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terça-feira, 16 de abril de 2019

Portugal Traído O 16 de Março (notas 3)


Portugal Traído
Fernando Pacheco Amorim
(Edição de Autor)
                                                                                                      

  
 O 16 de Março
O Movimento dos Capitães decorria com o conhecimento geral. Apesar do conhecido propósito de derrubar do Governo, este limitava-se a acompanhar o processo vigiando discretamente alguns oficiais. O Capitão Clemente foi preso na Trafaria e Vasco Lourenço e António Ribeiro foram enviados para os Açores onde foram encontrar Melo Antunes, conhecido marxista. A expetativa do fracasso da insurreição, da qual eram corresponsáveis, fazia-os temer as consequências.


   Kaulza de Arriaga, ex-Governador Militar de Moçambique, propõe a Marcello Caetano um golpe de Estado contra a “velha guarda” militar fiel a Américo Tomaz. Os ventos da mudança tinham-se feito sentir; o Brasil, porta de entrada do grande capital em África, pela primeira vez abstivera-se numa votação da ONU contra a política colonial de Portugal.

   António de Spínola e Costa Gomes dissuadem a “velha guarda” de impor a Marcello Caetano o endurecimento do regime. Este, cria, pela primeira vez, o cargo de Vice-chefe de Estado-maior do Exército e, como reconhecimento, atribui-o a Spínola. A publicação de “Portugal e o Futuro”, autorizada pelo Ministro da defesa e, supõe-se, com o conhecimento de Caetano, provoca um abalo político nas altas esferas entre os defensores da autodeterminação e os da independência branca. A consequência foi a demissão de Costa Gomes e António de Spínola; este por ter escrito o livro, aquele por o ter autorizado e induzido em erro o Ministro. Tal foi imposto a Caetano pelo Chefe de Estado, após o conhecido episódio do “beija-mão” em que as altas patentes - exceto Kaulza de Arriaga, Silvino Silvério Marques e Jaime Silvério Marques - asseguraram apoio ao chefe do Governo.

   FPA considera que Marcello Caetano partilhava os pontos de vista dos generais insurgentes e que anuíra à ordem de demissão para manter o poder. Esta tese contraria os conteúdos de “O Depoimento”, em que Marcello apelida Spínola de fujão, e de “Portugal e o Futuro”, em que Spínola afirma que Caetano recusava uma solução política para a questão colonial.

   Veiga Simão, íntimo amigo de Spínola e com ligações ao Movimento dos Capitães através do Major Mariz Fernandes, faria a ponte destes com o Presidente do Conselho, provável causa da passividade deste na madrugada do 25 de Abril.

   Dá-se a última reunião plenária do Movimento dos Capitães, em Cascais, nas traseiras do restaurante “João Padeiro”, onde a Força Aérea e a Armada se recusam a participar no Movimento, garantindo neutralidade. Pela primeira vez é apresentado e aprovado o Programa do Movimento; uma comissão de cinco oficiais tinha sido incumbida de a redigir - coronel Vasco Gonçalves, major Charais, major Melo Antunes e capitães Hugo dos Santos e Pinto Soares. Há fortes indícios da interferência oculta do Partido Comunista, via Melo Antunes, com o qual mantém íntimo contacto. Costa Gomes colabora, desde o início, com a Comissão de Redação. O espírito de corpo e a impreparação política dos militares conjurados facilitou as infiltrações comunistas. A chefia do Movimento cai no General António de Spínola após renhida discussão na qual chegou a optar-se pela chefia deste, partilhada com Costa Gomes. Estava criada a primeira cisão no movimento dos capitães.

   Informado da decisão e do conteúdo do Programa, António de Spínola, alarmado com o teor marxista, altera-o e mostra-o a Costa Gomes. Para grande surpresa daquele, este disse nada saber sobre o Movimento ou o Programa. Insistindo Spínola - alegando que tinham sido ambos escolhidos para chefiar o Movimento -, Costa Gomes disse-se à margem de qualquer atividade revolucionária, lendo os documentos a título pessoal e concordando com as alterações efetuadas por Spínola. Dois dias antes da saída das tropas, Costa Gomes deu baixa ao Hospital Militar da Estrela onde se encontrava no 25 de Abril. A alcunha de Judas que lhe tinha sido atribuída pelos colegas no Colégio Militar ganhou consistência.

   A 15 de Março, Almeida Bruno, Casanova Ferreira, Manuel Monge, Otelo e Armando Marques Ramos, reúnem-se para ultimar os detalhes operacionais do pronunciamento marcado para dia 19. A unidade de Operações Especiais de Lamego comunica que tenciona entrar em ação, de imediato; Lochener Fernandes, comandante do Regimento de Cavalaria 6, indignado com a cerimónia do “beija-mão”, entregou o comando ao comandante da Região Militar do Porto e este, alarmado, ordenou o estado de prevenção rigorosa a todas as unidades. Lamego não acatou e decidiu agir. Face aos acontecimentos antecipou-se o golpe para dia 16.

