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domingo, 4 de abril de 2021

Os Pobres (VII)

     A Greve de Santo Tirso

   Em vésperas da queda da Monarquia Constitucional, em Julho de 1910, rebenta a greve dos têxteis de Santo Tirso. Na fábrica de Negrelos, a maior da região, 5000 mil operários exigiam melhores condições: salários e horários iguais dos colegas do Porto, saneamento dos chefes, fim dos castigos corporais e da obrigação de votar. A nada cederam os dirigentes da fábrica.

   Dividiram-se os grevistas, entre socialistas e anarquistas, acusando-se mutuamente. Os que recusaram a greve foram agredidos pelos que a ela aderiram. Aqueles passaram a beneficiar de escolta militar no trajeto para a fábrica. Estes ficavam no exterior. As aldeias vizinhas alvoroçaram-se. Homens, mulheres e crianças de Santo Tirso, munidos de cacetes e a toque de tambor, foram a Pevidem. Furiosos, por os patrões lhes terem barrado o caminho, cortaram as correias de transmissão dos teares das fábricas.

   Regressando, paulatinamente, ao trabalho, os operários das quatro fábricas da região voltaram à greve logo em Agosto. Reunindo em plena estrada com os industriais, os grevistas nada conseguiram, à exceção do saneamento do encarregado das retretes. Algumas semanas após o termo da greve, os patrões da “Roça de Negrelos”, nome que os operários davam à fábrica, endureceram as condições de trabalho; proibiram as refeições nas instalações, mesmo no inverno, e passaram a punir severamente o mais ligeiro atraso.

   Se a vida era particularmente violente para os operários, era especialmente violenta para as operárias, especialmente casadas. Levantavam-se de madrugada, tratavam do pequeno-almoço para a família, levavam os filhos embrulhados no xaile, andavam quilómetros a pé, descalças, de verão e de inverno, qualquer atraso era-lhes descontado no salário, trabalhavam 12 horas quase consecutivas, num ambiente impregnado de pó da lã, ou de algodão, gélido no inverno e tórrido no verão. Tomavam o frugal almoço, que levavam de casa, no pátio ou na rua. Qualquer engano era-lhes descontado no salário, uma distração poderia custar-lhes a amputação dos dedos ou de uma mão. Amamentavam os filhos às escondidas e a correr. Analfabetas, ninguém as respeitava. Chegavam a casa exauridas. Aos trinta anos estavam velhas. Folgavam aos domingos, que lhes permitia tratar melhor, da casa, da roupa, dos maridos, dos filhos, ir à igreja e conversar com a vizinhança. Naquelas casas austeras, pobres, quase tudo estava na rua; água, lenha, comida, etc.

Muitas, por falta de condições de higiene, não sobreviviam ao parto. Os filhos indesejados eram abafados à nascença, deixados à porta das igrejas ou entregues na roda das misericórdias. Algumas, vencidas pela dureza da vida, suicidavam-se com raticida ou cabeças de fósforos. Da pobreza dos campos à das fábricas, estas mulheres eram as mais pobres entre os pobres. Ainda assim, a maior desgraça que lhes poderia acontecer era perderem o trabalho na fábrica.

   Contudo, a pulsão revolucionária não estava entre os operários, mas nos estratos inferiores da pequena burguesia. Para estes, a “cambada” de ministros, políticos e deputados deveriam ser metidos num navio e despachados barra fora, deixando a governação a cargo de homens e de progresso Quanto aos pobres, sem culpa da sua ignorância, nada sabiam, não sendo maus, eram vistos como “umas cavalgaduras”.

   Este foi o ambiente propício à criação das raízes da ideologia republicana culminando no derrube da monarquia a 5 de Outubro.   


Engomadeiras - Carlos Reis

Peniche, 28 de Março de 2021

António Barreto

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