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quarta-feira, 20 de junho de 2018

Da História de Portugal, notas VI


Da Lusitânia a Portugal
De Diogo Freitas do Amaral
Bertrand Editora
Notas VI (sobre a obra)
 
   D. Dinis superou o seu progenitor; culto como ele, acompanhou a governação a partir dos 16 anos, assumiu o trono em 1279 e reinou durante 46 anos, até 1325. Honesto, competente, estadista, sóbrio, desenvolveu intensa atividade legislativa, concedeu numerosos forais, cartas de povoamento e de privilégio para minorias, aliou a Coroa aos “homens bons dos Concelhos”, multiplicou as feiras e mercados, etc.

   Fiel aos propósitos do seu pai, D. Dinis, discutiu com os bispos as divergências entre a Coroa e a Igreja Católica, redigindo um documento de consenso, “A Concórdia”, em 1282, aprovada pelo Papa em 1289 e aditada em 1309.

   Tal como fizera o seu predecessor, na sua “luta contra os abusos  patrimoniais de aristocratas e eclesiásticos”, avançou com novas Inquirições Gerais, aumentando o património da Coroa e limitando o daqueles, também através da limitação da compra de bens imóveis e das heranças dos eclesiásticos. Um velho vício do Estado que hoje se continua a praticar, agora contra cidadão comum, através do cadastramento do património rural e do confisco encapotado dos imóveis devolutos.

   Perante a extinção da Ordem dos Templários em 1311 por ordem da Santa Sé, antecipando-se aos seus pares de além-Pirenéus, criou a Ordem Militar de Cristo, exclusivamente portuguesa, com sede em Castro Marim, depois em Tomar, dotando-a com o património daquela por autorização do Papa João XXI em 1319, através da bula Ad ea ex quibus.

   Nacionalizou as ordens religiosas que operavam em Portugal que tinham sede em Espanha; a de Calatrava e a dos Espartários, sediando-as, respetivamente, em Avis e em Palmela, passando a designar-se, correspondentemente, por Ordem de Avis e Ordem de São Tiago, constituindo uma espécie de parcerias público privadas hoje muito em voga, mais tarde usadas com grande sucesso em Inglaterra, por ocasião da Revolução Industrial.

   Estas três Ordem vieram a consagrar as ordens honoríficas portuguesas, ainda em vigor; Ordem de Cristo para o mérito Civil, Ordem de Avis para o mérito militar e Ordem de Santiago para o mérito literário, cultural e científico.

   Consolidada a posse do território, menos dependente da nobreza, o rei poeta, prosseguiu a sua luta de limitação dos poderes e privilégios da nobreza, retirando-lhes a nomeação de párocos e abades para as suas terras, reduzindo-lhes os poderes jurisdicionais, proibindo-lhes novas “honras” - territórios senhoriais a que estava vedada a entrada dos reis e seus delegados, exceto em casos de homicídio - e alargando os casos de apelação régia.

   Em consequência destas políticas jurídico-administrativas, a burguesia mercantil das cidades e vilas foi reforçando o seu poder e protagonismo económico e social, em detrimento da nobreza e do clero; criou-se uma “bolsa comercial” em Lisboa em 1293, fez-se um tratado de comércio com a Inglaterra em 1308 e reorganizou-se a nossa Marinha de Guerra (?) com o almirante italiano Manuel Pessanha (?), em 1317.

   D. Dinis, em 1282, casou com Isabel de Aragão, princesa real, que pela sua filantropia cristã, foi considerada santa pelo povo e canonizada por Urbano VIII em 1625; criou o Convento de Santa Clara, onde está sepultada, os Hospitais de Coimbra e Santarém, o Mosteiro das religiosas de Cister e outras obras, distribuindo a maior parte do seu dinheiro aos pobres e doentes, o que deu origem à famosa e muito querida entre os portugueses, “lenda das rosas”. Talvez tenha começado aqui uma certa empatia, ou mesmo cumplicidade entre os portugueses e a Catalunha (antiga Aragão), a que regularmente se alude; uma das nossas rainhas mais queridas era a sua princesa. Aqui temos como as ligações familiares da coroa portuguesa, se foram disseminando pelos vários reinos da península; Galiza, Leão (Astúrias) e Castela.

   O “rei Lavrador” teve alguns conflitos com o seu irmão mais novo, o infante D. Afonso, que se considerava, sem razão, legítimo herdeiro do trono por ser o filho mais velho dos filhos nascidos após a legalização católica do segundo casamento do pai. Mas também enfrentou diferendos com o seu filho mais velho, futuro D. Afonso IV. Em ambos os casos, o papel da “Rainha Santa” foi preponderante na mediação e apaziguamento.

   D. Dinis, negociou o Tratado de Alcanizes com o seu congénere castelhano, em 1297,  fixando as fronteiras de Portugal, que perduram; as mais antigas da Europa. Foi através deste tratado, que, Olivença, hoje sob administração espanhola,  incorporou o território português. Para o sucesso das negociações, mais uma vez, recorreu-se ao reforço dos laços familiares entre as duas coroas; o rei de Castela prometeu casar com a princesa portuguesa D. Constança, e o príncipe herdeiro, futuro Afonso IV, ficou de casar com D. Beatriz, irmã do rei de Castela.

   O “rei poeta”, graças ao prestígio de que era credor, arbitrou, com sucesso, o conflito que opôs Fernando IV de Castela a Fernando de Lacerda, neto de Afonso X, portanto, seu primo em primeiro grau.

   A política agrícola de D. Dinis, proporcionou a dispersão da propriedade rural pela burguesia rural e terratenentes com sacrifício da nobreza e clero e promoveu a compropriedade, entre estes e camponeses comuns outrora escravos ou servos, através de contratos de enfiteuse, mediante os quais, aqueles detinham a propriedade nua e estes o respetivo usufruto a troco de uma renda em espécie ou dinheiro. Daqui resultou melhor distribuição da riqueza e a ascensão económica e social dos camponeses, com reforço da participação dos homens bons nas cortes de Leiria.

   Para proteção das culturas hortícolas do litoral, D. Dinis, desenvolveu a área florestal, ficando célebre o, recentemente consumido, Pinhal de Leiria, o qual, segundo alguns opinadores, correspondia também a uma estratégia de expansão marítima, disponibilizando matéria-prima para as futuras naus; as “naus a haver” de Fernando Pessoa.

   Ao “rei Letrado” se deve a ordem régia de 1305 da obrigação da redação em português de todos os documentos oficiais, e a criação da futura Universidade de Coimbra, numa época em que, na Europa, só haviam as de Paris, Bolonha e Salamanca. Um processo complexo iniciado por uma petição à Santa Sé pelos clérigos de Alcobaça, da Sé de Coimbra, de São Vicente de Lisboa e de Santa Maria de Guimarães. Nicolau IV, em 1290, aprova o pedido pela bula De Statu Regni Portugalliae. Depois de muitas andanças entre Coimbra e Lisboa, só em 1537 o “Estudo Geral” de Artes, Leis, Cânones e Medicina se estabelece em definitivo na cidade do Mondego.
  
 
Universidade de Coimbra
Peniche 20 de Junho de 2018
António J. R. Barreto
 

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