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domingo, 29 de janeiro de 2017

Encontro ao entardecer

 
  
 
   Ali no Portinho D´Areia, na pequena marisqueira debruçada sobre o mar de Peniche encontrei-me com os meus amigos Joel, Mário e Fernando para um cafezinho bem quentinho e amena cavaqueira ao correr da memória. O mar estava magnífico como sempre; verde escuro e encapelado, com o vento ameaçador e o céu cinzento. Na pequena praia, já despida de areia, emergiam os calhaus acinzentados, lambidos pelas sucessivas vagas. Junto à estrada, teimosas, as árvores exibiam as suas persistentes e improváveis copas em tons de verde e azul.
 
   Todos eles com ligações à indústria e, ou, comercio de pescado e marisco, os dois últimos ainda no ativo. Com um caso no Serviço Nacional de saúde a correr, Joel recordou outros do seu passado a que se seguiram recordações de outras peripécias do Fernando e do Mário a propósito do mesmo tema.
 
   Contou o Joel de quando teve que se deslocar ao Hospital de Santa Maria num "Rolls-Royce" - uma ambulância do INEM -, e regressar numa "carroça" - uma ambulância corrente degradada -, tendo demorado seis horas até Peniche - tiveram que passar por Almeirim para deixar outro doente e o motorista não conhecia o caminho. O resultado foi a subida da sua tensão a 21 obrigando-o a sujeitar-se a medicação de emergência no hospital da cidade. Uma demonstração de como as ambulâncias podem matar os doentes.
 
   Fernando contou daquela vez já longínqua  em que deslocou um rim ao falhar o chuto na bola quando disputava um jogo de futebol ao serviço clube da terra. Confrontado com o diagnóstico, a necessidade de cirurgia e o correspondente custo de quinze mil escudos, o Fernando conseguiu balbuciar que era apenas um funcionário administrativo e que não podia fazer tal despesa.  Desanimado, dada a insuficiência do "desconto", durante o regresso lembrou-se de recorrer a um cirurgião local que tinha feito trabalho idêntico a um amigo. Pediu-lhe oito mil escudos, que reduziu para sete assim que o Fernando mostrou surpresa, e depois para cinco quando este referiu ter sido esse o custo da operação que ele tinha efetuado ao tal amigo, há tempos. Um caso de mercantilismo que não difere muito dos do merceeiro, do tendeiro ou do cigano. Afinal, mudam os argumentos, mas a natureza humana não.
 
   Mas o mais engraçado foi a "parte" do Mário. Com dificuldades de visão foi ao hospital regional onde preencheu a papelada necessária à marcação de uma consulta de oftalmologia. Como a consulta tardava, um dia, a sua mulher, passando por aqueles lados, foi indagar, tendo sido informada que nada constava. O bom do Mário, preocupado, dirigiu-se aos serviços hospitalares logo que pôde e foi então que a funcionária que o tinha atendido da primeira vez lhe explicou: - Como faltava preencher os campos relativos à identidade dos seus pais e avós, arrumei o processo na prateleira superior da estante, que agora está inacessível porque emprestei a escada ao servente de pedreiro que ainda a não trouxe. Foi então que o nobre Mário sugeriu pedir-se uma escada emprestada aos bombeiros em frente. Foi o que fez após a anuência da interlocutora. Lá conseguiu aceder ao processo e que os serviços lhe dessem seguimento. Após a consulta-cirurgia recuperou a visão a um nível que nunca tivera. Tudo sobre rodas.
 
   Não se avistavam barcos no horizonte e o mar continuava encapelado e verde escuro.

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