor, 1870.
 
A imprensa diária noticiava, há dias, que há cerca de 100 mil jovens, 17,5 % entre os 20 e os 24 anos, que nem trabalham nem frequentam a escola, em Portugal. Não admira. Um flagelo que, inevitavelmente, tende a aumentar em consequência das políticas restritivas e punitivas em curso na UE e em Portugal.
 
Desde logo o ensino obrigatório não passa de um mecanismo de exclusão profissional e social gerador de marginalidade que, pateticamente, os sucessivos governos tentam amenizar esturricando recursos públicos em programas condenados ao fracasso mas que enchem os bolsos às estruturas que parasitam na quase inútil formação que por aí se ministra.
 
Como pode impor-se o ensino obrigatório a famílias que não possuem recursos suficientes para sobreviver o dia a dia e, simultaneamente, ceder aos interesses das indústrias que, todos os anos, impõem preços obscenos  ao material escolar, seja livros, mochilas, sapatilhas, canetas, lápis, etc.! Como pode impor-se, às crianças e jovens, currículos de tal forma densos que os obriga a dedicação exclusiva à escola, mesmo fora dela, deixando-os sem tempo para si próprios e que leva muitos deles a odiar a escola e os professores? 
 
O que importa é perceber as causas do abandono escolar e criar, ou ajudar a criar, as condições de as ultrapassar. Que estímulo poderá ter um jovem criado num ambiente de carência familiar ou violência doméstica ou comunitária, para estudar? Que estímulo poderá ter um jovem que perdeu "o comboio" do ensino regular para aderir a uma profissão, se, para tal, lhe exigem a formação obrigatória, apesar de, esta, lhe conferir, apenas, uma habilitação formal e não material?
 
É aqui que se justifica o serviço público e a solidariedade coletiva, removendo obstáculos, concitando apoios, recuperando as pessoas para a dedicação à sua própria vida, sem que tal lhes custe a Liberdade e a dignidade. É aqui que se percebe o equívoco das políticas públicas e da doutrina dominante da compulsão, apesar da retórica democrática; o discurso da produtividade e da qualificação deverá ser substituído pelo da dignidade, da liberdade e da oportunidade.
 
A dignidade é inerente à condição humana e é independente da atividade ou ocupação de cada um. A Liberdade insere-se no direito natural de cada um escolher o seu caminho para a felicidade. Finalmente, a oportunidade, consiste na possibilidade efetiva de cada um mudar de vida, sem constrangimentos e em qualquer fase do seu percurso, nomeadamente aceder a uma profissão que o fascine ou, simplesmente, considere útil. Esta sim, deveria constituir a missão de qualquer governo. Pelo contrário, os governos atuais impõem aos cidadãos a visão do mundo dos seus dirigentes subjugando-os às crescentes necessidades de financiamento das oligarquias e corporações que se instalaram nos aparelhos estatais.
 
De todo o modo, de que servirá cumprir o ensino obrigatório e até o superior se no final do processo são as corporações profissionais e empresariais que filtram os candidatos impondo provas de conteúdo arbitrário e oneroso que nada mais visam senão proteger os instalados e, mais uma vez, encher os cofres das estruturas e os bolsos dos seus agentes?
 
O percurso do Processo de Bolonha em Portugal é mais um claro sintoma do anacronismo das elites nacionais, económicas, estatais e académicas. Com efeito, percebe-se a intenção original de aumentar a eficácia do ensino confinando-o ao que é próprio e essencial a cada atividade e, simultaneamente, reduzir o tempo de acesso dos jovens às profissões, aumentar a concorrência e propiciar a renovação virtuosa dos efetivos.
 
Porque as estruturas de poder embevecidas e imunes nas suas "torres de marfim" julgam poder comandar o mundo e os homens indefinidamente no caminho da "felicidade" que lhes reservaram, os conflitos sociais e as revoluções continuarão a marcar as sociedades humanas, apesar das "democracias" já destituídas dos seus fundamentos originais.

sábado, 13 de agosto de 2016

Do Capitalismo (IV)



Vincent Van Gogh
Designado pelo século das luzes, do despotismo esclarecido ou do espírito francês, o século XVIII sobretudo na segunda metade, caracterizou-se pela expansão do comércio mundial e das produções agrícola e manufatureira, acompanhada pelo aumento dos preços e crescimento populacional - cerca de 60 % na europa; de 120 milhões para 190 milhões -, proporcionando a multiplicação da riqueza e, num fenómeno histórico recorrente, o agravamento da pobreza.

