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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Henrique Galvão e a oposição


   Houve tempo em que me perguntava a razão pela qual, Henrique Galvão, enquanto primeiro e principal inimigo de Salazar, não se envolvera com a oposição comunista nem tão pouco a sua epopeia era mencionada pelos “democratas” do regime dos cravos.

   Recordo que, Henrique Galvão, capitão do exército, foi salazarista; apesar de democrata, tal como muitos outros, perante a balbúrdia da 1ª República, considerava necessária uma ditadura. Admirador de Salazar, foi um dos seus colaboradores diletos, teve ação relevante na reestruturação do exército, fundou a Emissora Nacional e, juntamente com Duarte Pacheco - dos tempos de Coimbra de Salazar de quem era grande amigo - organizou a célebre Exposição “O Mundo Português”. Apesar de terem setores diferentes da exposição a cargo, Pacheco e Galvão acabaram por se incompatibilizar.

   Henrique Galvão amuou por Salazar não tomar o seu partido e manifestou-lhe a sua deceção. O autocrata nomeou-o inspetor das Colónias esperando assim ver-se livre dele. Enganou-se. Henrique Galvão, qual Porfírio Rubirosa, percorreu as colónias de lés a lés, dedicando-se intensamente à caça, tendo ficado horrorizado com a vidas dos negros e a corrupção da administração colonial.

   No regresso, apresentou um relatório extenso e detalhado a Salazar do que tinha presenciado. Dececionado perante as pífias medidas do “padreco de Coimbra” - Assim lhe chamou Bernardino Machado -, Henrique Galvão não se conteve, arriscando a “brilhante” carreira que lhe estava destinada, apresentou-se na Assembleia Nacional - de que era deputado - e fez um discurso de denúncia e acusação arrasador. Sozinho.

   Daí resultou o seu afastamento da condição de deputado, pelos membros da Ação Nacional, contra a opinião de Salazar que, conhecendo bem Henrique Galvão, os advertiu de que se iriam arrepender.

   Foi então que o nosso Rubirosa proferiu a célebre frese “quando a ditadura é um facto, a revolta é um Direito!”. E revoltou-se! Foi descoberto, preso no Forte de Peniche e transferido para o Hospital de Santa Maria. Iniciou-se então a sua saga, digna de um autêntico Rambo.

   A fuga do Hospital Santa Maria, o refúgio na embaixada da Argentina donde transitou para a da Colômbia, o campo de treino na Colômbia, o sequestro do paquete Santa Maria, as tentativas de assassínio de Salazar e o exílio no Brasil, é toda uma “epopeia” digna de ser conhecida pelos portugueses. Diga-se em abono de Mário Soares, que, este foi o único político a visitá-lo no seu leito de morte em São Paulo, em 1970. Quando Soares lhe disse que salazar estava às portas da morte, Galvão deu um salto no leito exclamando: “não eu é que o vou matar”.

   Henrique Galvão era democrata - o sequestro do paquete Santa Maria de parceria com Pepe Velo tinha por objetivo último o derrube das ditaduras ibéricas, substituindo-as por democracias. Era iberista, e anticomunista - Durante o sequestro, a URSS ofereceu apoio a Galvão, pondo à sua disposição os mísseis necessários para afundar o “meu” Vera Cruz durante o transporte de 1500 soldados para a Guiné. Patriota recusou.

   Há quem diga - gente comunista - que Henrique Galvão era colonialista. Não é verdade! Galvão chegou a discursar na ONU onde referiu ser contra a independência das colónias por as respetivas populações não estarem preparadas para a assumir. E era verdade, como se viu e, ainda hoje, sessenta anos depois, se vê. Obviamente que Henrique Galvão jamais aceitaria as independências pró-comunistas que ocorreram; a vergonhosa capitulação e entrega a grupos sem representatividade popular manipulados pelo regime soviético por interposto PCP.

Eis o que refere a este respeito a já nossa conhecida Patrícia Mcgowen no seu também já conhecido livro “O Bando de Argel”.

“Quando, ainda em 1961, os dirigentes nacionalistas da CONCP procuravam uma oportunidade para estar na berlinda, aproveitando a luta armada iniciada pela UPA em Março desse ano, fizeram as primeiras tentativas de aproximação da oposição não-cunhalista.

   A princípio apostaram em Henrique Galvão.

   Galvão, como Delgado, vinha do salazarismo. Mas a sua oposição era muito anterior à do General. Durante longos anos o PCP e outros elementos da oposição tinham olhado esse velho africanista como uma personalidade a aproveitar. Já em 1949, o PC tinha editado um panfleto clandestino que reproduzia o relatório de Galvão sobre as condições em Angola, na altura.

   Delgado, pelo contrário, nunca foi visto com agrado pelo PCP e seus simpatizantes. Com relutância, tiveram que apoiá-lo finalmente, nas eleições de 1958, e desistir da candidatura de Arlindo Vicente; porém, com muito má vontade. Delgado era demasiado carismático, demasiado independente para servir de fantoche. Embora se tente hoje esconder das novas gerações esta fase da política sinuosa do PCP, ela está suficientemente documentada para quem quiser averiguar a verdade.

   Atribuindo a captura do paquete Santa Maria inteiramente a Galvão, e querendo aproveitar-se da publicidade mundial à volta do seu nome, os oposicionistas de esquerda e também os nacionalistas da CONCP estavam prestes, em 1961, a tentar uma aliança com o capitão. Houve um futuro dirigente da FPLN que, nesse mesmo ano, em carta dirigida do Brasil a um correligionário de Londres, escreveu: “Delgado está impossível. Terá que ser eliminado politicamente. Galvão é o nosso homem.

   Mas Galvão também se revelou incontrolável. Numa viagem à Suécia, pouco depois, destruiu em poucas palavras quaisquer esperanças que nele depositavam os aventureiros. Condenou o nacionalismo nas colónias portuguesas e atacou o comunismo. Assim se salvou de cair nas malhas que acabaram por enredar Delgado. Este episódio é altamente ilustrativo do comportamento de certos oposicionistas. Sem projetos sérios, incapazes de conduzirem qualquer ação de envergadura, esforçaram-se sempre por aproveitar-se das ações dos outros. E se estes demonstrassem ser independentes, então tudo fariam para os eliminar ou isolá-los."

   Por mim, direi que Henrique Galvão, por integridade, perdeu a oportunidade de se transformar no eterno ícone da oposição, até porque, Delgado foi uma invenção de Galvão; foi este que o lançou na candidatura presidencial de 1958 (foram amicíssimos, admirando-se mutuamente até se incompatibilizarem no Brasil).  
 

Peniche, 03 de Fevereiro de 2020
António Barreto

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