Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Olhando para Dentro (VII)

Olhando Para Dentro
1930-1960
(Bruno Cardoso Reis)
 
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
  A governação de Salazar: Cooptação de notáveis, poder pessoal e catedocracia estatista

   Uma das razões do longo consulado de Salazar residiu na forma como atraiu ao regime as várias frentes políticas. No seu discurso programático de 1932, “As Forças Políticas Perante a Revolução Nacional”, Salazar afirmou aceitar todas as forças políticas patrióticas com a condição de abdicarem de atividade política autónoma fora do regime. Visava, sobretudo, os diversos partidos da direita envolvida na Revolução do 28 de Maio; católicos, monárquicos, integralistas e fascistas. Todos poderiam apresentar e discutir as suas ideias mas submeter-se-iam à decisão de Salazar. Tratava-se pois de um regime de várias tendências de direita mas centralizado e autoritário.

   As elites locais, de natureza eminentemente caciquista e paroquial, sem preocupações ideológicas, adaptaram-se facilmente à nova ordem integrando-se na União Nacional, (UN) apesar dos protestos dos puristas do regime.

   Tal como referiu Marcello Caetano, enquanto responsável pela UN, esta agregava os líderes de província, não para colaborarem nos planos da governação, mas para procurarem soluções para os problemas das suas clientelas a troco de apoio eleitoral.

   A missão da UN consistia em estabelecer a ligação entre o poder central e o do interior, fomentando o clientelismo, o nepotismo e o tráfico de influências. O mito da imunidade do Estado Novo ao clientelismo não se verificou.

   Salazar votava um certo desprezo à UN considerando a sua atividade de “baixa política” ou “política de campanário” indigna da sua dedicação. Só em 1949 e perante ameaça de demissão Marcello Caetano, enquanto líder da UN, conseguiu uma audiência semanal com o chefe do Governo.

   Contudo a UN permitia a Salazar acompanhar os acontecimentos e personalidades locais e acionar os correspondentes mecanismos de apoio eleitoral.

   A governação de Salazar, solitária, distante, burocrática, misteriosa, contava com um grupo informal de conselheiros, das várias tendências do regime que eram consultados em épocas de crise ou de remodelação governamental. Dele faziam parte Bissaya Barreto, Albino dos Reis, Mário de Figueiredo, José Nosolini, Santos Costa, Teotónio Pereira e Marcello Caetano, entre outros. Eram os “olhos e ouvidos de Salazar”. Pronunciavam-se sobre qualquer assunto ainda que descorrelacionado com as respetivas especialidades. Nem todos tinham funções no Governo sendo alguns recompensados com nomeações vitalícias para o Conselho de Estado ou para funções diplomáticas de prestígio.

   Hipólito Raposo - monárquico opositor - e Marcelo Caetano - (republicano crítico) - aludiram ao funcionamento altamente centralizado do Governo tendo afirmando aquele que no Estado Novo não havia nada além de Salazar e este que o Governo era a única fonte de política ativa. Tais afirmações não andariam muito longe da verdade.

   Apesar de a lei determinar que a decisão de certos assuntos fosse tomada em Conselho de Ministros Salazar preferia fazê-lo reunindo individualmente com o respetivo ministro. Perante as críticas de Adriano Moreira e Marcello Caetano, Salazar alegava a necessidade de sigilo, a falta de conhecimentos gerais dos ministros - que não davam contributos fora dos temas das respetivas pastas - e que “sendo dois já era um Conselho”.

   Perante as sucessivas críticas de Caetano - que referia a necessidade de criação dum forte secretariado da Presidência do governo e a necessidade de reunião frequente do Conselho de Ministros para pensar e coordenar políticas -, Salazar respondia com a sua conceção de governação de trabalho, que irradiava para os ministérios dignos de atenção. Considerava-se uma espécie de Rei Sol. Os Conselhos de Ministros, quando se realizavam, serviam, essencialmente, para evitar a desautorização formal dos ministros. Excetuavam-se as alturas de crise, em que Salazar lhes reconhecia alguma utilidade, para recuperar a iniciativa política, dar ânimo às elites e definir linhas de ação comuns.

   A concentração de poder em Salazar consubstanciou-se também na acumulação da titularidade das principais pastas - colónias, defesa, negócios estrangeiros e finanças -, desde os anos iniciais - 1928 - até 1945, e a partir daqui em cogestão com os respetivos ministros. 

   Foram criados os cargos de Ministro da Presidência - de que foram titulares Lumbrales, Marcello Caetano e Teotónio Pereira - na lógica de reforço do poder de Salazar e não do do Conselho de Ministros. Este, devido ao seu esvaziamento de poder, nem de secretariado dispunha.

   Marcelo Caetano chegou a afirmar a Salazar que o temor dos ministros era tal que, perante ele, não ousavam dissidir. Mário de Figueiredo chegou a aconselhar um novel político a fazer-se de morto se queria sobreviver politicamente.

  Contudo os Ministros eram os detentores do poder depois de Salazar e tinham acesso direto ao líder (afinal o “Rei Sol” era, também, o líder).  

   Por seu lado, o poder Presidencial de demitir o Presidente do Conselho estava condicionado pela dependência dos Presidentes relativamente a Salazar; o primeiro, general Carmona, pela forte ligação política e necessidade de contar com o aparelho da UN para os atos eleitorais, os seguintes, general Craveiro Lopes e Almirante Américo Thomaz, fragilizados por terem sido escolhidos por ele. O poder de Salazar sobrepunha-se, de facto, ao poder institucional do Presidente da República.

   Miguel de Unamuno definiu o Governo de Salazar como uma ditadura “académico-castrense”. O que seria verdade sobretudo nos primeiros anos em que predominaram os oficiais relativamente a períodos anteriores e posteriores. Mas ainda mais os professores universitários; o regime era uma catedocracia, uma “ditadura de doutores” como referia Salazar.

   A meritocracia, forma autoritária de tecnocracia, constava da estratégia do governo consubstanciada na procura de talentos e competências, pois Salazar considerava importante a participação dos técnicos. A tal ponto que considerou prioritária a formação de vastas de elites face à necessidade de alfabetização da população.

   Á sua maneira o Estado Novo continuou a ação das revoluções liberal e republicana de renovação das elites e de assunção dum certo credo vanguardista como via para a regeneração nacional. A diferença consistia na concentração de poderes, durante décadas, em Salazar, e no conservadorismo no campo dos valores.

   O Parlamento reunia-se esporadicamente - três meses por ano - e produzia muito menos leis do que o governo. Servia essencialmente para agrupar, dar voz e “avaliar o pulso” das famílias políticas do regime.

   A oposição não tinha representação contrariamente, por exemplo, à ditadura militar no Brasil em que o MDB estava representado.
 
 
Pedro Teotónio Pereira
 
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto

Sem comentários:

Enviar um comentário