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sexta-feira, 1 de março de 2019

Humberto Delgado, O Mártir Socialista (notas, P13)

Humberto Delgado, O Mártir Socialista

(Considerações com base nos livros; O Inimigo Nº 1 de Salazar de Paulo Jorge Castro; Acuso!, de Henrique Cerqueira; A Tirania Portuguesa, de Iva Delgado e outros) 
 
E foi assim que, apesar dos avisos de risco de assassinato de Henrique Cerqueira - colaborador direto e representante de HD - e de Mário Carvalho - Delegado em Roma de HD -, o General Sem Medo, no dia 10 de Fevereiro de 1965, em Tetuão, após entregar a sua arma a Henrique Cerqueira e depois de ter tomado várias providências a título preventivo - instruções de atuação e documentação depositada nos serviços presidenciais argelinos a levantar por Henrique Cerqueira caso não se verificasse o seu regresso até dia 21 de Fevereiro -, iniciou a sua viagem para Badajoz sob o nome de Lourenzo Ibañez, com escala em Algeciras em 11/02, em Mérida em 12/02 e em Badajoz em 13/02, onde seria assassinado em 14/02, juntamente com a sua secretária-amante, Arajarir de Campos. Depois de muita controvérsia e especulação acerca do desaparecimento do General, o seu corpo e o da sua secretária viriam a ser descobertos em 24 de Abril em Villanueva Del Fresno, junto ao caminho vicinal Los Malos Pasos,  perto da fronteira portuguesa. Estava consumada a tragédia, tendo-se seguido uma luta feroz entre oposicionistas pelos despojos e de responsabilização mútua pelos assassinatos.

   Quando o General e a sua secretária chegaram a Badajoz, no dia 12 de Fevereiro de 1965, hospedando-se no hotel Simancas, onde se terão encontrado com quatro africanos não identificados, Uma brigada da PIDE composta por António Rosa Casaco (agente sob nome falso), António Lopes Ramos (Ernesto Castro e Sousa, um dos presentes na reunião de Paris), Agostinho Tienza, agente sob nome falso) e Casimiro Monteiro (agente sob nome falso), transpôs a fronteira portuguesa de São Leonardo em duas viaturas com as matrículas falsificadas.

   Lopes Ramos ter-se-á encontrado no dia seguinte com Humberto Delgado a Arajarir de Campos, conduzindo-os a local ermo próximo de Olivença, onde os restantes agentes da PIDE os aguardavam. O Acórdão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, que julgou o caso, proferido em 27 de Julho de 1981, considerou provada a culpabilidade material de Casimiro Monteiro no assassinato do General e sua secretária, “por resolução sua e isolado agir”, ilibando todos os outros intervenientes destes crimes.

   O Governo Português estava ao corrente das intenções de Humberto Delgado, pelo menos desde 8 de Janeiro de 1964 quando o adido naval da Embaixada de Portugal em Madrid informou a PIDE através do MNE de que, segundo o Ministério da Marinha espanhol, aquele era o chefe comunista soviético para a península ibérica e preparava ações revolucionárias na península, razão pela qual, tinham tomado medidas preventivas.

   Na véspera da chegada do General a Badajoz, 11 de Fevereiro de 1965, o adido militar naval e aeronáutico da Embaixada de Itália em Lisboa terá alertado as autoridades portuguesas para a iminência do início duma guerra de guerrilha em Julho desse ano, em preparação por Humberto Delgado

      Um dos muitos relatórios que um informador infiltrado na comunidade oposicionista do Rio de Janeiro - que se supõe tenha sido um tal Gusmão Calheiros, comunista expulso do PCP - enviou à PIDE em 26 de Fevereiro de 1964, faz referência a um tal “General”, supostamente de nome Juan Perea, o qual terá pedido a Ben Bella apoio idêntico ao que dispensava a Humberto Delgado, com a finalidade de organizar o Exército de Libertação antifascista, para o qual garantia capacidade de recrutamento imediato de 10 mil operacionais - espanhóis oriundos do sul de França, que se estavam a tornar incómodos para este país -, com o qual pretendia derrubar o regime de Franco.

   Por seu lado, o Presidente argelino pretenderia a unificação das forças ibéricas, constituindo regimentos mistos, com idêntico fardamento, o mesmo armamento, a mesma instrução e a mesma organização tática. O seu propósito seria o da constituição de uma República Popular Ibérica unificada, na qual Portugal seria absorvido pela Espanha. Numa primeira fase, as forças de libertação dependeriam do Chefe de Estado-Maior argelino, e, numa segunda fase, mediante certos pressupostos, constituiriam, por decreto governamental, a Legião Estrangeira Argelina passível de intervenção militar sobre Marrocos ao serviço do Governo de Argel. Este compromisso terá sido assinado por ambos os rebeldes ibéricos, que, com este ato, terão aceitado transformar as suas Forças em mercenários ao serviço do governo argelino.

   Como interpretar tudo isto? Que o processo eleitoral do Estado Novo era fraudulento, não haverá dúvidas. Que o voluntarismo romântico libertário e despeitado, misturado com os elevados egocentrismos quer de Henrique Galvão quer de Humberto Delgado, também não andará longe da verdade. Que, este, tenha sido objeto de instrumentalização política pelo Partido Comunista, após a dissidência com aquele, também não custa a crer. Que o cenário da sua morte constava nas previsões de Humberto Delgado, não haverá dúvidas. Que a morte deste era do interesse do Governo de Salazar é, quanto a mim, discutível. Que, por outro lado, seria do interesse do Partido Comunista e do grupo de Mário Soares, a morte de Humberto Delgado com imputação da respetiva responsabilidade a Salazar, também faz sentido. Que aqueles seriam conhecedores da armadilha preparada pela PIDE, na reunião de Paris, a Humberto Delgado e, intencionalmente, não o tenham dissuadido da ida a Badajoz, também não custa a acreditar. Que as várias células oposicionistas da Venezuela, Rio de Janeiro, Marrocos e Argélia estavam infiltradas por agentes da PIDE insuspeitos, é um facto. Que o Partido Comunista se servia desta polícia para afastar opositores internos - veja-se o caso das FAP e de João Pulido Valente -, é uma realidade. Que o projeto de HD de intervenção armada imediata em Portugal neutralizava a estratégia do PCP esvaziando a sua função política, quer interna, quer no âmbito da sua parceria com a URSS, não haverá dúvidas.
Foto: O Uige, da CCN (um dos "meus" navios)

Peniche, 1 de Março de 2019
António Barreto

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