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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Europa; a fábrica de sem-abrigo

 
 
Eugène Boudin - Les pêcheuses de Kerhor, 1870.
 
A imprensa diária noticiava, há dias, que há cerca de 100 mil jovens, 17,5 % entre os 20 e os 24 anos, que nem trabalham nem frequentam a escola, em Portugal. Não admira. Um flagelo que, inevitavelmente, tende a aumentar em consequência das políticas restritivas e punitivas em curso na UE e em Portugal.
 
Desde logo o ensino obrigatório não passa de um mecanismo de exclusão profissional e social gerador de marginalidade que, pateticamente, os sucessivos governos tentam amenizar esturricando recursos públicos em programas condenados ao fracasso mas que enchem os bolsos às estruturas que parasitam na quase inútil formação que por aí se ministra.
 
Como pode impor-se o ensino obrigatório a famílias que não possuem recursos suficientes para sobreviver o dia a dia e, simultaneamente, ceder aos interesses das indústrias que, todos os anos, impõem preços obscenos  ao material escolar, seja livros, mochilas, sapatilhas, canetas, lápis, etc.! Como pode impor-se, às crianças e jovens, currículos de tal forma densos que os obriga a dedicação exclusiva à escola, mesmo fora dela, deixando-os sem tempo para si próprios e que leva muitos deles a odiar a escola e os professores? 
 
O que importa é perceber as causas do abandono escolar e criar, ou ajudar a criar, as condições de as ultrapassar. Que estímulo poderá ter um jovem criado num ambiente de carência familiar ou violência doméstica ou comunitária, para estudar? Que estímulo poderá ter um jovem que perdeu "o comboio" do ensino regular para aderir a uma profissão, se, para tal, lhe exigem a formação obrigatória, apesar de, esta, lhe conferir, apenas, uma habilitação formal e não material?
 
É aqui que se justifica o serviço público e a solidariedade coletiva, removendo obstáculos, concitando apoios, recuperando as pessoas para a dedicação à sua própria vida, sem que tal lhes custe a Liberdade e a dignidade. É aqui que se percebe o equívoco das políticas públicas e da doutrina dominante da compulsão, apesar da retórica democrática; o discurso da produtividade e da qualificação deverá ser substituído pelo da dignidade, da liberdade e da oportunidade.
 
A dignidade é inerente à condição humana e é independente da atividade ou ocupação de cada um. A Liberdade insere-se no direito natural de cada um escolher o seu caminho para a felicidade. Finalmente, a oportunidade, consiste na possibilidade efetiva de cada um mudar de vida, sem constrangimentos e em qualquer fase do seu percurso, nomeadamente aceder a uma profissão que o fascine ou, simplesmente, considere útil. Esta sim, deveria constituir a missão de qualquer governo. Pelo contrário, os governos atuais impõem aos cidadãos a visão do mundo dos seus dirigentes subjugando-os às crescentes necessidades de financiamento das oligarquias e corporações que se instalaram nos aparelhos estatais.
 
De todo o modo, de que servirá cumprir o ensino obrigatório e até o superior se no final do processo são as corporações profissionais e empresariais que filtram os candidatos impondo provas de conteúdo arbitrário e oneroso que nada mais visam senão proteger os instalados e, mais uma vez, encher os cofres das estruturas e os bolsos dos seus agentes?
 
O percurso do Processo de Bolonha em Portugal é mais um claro sintoma do anacronismo das elites nacionais, económicas, estatais e académicas. Com efeito, percebe-se a intenção original de aumentar a eficácia do ensino confinando-o ao que é próprio e essencial a cada atividade e, simultaneamente, reduzir o tempo de acesso dos jovens às profissões, aumentar a concorrência e propiciar a renovação virtuosa dos efetivos.
 
Porque as estruturas de poder embevecidas e imunes nas suas "torres de marfim" julgam poder comandar o mundo e os homens indefinidamente no caminho da "felicidade" que lhes reservaram, os conflitos sociais e as revoluções continuarão a marcar as sociedades humanas, apesar das "democracias" já destituídas dos seus fundamentos originais.

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