Este é o século da ascensão e afirmação do domínio mundial do capitalismo inglês, colonial, mercantil e manufatureiro, contra os capitalismos holandês, espanhol, francês, ainda marcadamente rural, o prussiano, atávico e despótico, onde de uma nova vaga de enclosures intensificou a proletarização das massas rurais, e onde o progresso tecnológico e a acumulação, criaram as condições para a grande Revolução Industrial do Século XVIX. É o século das revoluções americana - 1776/1772 - e francesa - 1791/1795 – que abririam caminho à insurreição e independência, no século seguinte, de várias colónias da américa latina; Argentina – 1818 -, Colombia – 1819 -, Perú, México e Venezuela – 1821, Brasil – 1822.

Graças ao poder da sua frota naval, que ameaçava a segurança das rotas marítimas dos seus concorrentes, a Inglaterra expandiu o seu comércio e o seu império através dos tratados de Metueen - 1703 -, de Utrech - 1713 - e de Paris - 1763 -, que lhe garantiram acesso comercial às colónias de Portugal, Espanha e França. Determinados a travar a expansão francesa, na sequência da guerra da Sucessão da Áustria, mas, sobretudo no decurso da Guerra dos Seta Anos, a Inglaterra ocupa e integra nos seus domínios várias colónias Francesas e também espanholas a partir das quais procede à anexação de vastos territórios. Todo o Canadá, a Louisiana, a Georgia e várias ilhas das Antilhas, mas também várias colónias em África e na Ásia passaram a integrar o império britânico em detrimento de França e Espanha.

Na América latina os países colonizadores duplicam a extração e, ou, pilhagem do ouro - 20 toneladas por ano contra 10 toneladas por ano no século anterior -, nas Antilhas e no Brasil, com recurso ao trabalho escravo, aqueles, dedicam-se à rentável produção de açúcar enquanto se assiste ao incremento do tráfico de escravos - média de cinquenta e cinco mil por ano no século, contra cerca de dois mil por ano no século anterior, em média (segundo M. Goulart, entre 1500 e 1851 - entraram no Brasil cerca de 3,5 milhões de escravos, e entre 1680 e 1786, cerca de 2,1 milhões nas colónias Britânicas da América. Curioso como, entre os armadores, já se faziam sentir as modernas ideias francesas, chegando mesmo, um deles, a batizar os seus navios de Voltaire, Rosseau, O Contrato Social. Foi nesta matriz económica que se verificou o enriquecimento burguês europeu nos séculos XVI, XVII e XVIII.

Às suas colónias, a Inglaterra definiu os parâmetros de relacionamento - que caracterizaram o colonialismo em geral - a título de gratidão pelo desenvolvimento proporcionado - tese ainda hoje defendida por alguns historiadores -, impondo a subordinação dos interesses daquelas aos seus, consistindo na reserva dos mercados coloniais aos produtos da metrópole, na preferência pelos artesãos e marinheiros desta e na primazia da mesma no fornecimento de produtos, especialmente matérias-primas, de que carecesse.

Na América do Norte emerge uma economia eminentemente agrícola e esclavagista a sul e, a norte, uma economia moderna, combinando a agricultura, a manufatura e o comércio, com participação no comércio triangular. Ultrapassados os obstáculos francês e espanhol à expansão para ocidente, os colonos americanos travam uma guerrilha permanente contra os índios – chegando a oferecer prémios por cabeça - de que é exemplo a guerra contra os Cherokees entre 1759 e 1761.

Na sequência de vários desentendimentos de natureza tributária com a metrópole, em 04 de Julho de 1976, um congresso de treze colónias americanas adota a célebre Declaração de Independência, largamente influenciada pelos filósofos europeus, donde se destaca o princípio da igualdade dos homens pelo nascimento, o seu inalienável direito à Liberdade e à procura da felicidade, a obrigação dos governos, consentidos pelos governados, os garantirem e ainda o direito destes os mudarem ou abolirem, sempre que ponham em causa tais direitos.

