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sábado, 6 de agosto de 2016

Do Capitalismo (III)



Os Síndicos da Guilda dos Fabricantes de Tecidos, 1662 (Rembrandt) 
   A economia francesa do século XVII caracterizou-se pela ascensão e consolidação do mercantilismo baseado na manufatura e na expansão colonial de iniciativa estatal sustentada pela aliança da alta burguesia com a monarquia absolutista que com Luís XIV atingiu o seu auge. Época de grave depressão económica marcada por sublevações, quer dos camponeses quer dos assalariados urbanos contra a extorsão fiscal multifacetada e o dízimo eclesiástico, com perseguição e bárbaro assassinato dos cobradores de impostos.
Montchrestien, filho de um boticário que convive com a nobreza, no seu Traité d’Economie Politique publicado em 1616, defende que a riqueza do Estado não é possível sem a riqueza da burguesia justificando assim o amor e a procura do lucro pelos mercadores nacionais como forma de proporcionar o enriquecimento do Estado. Em simultâneo, sintetizando o pensamento mercantilista, preconiza medidas de incentivo à produção nacional para travar a descapitalização do reino pelos mercadores estrangeiros, a criação e expansão por todas as províncias de França de oficinas de artes e ofícios e, por fim, a expansão colonial, para “dar a conhecer o nome de Deus, nosso criador, aos povos bárbaros privados de civilização..prontos a submeter-se-nos para que, através dos santos ensinamentos e dos bons exemplos, os encaminhemos para a via da salvação”.
Richelieu, primeiro-ministro de 1624 a 1642, cargo a que ascendeu na sequência do assassinato de Henrique IV e da regência de Maria de Médicis, procedeu à organização e consolidação do Estado absolutista, dominando as classes poderosas e os contestatários, incentivando os conflitos contra os inimigos externos de França, os Habsbusgo, investindo nas infraestruturas públicas, estradas, canais e portos, na restauração da agricultura, das manufaturas, na marinha mercante e, particularmente, nas companhias de comércio. Profundo conhecedor das coisas do mar, Richelieu preconizou o crescimento das companhias de mercadores, pela via da fusão, com atribuição de fortes privilégios, e do forte investimento régio numa marinha de guerra capaz de os proteger, e à França, de ameaças externas.
Apesar do fracasso de algumas companhias, outras tiveram sucesso, casos da Companhia dos Cem Sócios (Canadá), da Companhia da Cabo Verde (Senegal), da Companhia da ilhas da América (Antilhas), da Companhia das Índias Orientais (Madagáscar). Em 1628 estabelece-se em Argel uma feitoria francesa.
O apogeu do mercantilismo francês é atingido nos consulados de Luís XIV e Colbert caracterizado pela aliança do “Rei-Sol” com a burguesia cada vez mais chamada às responsabilidades do Estado, para desespero da velha aristocracia. A forte aposta nas manufaturas, nos portos e na marinha mercante conjugada com medidas protecionistas, taxas sobre navios estrangeiros e taxas alfandegárias, permitiria retirar da ociosidade um milhão de pessoas que viviam nos asilos e expandir a riqueza e o poder do Estado. Procedeu-se ao levantamento exaustivo dos recursos do país, elaborou-se um plano de produção conforme as especificidades regionais, importaram-se máquinas e técnicos, implementando-se uma vasta série de medidas de fomento industrial, que deram lugar a vasta produção de bens de uso corrente - tecidos de lã e de linho -, de produtos básicos - de siderurgia, papel e armamento -, e de produtos de luxo - tapeçarias, porcelanas, vidrarias e tecidos.
No plano laboral foi imposta uma forte disciplina fabril - na verdade mais parecida com escravatura -, impondo a aprendizagem dos ofícios e a obrigação de adesão ao trabalho fabril em jornadas de doze a dezasseis horas, a mendigos, vagabundos, solteiras e pessoal conventual. Às crianças é imposta a aprendizagem dos ofícios. Os operários têm que participar na missa matinal, trabalhar em silêncio ou em cânticos comuns e sujeitar-se a multas, ao chicote ou à golinha, em caso de engano. (isto quando, simultaneamente, se preconizava a evangelização dos povos bárbaros das colónias e a civilização dos mesmos pelos bons exemplos!)
Finalmente, consolidaram-se as companhias de comércio - das Índias Orientais e do Levante -, através da concessão de correspondentes monopólios por largas dezenas de anos, assistindo-se à expansão da presença francesa no mundo; São Domingos (1655), vale do Mississipi (1673), Pondichery (1674).
Porém, os malefícios deste mercantilismo exageradamente protecionista lançou a miséria sobre os camponeses, com falta de escoamento das suas produções de vinho e cereais, devido ao desinteresse dos mercadores holandeses, obrigados a procurar outros parceiros, devido às fortes restrições a que estavam sujeitos pelo Estado francês. Boisguilbert, no seu Testament Politique de M de Vauban (1712), reclama a liberdade de preços e de comércio externo, defendendo a reciprocidade comercial e o lucro como forças motoras dos mercados, leis sagradas e ignoradas, cuja violação constitui a primeira e principal causa da miséria geral.
Só no século seguinte, “a longa marcha para o Capitalismo” atingirá a maturidade, caracterizando-se, nesta época, na Europa, pela extorsão do sobre trabalho pela via tributária; rendas de múltiplas formas e espécie impostas ao campesinato pela nobreza, pela Igreja e pelo Estado Régio. (hoje, cinco séculos depois, não é muito diferente; assistimos, na Europa, ao cada vez mais forte capitalismo de Estado substituindo-se a nobreza e o Estado Régio pelas elites partidárias e pelo funcionalismo público, que, entretanto, relegaram a Igreja à mendicidade).
À extorsão dos camponeses, acrescentou-se o afluxo de riquezas das américas - resultantes da pilhagem dos seus tesouros, do tráfico de escravos e do trabalho forçado -, que proporcionou a acumulação estatal e burguesa, entidades aliadas nesta conjuntura.
Fortalecida a burguesia, logo tratará da abandonar as teses mercantilistas e avançar para o livre-câmbio (Liberalismo) e a difusão de novas ideias de liberdade, concitando o apoio da pequena burguesia e das classes populares.
Sublinhe-se a importância do Estado no nascimento do Capitalismo e a imprescindibilidade da grande burguesia que se reforça nas estruturas do Estado-Nação. O Capitalismo é, desde a sua formação, nacional, estatal, concorrencial e monopolista; internacionalista, o seu espaço é o mundo, onde negociará mão de obra, matérias-primas, manufaturas, equipamentos e, especialmente a partir do século XX, toda a panóplia de serviços cada vez mais diversificados e especializados com que os países desenvolvidos absorvem parte da produção dos restantes.
(Continua)
(Síntese livre de "A História do Capitalismo" de Michel Beaud)

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