Publicação em destaque

Olhando Para Dentro (notas)

Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

Pesquisar neste blogue

domingo, 17 de junho de 2018

Da História de Portugal, notas V


Da Lusitânia a Portugal

De Diogo Freitas do Amaral

Bertrand Editora

Notas V (sobra a obra)

   D. Afonso III, um dos mais bem sucedidos reis portugueses, sucedeu a D. Sancho II em 1248, após um período de regência administrativa e militar na sequência da destituição parcial dos poderes régios deste, em 1245, por alegada demência, pelo Papa Inocência IV.

   A elevada preparação que demonstrou no exercício do cargo, resultou, certamente, da primorosa educação que recebeu, nos 15 anos em que permaneceu na corte francesa na companhia de seu primo direito, futuro Rei de França, Luis IX,  pela sua tia e mãe deste, D. Branca de Castela, à época viúva-regente. Acompanhou o reinado do seu primo nos primeiros anos tendo participado nas ações militares deste e vencido a batalha de Saints em 1243.

  Talvez, este, tenha sido um dos primeiros casos reveladores da importância da influência externa indireta na governação de Portugal. Ainda hoje prevalece a ideia da necessidade de chancela externa para validação de competências dos cidadãos, sejam elas quais forem. Tal revela uma persistente incapacidade de afirmação funcional interna ou até de decadência, que pode bem ser a causa remota do permanente estado de crise que tem caracterizado, quase sempre, o país.

   O episódio da destituição parcial - rex inabilis - de D. Sancho II - manteve o título de Rei mas destituído de poder executivo -, suscitou, durante cerca de um ano, uma guerra civil - que o autor nega, considerando ter ocorrido uma “imposição” papal da paz - talvez a primeira do reino, desencadeada pelos portugueses do norte que se mantiveram fiéis a D. Sancho II. Este, fugiria para Toledo, onde morreu em Fevereiro de 1248, abandonado por todos - algo que se repetiria ao longo da história de Portugal em várias ocasiões - sem descendência, sucedendo-lhe então D Afonso, após três anos de regência.

   O “Pacto de Paris”, realizado em 6 de Setembro de 1245, estabeleceu as condições do exercício da regência de D. Afonso, tendo ficado consagrada a separação dos poderes temporal e espiritual, preocupação curiosa dada a característica teocrática generalizada, à época, na europa.

   A conquista do território algarvio implicou duas guerras militares, com os árabes e com os espanhóis, e outra de cariz diplomático com Afonso X de Castela, que reivindicava direitos históricos sobre este território.

   Então, prosseguindo o propósito dos que o precederam na governação do reino, Afonso III acabou por derrotar os árabes em todo o Algarve, enquanto resistia às investidas do rei castelhano.

   Só em 1253, através do “Acordo de Chaves”, foi possível assegurar a paz entre os dois reinos, tendo ficado estabelecido o direito de propriedade para Portugal e o usufruto para Castela, com a garantia de reconhecimento da propriedade plena para Portugal, se do prometido casamento de D. Afonso III com a filha de Afonso X - à data, com 9 anos de idade - resultasse filho varão e logo que este atingisse a “idade da razão” - 7 anos.

   Foi o que sucedeu com o nascimento de D Dinis em 1261, de tal modo que, Afonso X, antecipou a entrega do Algarve ao neto em 1267, pelo “Tratado de Badajoz”, tal o embevecimento que sentia por ele. E foi assim que, em 1279, com a ascensão de D. Dinis ao trono, ficou concluída a expansão continental de Portugal. D. Afonso III intitulou-se Rei de Portugal e dos Algarves e acrescentou oito castelos, simbolizando as conquistas aos árabes, às cinco quinas da bandeira portuguesa.

   A relação entre “portugueses” e “espanhóis” sempre foi paradoxal, caracterizando-se por permanentes disputas territoriais e sucessivo envolvimento familiar das respetivas elites, sobretudo com a Galiza, Leão, Astúrias e Castela. Daí a prevalência de uma amizade meio desconfiada de ambas as partes, que subsiste nos dias de hoje.