   Seguiu-se, de imediato, a persuasão dos quartéis; A GNR não adere mas promete moderação em caso de receber ordem de repressão; adere a Escola Prática de Cavalaria de Santarém; a Escola Prática de Infantaria de Mafra não chegou a ser contactada em virtude de uma contraordem recebida pelo emissário, major Casanova Ferreira, ainda em Santarém.

   Manuel Monge e Jaime Neves dirigem-se ao Regimento de Cavalaria 7 da Ajuda onde contactam o respetivo comandante, coronel Romeiras. Este, surpreendido, fica de contactar Costa Gomes e António de Spínola antes de se comprometer. A resposta tranquiliza os emissários.

   Armando Marques Ramos segue para as Caldas da Rainha com a missão de assumir o comando do Regimento de Infantaria 5.

   Otelo Saraiva de Carvalho, incumbido de conduzir António de Spínola ao Porto, segue para casa. A pouca importância da missão e o facto de não ter chegado a concretizar-se, livrá-lo-ia da prisão e valer-lhe-ia o convite do PC para encabeçar o movimento decapitado.

   Contrariamente ao prometido, o coronel Romeiras informa o ministro do Exército Andrade e Silva da rebelião. O Regimento de Cavalaria 7 tinha sido escolhido para posto de comando dos revoltosos, onde, chegado o momento, se dirigiria Costa Gomes. No Porto, de reserva noutro posto de comando, ficaria António de Spínola. O Governo toma providências comprometendo o golpe. Alguns helicópteros são colocados em Monsanto prontos a descolar para Espanha com o Chefe de Estado e seus fiéis. O Chefe do Governo e a sua equipa confiavam na convergência dos propósitos dos sublevados com os seus objetivos

   Ante o alerta do coronel Romeiras, os responsáveis da insurreição em Lisboa decidem cancelar a ordem de saída. A contraordem chega tarde ao Regimento das Caldas da Rainha, onde o capitão Virgílio Varela tinha assumido o comando depois de ter prendido o respetivo comandante.

   E é assim que, pelas 4 horas da manhã, sai de Caldas da Rainha uma coluna militar com abundante material pesado, cerca de duzentas praças e vários oficiais, com destino ao aeroporto da Portela, comandada pelo capitão Armando Marques Ramos coadjuvado pelo tenente Vitor Carvalho. Casanova Ferreira e Manuel Monje, apercebendo-se do movimento, vão ao encontro da coluna e convencem o seu comandante a retroceder. No regresso cruzam-se com algumas tropas da GNR que não intervém. O ambiente de euforia que encontram à chegada ao quartel, onde se espera a entrada em ação das outras unidades, foi esmorecendo com o passar do tempo. Ao meio-dia o Regimento é sitiado por forças comandadas pelo brigadeiro Serrano, segundo comandante da Região Militar de Tomar, das quais fazem parte os Regimentos de Infantaria 7 e 15, a Escola Prática de Cavalaria, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública. Pelas 18 horas, após infrutífero diálogo, o brigadeiro Serrano, frente às tropas de infantaria 7, entra no quartel e manda prender todos os trinta e três oficiais que lá se encontram. Destes, vinte e dois são entregues no Regimento de Artilharia Ligeira 1, em Lisboa, e os restantes, considerados os mais perigosos, seguem para a Casa de Reclusão do Governo Militar de Lisboa, na Trafaria, onde já se encontra preso o tenente-coronel Almeida Bruno, detido na Academia Militar. Armando Marques Ramos e Virgílio Varela fazem parte do segundo grupo.

   Segundo FPA, o fracasso do golpe não se deve à denúncia do coronel Romeiras mas à traição dos oficiais comprometidos com o Partido Comunista. Estes, com influência no Movimento, não controlavam o respetivo comando. A não transmissão da contraordem aos conjurados do Regimento das Caldas da Rainha, na sua maioria spinolistas, teria tido o objetivo de os afastar do Movimento; com os principais operacionais presos, o Movimento ficou decapitado e o caminho livre para o Partido Comunista lhe dar um líder marxista.

   O fracasso do 16 de Março liquidou a esperança de uma verdadeira renovação política do país; os oficiais presos representavam a oficialidade combatente, a que melhor representava o pensamento e a vontade das forças armadas. Os jovens capitães não marxistas, que tinham lutado com abnegação, que tinham aderido ao Movimento cheios de boas intenções, foram traídos por forças cujas existência ainda desconheciam; uns foram presos, outros exilados. Chega a ser comovente como nem sequer se tenham apercebido que estavam a ser manipulados.

FPA termina o capítulo com a convicção de que, no final deste processo, sairia um Portugal Renovado pela ação de civis e militares. E saiu, com o 25 de Novembro, iniciando um ciclo que, hoje, em 2019, parece velho e esgotado.
 Foto: Catedral de Zamora, onde D. Afonso Henriques se coroou Rei de Portugal
Peniche, 16 de Abril de 2019
António Barreto
 

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