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quarta-feira, 19 de julho de 2017

O Estrangeiro (Albert Camus)

   Albert Camus é um escritor que trago "atravessado" desde o tempo da minha passagem por Cape Town, quando o Director local da Alliance Francaise, no decurso de uma espécie de exame aos meus conhecimentos da língua francesa, me falou dele. Com o passar do tempo, percebi que se trata de um dos mais importantes escritores contemporâneos de idioma francês.
 
   Talvez o prefácio de Jean Paul Sarte seja mais valioso do que a obra em si mesma. Esta, na minha insignificante opinião, parece-me constituir um eficaz meio de aprendizagem para aspirantes a escritores: Capítulos pequenos, frases curtas, termos simples, profusão de vírgulas criteriosamente colocadas, eficácia na transcrição das citações ou diálogos. História de um personagem "sem história", a quem a vida corria pachorrentamente, sem ambições nem sonhos, limitando-se à observação do quotidiano e a deixar-se ir pelo acaso. A aparente serenidade com que aceitou a morte da mãe, decorrente do estranho reconhecimento de que nada mais tinham a dizer um ao outro, a ausência de amor a Maria, apesar do relacionamento íntimo que mantinham, a complacência, ou resignação, ou a indiferença com que aceitava o seu casamento com ela, mostra um personagem incapaz de afetos vinculativos, profundos, ou sequer, ódio - o assassínio do Árabe, que o condenaria à morte, foi, sobretudo, motivada pelo acaso; medo e descontrolo. Apesar de tudo isto, só uma convicção o habitava; a inutilidade da Fé como meio de alívio do medo que sentia pela proximidade da morte. Pelo meio, descreveu com mestria e sensibilidade o meio envolvente, em especial, os episódios passados à beira-mar com Maria quase nos fazendo-nos, partilhar da quietude e fascínio do mar.  Salamano e o seu cão representam uma excelente metáfora do absurdo quase comovente; em permanente guerra com o cão, já sarnoso, o solitário Salamano, que há muito perdera a mulher, não podia passar sem ele, sofrendo imenso com o seu desaparecimento.
 
   Que nos quis dizer Camus? Não sei!, Num estilo quase maniqueísta, binário; sim, não, talvez que o nenhum tipo de amor é suficientemente importante para viver; ou, simplesmente, que não vale a pena viver. No entanto, quando submetido aos rigores da prisão, percebeu que bastaria um dia de vida para "sustentar" cem anos de cárcere. Um aparente paradoxo; por um lado, para Camus, um dia de vida parece igual a décadas de vida, significando total ausência de espectativa, por outro, num dia de vida conseguia vida para cem anos, indiciando inusitada capacidade de disfrutar dela, dos seus infinitos cambiantes e detalhes, decorrente, afinal, da privação da liberdade, ou seja, da drástica restrição de vida.
 
Introdução de Sartre:
 
   Camus somente propõe e não se inquieta com justificar o que, por princípio, é injustificável.
 
   A arte é uma generosidade in útil...
 
   ...por debaixo dos paradoxos de Camus encontro algumas avisadas observações de Kant com respeito à "finalidade sem fim do belo".
 
Citando Camus no "Mito de Císifo": Um homem é mais um homem pelas coisas que cala do que pelas coisas que diz.
 
É que, o silêncio, como diz Heiddegger, é o modo autêntico da palavra. Só se cala aquele que pode falar.
 
Para Camus o drama humano é, ao invés, a ausência de toda a transcendência: "Não sei se este mundo tem um sentido que me ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que, de momento, me é impossível conhecê-lo.
 
De O Estrangeiro:
 
   Compreendi então que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem custo passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se maçar. De certo modo, isto era uma vantagem.
 
   A mãe costumava dizer que nunca se é completamente infeliz. Mesmo na prisão continuava a concordar com ela, quando o céu se coloria e que um novo dia entrava na minha cela.
 
   Não há, no fundo, nenhuma ideia a que não nos habituemos.
 
   Também eu me sinto pronto a tudo reviver. Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do mundo.
 
Peniche, 19/07/2017  

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