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domingo, 15 de maio de 2016

A armadilha dos baixos-salários

 
Sandro Botticelli 1482; A Primavera 
  "Estavam as coisas neste ponto do diagnóstico sobre os malefícios do vão de escada, quando se detecta outro fantasma pairando sobre o país. Era ele protagonizado pelas empresas que fazendo grandes investimentos em tecnologia recorrem a pouca mão-de-obra. Logo os mesmos sábios pedem legislação que penalize estas últimas empresas que não contribuem como deviam para a Segurança Social porque, recorrendo a muita tecnologia, usam pouca mão-de-obra." (Helena Matos, Observador)


   Helena Matos, num magnífico trabalho sob o título "Offshores a última conquista de Abril" , publicado no Observador, mostra, com a eloquência e conhecimento que a caracterizam, como, desde os idos anos de 70, as agendas "progressistas" na área económica se vão contradizendo sucessivamente em torno do seu foco central, esse sim, imutável, da luta desenfreada pelo poder mesmo com risco de colapso económico e social do país .

Ninguém, no seu perfeito juízo, defende uma economia de baixos salários, mas ela é consequência da devastação económica provocada pelas erráticas políticas governamentais que sobrecarregam o tecido económico gerando milhões de desempregados, alguns dos quais, outro remédio não têm senão fazer-se à vida através do autoemprego evoluindo muitos deles para empresas dignas e produtivas. 

   As insuportáveis e crescentes despesas da Administração Pública com salários e o com o Estado social, induziram os governos a adotar medidas restritivas do exercício da atividade empresarial com o propósito, algo paradoxal, de obtenção de financiamento para os cada vez mais numerosos e depauperados departamentos públicos, mas também com o objetivo oculto de propiciar a concentração empresarial. 

   De facto, a produtividade condiciona os salários, havendo uma espécie de proporcionalidade entre eles, como o comprovam alguns estudos recentes publicados pelo INE. Foi no governo de Sócrates que, no seio das corporações empresariais, começou a falar-se mais insistentemente em acabar com as empresas de vão de escada, supostamente, as que sustentam a tal economia dos baixos salários a que todos querem pôr fim. E bem, digo eu. Mas não de qualquer maneira! 

  A cada ano surgem novos constrangimentos à atividade empresarial  sob os mais variados pretextos; é um "ver se te havias" com cada vez mais exigências sob os mais variados pretextos; ele são os resíduos, ele é o ambiente, ele é o apocalítico aquecimento global, ele é a qualificação dos trabalhadores, ele é a certificação empresarial, ele são as novas regras de circulação de mercadorias e de controlo de inventário, ele são os pagamentos por conta, ele são os pagamentos especiais por conta, ele são as isenções de IVA à pesca e à agricultura financiadas pelas empresas dos outros setores, tudo com seu cortejo de taxas e aterrorizadoras coimas e contraordenações. Neste contexto devastador são as empresas do interior quem mais sofre com o agravamento de custos de todos os processos que acrescem às dificuldades locais, cada vez maiores, em consequência do esvaziamento demográfico que se verifica. 
 
   A fórmula colocada no terreno para dar sequência à luta de Carvalho da Silva não deveria pôr em causa um dos princípios fundadores da Democracia; a famosa "igualdade de oportunidades" que consiste em permitir que cada um tenha a possibilidade efetiva, e não apenas formal, de realizar os seus sonhos, independentemente do seu estatuto económico, social, de género, de religião, de raça, etc. Mas pôs!, através de sucessivos processos administrativos que nada têm a ver com eficiência económica.

   O caminho correto consiste em desonerar a economia do parasitismo do Estado que alguns designam por "socialismo democrático" que distorce a economia, fomentar a sã concorrência eliminando ou atenuando as desigualdades e deixar que seja o consumidor a decidir quem deve continuar ou não.  Qualificação alcance de todos, financiamento ao alcance de todos, ausência total de descriminação e depois, como diz o velho aforismo, "quem tem unhas toca guitarra".   Então sim; o Estado ajuda quem fica para trás.

   Diz a Helena Matos e é verdade, são as empresas de "vão de escada" que criam mais emprego - cerca de 76 % do total, segundo dados do INE - e que afinal não só pagam impostos como até financiam outras empresas e o Estado. Por outro lado, se é verdade que a maior intensidade de capital e a qualificação estão diretamente associados a maior produtividade e melhores salários, convém não esquecer o menor recurso a mão de obra que lhe corresponde, à necessidade de criação de emprego para os menos qualificados que não querem viver da assistência social e ainda que a produtividade a ter em conta não é a das empresas A ou B, mas a de todo o País. Recordo ainda as palavras de Thatcher quando referiu publicamente ter-se arrependido de o seu governo ter fomentado a concentração económica, reconhecendo que uma economia de pequenas e médias empresas se ajusta mais facilmente às oscilações de conjuntura atenuando as crises sociais. Aí estão os casos BPN, BPP, BCP, BES, PT , Soares da Costa e muitos outros, para o comprovar.

  A riqueza de um povo não é determinada pelos "iluminados" cérebros dos governos nem tão pouco dos da Comissão Europeia, como ficou demonstrado pelo colapso da união soviética, mas pela criatividade de cada um ao tentar concretizar os seus legítimos anseios.

   De toda esta realidade emerge um dos maiores paradoxos da atualidade consubstanciada na permanente retórica da descentralização e regionalização e na prática compulsiva contínua do centralismo. No fundo, ninguém parece disposto a abdicar de poder que detém, a não ser, quando muito, a dar-lhe nova forma. Perante esta realidade faz sentido perguntarmo-nos no que aconteceu às democracias e para onde caminharão. Ainda será o pior dos regimes com exceção de todos os outros?

   ...vai mal.

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