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quarta-feira, 17 de junho de 2020

Olhando para Dentro (V)

 

Olhando Para Dentro 
           1930-1960 
 
             (Bruno Cardoso Reis)
 
(Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - notas)
 
 

As Crises de 1958-1961: Militares, Católicos e Colónias contra o Regime:

O primeiro abanão no regime foi provocado pelas eleições de 1958. Humberto Delgado, jovem general         acabado de regressar da NATO, foi o candidato da oposição atlantista (moderada). Ainda tenente, Delgado participou no 28 de Maio, tendo desempenhado vários cargos ao serviço do Estado Novo, esvaziando-se, assim, o argumento do perigo comunista. Por outro lado, o contacto com regimes democráticos, no âmbito das funções que desempenhara na NATO, consciencializou-o para a necessidade de democratização do regime.

Inicialmente relutante devido ao passado salazarista de Delgado, a oposição comunista escolheu Arlindo Vicente para candidato. Contudo, o dinamismo da candidatura daquele e a famosa expressão, “obviamente demito-o”, decidiram os comunistas a apoiá-lo, retirando o seu candidato da contenda.

A união de toda a oposição em torno da candidatura de Humberto Delgado ficou consagrada no “Pacto de Cacilhas” realizado em 1958.

Salazar temeu um “golpe de Estado constitucional” apoiado pelos militares, argumento que já utilizara ao tempo da candidatura de Norton de Matos. Ato contínuo, com a incumbência de assegurar a ordem durante a campanha, nomeou um comando militar do qual fizeram parte dois futuros golpistas: Botelho Moniz e Costa Gomes.

Contudo, segundo testemunho de Costa Gomes, tal temor era infundado. O comportamento errático e excessivamente ambicioso de Delgado aliado à sua juventude, e o facto de pertencer ao ramo recente da Força Aérea, suscitaram reservas por parte das chefias militares. Não tiveram pois seguimento os apelos pessoais que Delgado lhes endereçara de adesão ao seu projeto.

Ficou porém a semente que haveria de revelar-se no pronunciamento militar de Abril de 1961.

A turbulência política decorrente destas eleições levou Salazar a alterar o modelo eleitoral na revisão constitucional de 1959. O Presidente da República passou a ser eleito por um colégio eleitoral controlado pelo Presidente do Conselho.

Este facto parece demonstrar que, por um lado, se tivessem sido justas, estas eleições poderiam ter sido ganhas por Humberto Delgado, por outro, que as eleições tinham a finalidade de legitimar o poder constituído não passando de mais um instrumento do regime (de cariz plebiscitário).

Na frente religiosa o relacionamento de Salazar com a Igreja Católica - pilar fundamental do regime - não foi isenta de atritos. As negociações da Concordata, que decorreram entre 1937 e 1940, estabeleceram a separação institucional entre Igreja e Estado mas também o modelo de colaboração nas áreas em que havia convergência.

Houve porém desacordo quanto à participação política dos católicos; Salazar não obteve do Vaticano garantia de neutralidade. Tal foi interpretado pelo ditador como um sinal de futura intervenção política da Igreja através da criação de um partido da Democracia Cristã como ocorreu na Europa Ocidental no pós-guerra.

Em 1958, confirmando-se os receios de Salazar, um emissário do papado sondou os membros da União Nacional para a formação dum partido democrata-cristão. D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, fazia parte do projeto com o objetivo de mobilizar os fiéis. Pressionado, D. António endereçou a Salazar uma carta-memorando que, além de abanar o regime, funcionou como orientação política para os católicos. Nela, o prelado pôs em causa o “financismo” e o corporativismo da governação de Salazar e defendeu a existência de sindicatos independentes, o direito à greve e o multipartidarismo.

Com a ameaça de resolução da Concordata Salazar conseguiu do Vaticano o afastamento de D. António Ferreira Gomes em 1959. Apesar disso, e a partir do exterior, onde permaneceu dez anos, o prelado liderou os dissidentes católicos que o visitavam regularmente.

O pilar católico transformou-se em nova frente política de cariz progressista. Porém foi o início da guerra colonial, em 1961, que abanou os alicerces do regime.
Humberto Delgado
 
Arlindo Vicente
 
 
D. António Ferreira Gomes
 
Peniche, 6 de Junho de 2020
António Barreto
 

 

 
 
 

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