Nos seis anos de duração da guerra da independência, a que o Tratado de Versailles pôs termo, os americanos beneficiaram do apoio da França - 1778 -, da Espanha - 1779 - e da Holanda – 1780, potências interessados no enfraquecimento do seu rival, ajudando à indGravelinesependência das suas antigas colónias.

Assim, o capitalismo do século XVIII é nacional e global, caracterizado por sucessivas guerras entre rivais e pela extorsão das riquezas dos domínios coloniais, que suscitou a reação dos povos dominados culminando com a independência da América - primeira descolonização -, e vários movimentos independentistas fracassados.

PS1; Será que os americanos, defensores da autodeterminação dos povos, principais responsáveis na viragem da política da ONU relativamente à política colonial portuguesa, consideravam os índios pessoas com direito à liberdade e felicidade que preconizavam para si próprios? E como se integram eles, hoje na sociedade americana? Sentir-se-ão livres e felizes nas reservas que lhes atribuíram? Considerarão todas as pessoas dignas desses direitos?

PS2; A ascensão da Inglaterra como maior potência colonial deve-se acima de tudo à supremacia naval obtida na sequência da vitória sobre a Armada Invencível, na célebre batalha naval de  Gravelines travada em 1588, devido a uma séria de circunstâncias aleatórias na sequência de uma má decisão do rei Filipe IV de Espanha. Um exemplo de como um erro de avaliação pode mudar o curso da história.

sábado, 6 de agosto de 2016

Do Capitalismo (III)



