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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Do Capitalismo (V)


 
Moïse Kisling - Frère et soeur, 1952
No início do século XVIII em França, cerca de 10 % da população - cem mil famílias, quatrocentas mil pessoas, entre militares, magistrados, eclesiásticos, laicos, grandes mercadores, alta nobreza e nobreza adquirida - viviam desafogadamente, das quais cerca de dez mil - entre a alta nobreza, nobreza de toga e grande burguesia - com bens de fortuna. Dos restantes, 30 % vivem enterrados em dívidas, 10 % mendigam e os restantes 50 % não têm condições para de dar esmola àqueles.

Após a fracassada tentativa de alargamento da estrutura governativa aos Concelhos de Nobres pelo Regente Filipe de Orleães, na sequência da morte de Luís XIV, regista-se o regresso ao absolutismo em que os Conselheiros do Rei são recrutados por este, entre a nobreza. Aos plebeus são vedados todos os cargos no Parlamento, na alta administração, na alta magistratura, no oficialato do exército e até no alto clero. Votados os plebeus ao desprezo e à troça, cava-se o fosso entre estes e a nobreza, apesar de muitos deles enriquecerem na prossecução dos seus negócios, graças, sobretudo à política liberal do cardeal Fleury (1726 a 1743).

A Coroa investe na rede viária financiada pela corveia régia, funda a escola de pontes e calçadas em 1743 e o corpo de engenheiros em 1750. Em 1724 é criada a bolsa de Paris. O comércio colonial e tráfico de escravos desenvolvem os principais portos dinamizando a indústria manufatureira por várias regiões - Bretanha, Normandia, Picardia, Flandres, Ruão -, induzindo à concentração dos artesãos em espaços comuns, precursores das modernas fábricas, e promovendo a rivalidade conflituosa entre os artesãos urbanos e os pequenos camponeses empobrecidos pelas más colheitas. Neste contexto, são os mercadores, detentores da matéria-prima e dos contratos de fornecimento que extraem a parte de leão da mais valia de toda a fileira, enquanto os artesãos têm que recorrer ao sobre trabalho - desde antes do sol nascer até muito depois do ocaso - para compor os magros salários.

No inverno de 1910, homens, mulheres e crianças, de rosto e mãos lívidas, esgravatavam a terra procurando raízes que devoravam com sofreguidão, quando as encontravam. Outros pastavam a erva, como gado. Outros ainda deitavam-se na beira da estrada à espera da morte. Havia quem se alimentasse de pão de feto.

A miséria do povo contrastava com a sumptuosidade da Nobreza, que cerrara fileiras em torno do Rei garantindo os privilégios e as prerrogativas proporcionadas pelos cargos régios. De outra parte, a burguesia, enriquecida pelos negócios coloniais, quer aceder aos negócios de Estado reservados à Nobreza.

É nesta turbulência social e económica, que, paradoxalmente, nos luxuriantes salões de veludos, sedas e ouro, germinam e se difundem as ideias que gerarão e desenvolverão a multiforme contestação que acabará por estabelecer os princípios das sociedades modernas.
(Síntese livre da obra "História do Capitalismo" de Michel Beaud)

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