  Foi em 1255 que D. Afonso III mudou a Capital de Portugal, de Coimbra para Lisboa. E foi em 1254 que, o mesmo rei, introduziu nas Cortes, “O Terceiro Estado”, o Povo; uma inovação de características democráticas só posta em prática por Eduardo I de Inglaterra em 1295 e por Filipe “o Belo”, na França, em 1314. Os “homens Bons”, com assento nas cortes, eram eleitos nos principais municípios. O novo regime passaria a designar-se por “monarquia aristocrático-democrática”. Quem diria que, muito antes da Revolução Francesa, em 1789 - e da Revolução Gloriosa, em 1689, foi a monarquia portuguesa a dar o primeiro passo democrático. Registe-se que, por esta altura, o território nacional estava, efetivamente, descentralizado em senhorios; aristocráticos, eclesiásticos e municipais. Tal foi consequência da estrutura senhorial que sucedeu à desagregação do império romano, mas também da estratégia de alianças dos reis portugueses na guerra contra os árabes, que consistiu na atribuição de senhorios a troco de contributo militar. Um facto que contraria a ideia de poder absoluto atribuído às monarquias medievais, nos dias de hoje, sobretudo nos regimes republicanos.

   Um rei de se lhe tirar o chapéu! D. Afonso III  foi o “arquiteto” do aparelho de Estado: promulgou mais de uma centena de leis gerais, entre as quais, uma que permanece; a terça da herança que os pais ou mães com filhos podem deixar a pessoas estranha à família; criou a administração pública; conselho régio, meirinho-mor, meirinhos locais, corregedores, almotacés, etc., respetivamente, governo, comandante geral da polícia, agentes policiais civis, delegados régios e fiscais das feiras e mercados; decretou as Inquirições Gerais através das quais recuperou terras da coroa; decretou o pagamento dos impostos a dinheiro; construiu a casa da moeda de Lisboa; reformou o sistema monetário alinhando-o pelo padrão europeu da libra; reprimiu os abusos dos funcionários régios; criou e concedeu foral a numerosos municípios (68); criou novas feiras e mercados facilitando a circulação de bens e o comércio e, concedeu “cartas de privilégio” aos mouros do Algarve.

   Consolidada a conquista do território em 1279, procedeu-se ao povoamento e ordenamento do mesmo, nomeadamente, através da Inquirições e Ordenações Régias, através das quais a coroa recuperou, sucessivamente, territórios muitas vezes através de “artimanhas” administrativas, algo que ainda hoje se verifica através de processos semelhantes. A consequência consistiu na progressiva concentração da administração do território no poder régio, em prejuízo da descentralização característica da monarquia intermédia. E eu que pensava que a descentralização era obra das democracias!

   D. Afonso III foi um mecenas das artes, fazendo vir de França, trovadores e jograis, mandou copiar romances épicos de origem germânica, o mais famoso dos quais foi “O Cancioneiro da Ajuda” e o “Amadis de Gaula”, este, supõe-se de autor português que terá originado uma ópera de Handel. Criou os Estudos Superiores em Coimbra, no mosteiro de Santa Cruz e depois no mosteiro de Alcobaça, pela primeira vez, abertos a estudantes não eclesiásticos.

   Foi também no seu reinado, em 1276, que o cardeal Pedro Julião, seu amigo pessoal foi eleito Papa, designado de João XXI, que haveria de falecer quatro meses depois na sequência do desabamento, sobre a sua cabeça, do teto do seu quarto. Não custa a acreditar que esta eleição tenha sido uma forma de reconhecimento pelo sucesso da cruzadas portucalenses na península ibérica.

   D. Afonso III, que já tinha tido um diferendo com a Santa Sé por ocasião do seu casamento dom D. Beatriz enquanto a sua esposa, da qual estava separado, esteve viva, chegou a ser excomungado em 1278 por um delegado do Papa Gregório X, na sequência das queixas dos eclesiásticos “prejudicados”  pela Inquirições Gerais, considerando o Papa ter sido violado o Acordo de Paris de 1245. Foi absolvido no ano seguinte após ter jurado submissão à Santa Sé, mas sem abdicar do poder temporal dos reis e seus sucessores.

D. Afonso III, está sepultado em Alcobaça, com a sua segunda mulher, D. Beatriz de Leão e Castela.
 
 
D. Afonso III
Peniche, 17 de Junho de 2018
António J. R. Barreto

Sem comentários:

Enviar um comentário