Os Síndicos da Guilda dos Fabricantes de Tecidos, 1662 (Rembrandt) 
   A economia francesa do século XVII caracterizou-se pela ascensão e consolidação do mercantilismo baseado na manufatura e na expansão colonial de iniciativa estatal sustentada pela aliança da alta burguesia com a monarquia absolutista que com Luís XIV atingiu o seu auge. Época de grave depressão económica marcada por sublevações, quer dos camponeses quer dos assalariados urbanos contra a extorsão fiscal multifacetada e o dízimo eclesiástico, com perseguição e bárbaro assassinato dos cobradores de impostos.
Montchrestien, filho de um boticário que convive com a nobreza, no seu Traité d’Economie Politique publicado em 1616, defende que a riqueza do Estado não é possível sem a riqueza da burguesia justificando assim o amor e a procura do lucro pelos mercadores nacionais como forma de proporcionar o enriquecimento do Estado. Em simultâneo, sintetizando o pensamento mercantilista, preconiza medidas de incentivo à produção nacional para travar a descapitalização do reino pelos mercadores estrangeiros, a criação e expansão por todas as províncias de França de oficinas de artes e ofícios e, por fim, a expansão colonial, para “dar a conhecer o nome de Deus, nosso criador, aos povos bárbaros privados de civilização..prontos a submeter-se-nos para que, através dos santos ensinamentos e dos bons exemplos, os encaminhemos para a via da salvação”.
Richelieu, primeiro-ministro de 1624 a 1642, cargo a que ascendeu na sequência do assassinato de Henrique IV e da regência de Maria de Médicis, procedeu à organização e consolidação do Estado absolutista, dominando as classes poderosas e os contestatários, incentivando os conflitos contra os inimigos externos de França, os Habsbusgo, investindo nas infraestruturas públicas, estradas, canais e portos, na restauração da agricultura, das manufaturas, na marinha mercante e, particularmente, nas companhias de comércio. Profundo conhecedor das coisas do mar, Richelieu preconizou o crescimento das companhias de mercadores, pela via da fusão, com atribuição de fortes privilégios, e do forte investimento régio numa marinha de guerra capaz de os proteger, e à França, de ameaças externas.
Apesar do fracasso de algumas companhias, outras tiveram sucesso, casos da Companhia dos Cem Sócios (Canadá), da Companhia da Cabo Verde (Senegal), da Companhia da ilhas da América (Antilhas), da Companhia das Índias Orientais (Madagáscar). Em 1628 estabelece-se em Argel uma feitoria francesa.
O apogeu do mercantilismo francês é atingido nos consulados de Luís XIV e Colbert caracterizado pela aliança do “Rei-Sol” com a burguesia cada vez mais chamada às responsabilidades do Estado, para desespero da velha aristocracia. A forte aposta nas manufaturas, nos portos e na marinha mercante conjugada com medidas protecionistas, taxas sobre navios estrangeiros e taxas alfandegárias, permitiria retirar da ociosidade um milhão de pessoas que viviam nos asilos e expandir a riqueza e o poder do Estado. Procedeu-se ao levantamento exaustivo dos recursos do país, elaborou-se um plano de produção conforme as especificidades regionais, importaram-se máquinas e técnicos, implementando-se uma vasta série de medidas de fomento industrial, que deram lugar a vasta produção de bens de uso corrente - tecidos de lã e de linho -, de produtos básicos - de siderurgia, papel e armamento -, e de produtos de luxo - tapeçarias, porcelanas, vidrarias e tecidos.
No plano laboral foi imposta uma forte disciplina fabril - na verdade mais parecida com escravatura -, impondo a aprendizagem dos ofícios e a obrigação de adesão ao trabalho fabril em jornadas de doze a dezasseis horas, a mendigos, vagabundos, solteiras e pessoal conventual. Às crianças é imposta a aprendizagem dos ofícios. Os operários têm que participar na missa matinal, trabalhar em silêncio ou em cânticos comuns e sujeitar-se a multas, ao chicote ou à golinha, em caso de engano. (isto quando, simultaneamente, se preconizava a evangelização dos povos bárbaros das colónias e a civilização dos mesmos pelos bons exemplos!)
Finalmente, consolidaram-se as companhias de comércio - das Índias Orientais e do Levante -, através da concessão de correspondentes monopólios por largas dezenas de anos, assistindo-se à expansão da presença francesa no mundo; São Domingos (1655), vale do Mississipi (1673), Pondichery (1674).
Porém, os malefícios deste mercantilismo exageradamente protecionista lançou a miséria sobre os camponeses, com falta de escoamento das suas produções de vinho e cereais, devido ao desinteresse dos mercadores holandeses, obrigados a procurar outros parceiros, devido às fortes restrições a que estavam sujeitos pelo Estado francês. Boisguilbert, no seu Testament Politique de M de Vauban (1712), reclama a liberdade de preços e de comércio externo, defendendo a reciprocidade comercial e o lucro como forças motoras dos mercados, leis sagradas e ignoradas, cuja violação constitui a primeira e principal causa da miséria geral.
Só no século seguinte, “a longa marcha para o Capitalismo” atingirá a maturidade, caracterizando-se, nesta época, na Europa, pela extorsão do sobre trabalho pela via tributária; rendas de múltiplas formas e espécie impostas ao campesinato pela nobreza, pela Igreja e pelo Estado Régio. (hoje, cinco séculos depois, não é muito diferente; assistimos, na Europa, ao cada vez mais forte capitalismo de Estado substituindo-se a nobreza e o Estado Régio pelas elites partidárias e pelo funcionalismo público, que, entretanto, relegaram a Igreja à mendicidade).
À extorsão dos camponeses, acrescentou-se o afluxo de riquezas das américas - resultantes da pilhagem dos seus tesouros, do tráfico de escravos e do trabalho forçado -, que proporcionou a acumulação estatal e burguesa, entidades aliadas nesta conjuntura.
Fortalecida a burguesia, logo tratará da abandonar as teses mercantilistas e avançar para o livre-câmbio (Liberalismo) e a difusão de novas ideias de liberdade, concitando o apoio da pequena burguesia e das classes populares.
Sublinhe-se a importância do Estado no nascimento do Capitalismo e a imprescindibilidade da grande burguesia que se reforça nas estruturas do Estado-Nação. O Capitalismo é, desde a sua formação, nacional, estatal, concorrencial e monopolista; internacionalista, o seu espaço é o mundo, onde negociará mão de obra, matérias-primas, manufaturas, equipamentos e, especialmente a partir do século XX, toda a panóplia de serviços cada vez mais diversificados e especializados com que os países desenvolvidos absorvem parte da produção dos restantes.
(Continua)
(Síntese livre de "A História do Capitalismo" de Michel Beaud)