(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)
Convergência aristocrática:
Alexandre de Marenches descendia
duma casa aristocrática, dos tempos do Franco-Condado, que trocava
correspondência com Carlos V, Filipe II e Carlos I - o Temerário -, Duque de
Borgonha. Este facto aproximou-o do Rei Juan Carlos, descendente daqueles
monarcas, estabelecendo-se uma grande amizade entre ambos.
Numa das tertúlias em que o
monarca espanhol fez referência aos problemas dos jovens, o Conde atribuiu-os
ao aborrecimento decorrente da falta de causas, aventuras e grandes obras,
adiantando a ideia, do agrado do monarca, de que a construção duma via fixa de
comunicação entre as duas margens do estreito de Gibraltar, ponte ou túnel,
seria motivadora para a juventude de ambos os lados.
Ocidente, esperança e
fragilidades:
A esperança das democracias
parlamentares ocidentais residiria no facto de o rácio migratório entre a
Europa Ocidental e o bloco soviético se ter cifrado na ordem de um para um
milhão; por cada europeu que passou para o lado soviético, um milhão teria feito
o caminho inverso. Acresceria que, enquanto o povo pode desembaraçar-se duma
ditadura de direita, jamais o conseguirá fazer relativamente a um regime
comunista.
Após quarenta anos de observação
de conflitos internacionais, Alexandre de
Marenches afirmava viverem-se então
tempos excecionalmente perigosos. Estaria em curso uma guerra total, multiforme
e policromática, devendo desconfiar-se dos que o negassem. Uma guerra
psicológica, especialmente grave se negligenciada, poderia vencer o Ocidente
face à descrença geral da população e à determinação dos seus inimigos.
Houvera uma espécie de inversão
na estratégia da guerra; da conquista do terreno para a submissão do homem,
passou-se para a conquista do homem através da mente e daqui para o domínio do
terreno. O método é o da “velha” técnica da subversão - “a maior astúcia do
diabo é fazer crer que não existe”. Dificilmente se pode combate-la. E quem o
fizer é imediatamente apelidado de fascista. Fica-se desarmado perante os
“mitos incapacitantes” inventados. A técnica é a da infiltração; na comunicação
social, no clero, na escola e na universidade.
No passado remoto o acesso ao
poder obtinha-se controlando a Igreja (as almas), no século XIX controlando a
instrução (os cérebros), à época, controlando o audiovisual (universidade). Contrariamente
ao que sucedia nos países do Leste, na Europa, o amor da pátria e do trabalho
foi substituído pela permissividade, indisciplina, desprezo pelas virtudes
antigas, obsessão por paraísos artificiais; em suma verificou-se uma inversão
de valores, que enfraquece o Ocidente face ao “soldado político” movido por uma
crença, uma fé, característico dos seus inimigos comunistas ou islâmicos.
Citando Soljenitsyne: “Não são as dificuldades de informação que
constrangem o Ocidente, mas a ausência do desejo de saber. É a preferência dada
ao agradável sobre o penoso. É o espírito de Munique, o espírito de
condescendência e de concessão, ilusões medrosas de sociedades de homens que
vivem no bem-estar que perderam a vontade de se privar, de se sacrificar e de
mostrar firmeza”.
Prognosticando um inevitável
conflito sino-soviético no século seguinte - XXI - o “velho” aristocrata
considerava a zona do próximo e médio Oriente a de maior risco de
conflitualidade, cuja intensidade dependeria dos “ventos” que soprassem de
Moscovo.
Em 1986 - data da entrevista
subjacente a estas notas - Alexandre de
Marenches, considerava a União Soviética a principal ameaça ao Ocidente; o
férreo controlo de fronteiras, o sentido de patriotismo da respetiva população
disponível para o sacrifício pessoal, a sua estratégia global com regiões de
influência bem definidas trabalhadas por interpostos líderes locais doutrinados
e suportados politicamente, economicamente e militarmente, contrastava com a
obsessão do progresso económico e social das “democracias moles” do Ocidente
onde os cidadãos, ciosos do seu bem-estar, tinham esquecido o sentido
patriótico, e onde a alternância governativa impedia a acumulação de
conhecimento e sistematização da ação.
Apesar da pertinente caracterização
sociopolítica dos dois blocos e da extraordinária experiência oficial e
oficiosa de quatro décadas, Alexandre de
Marenches, tinha deixado escapar algo essencial que lhe não permitiu prever
o que sucederia em 1989 - queda do muto de Berlim - e em 1982 - implosão do
regime soviético, fruto das dinâmicas sociais e económicas e políticas internas
e da impossibilidade de acompanhamento do progresso tecnológico americano em
matéria de armamento.
Como está demonstrado hoje a
desagregação soviética não arrastou consigo o fim do socialismo, este
prosseguiu a partir dos espaços geográficos influenciados - especialmente
afro-asiáticos - e grupos políticos Ocidentais indisponíveis para abdicar dos
seus projetos de poder apesar de cientes do provado fracasso da ideologia
socialista. Hoje a ONU, longe dos princípios fundadores da Sociedade das
Nações, graças à matriz política da maioria dos países que a compõem,
prossegue, ao seu estilo aparentemente altruísta, os desígnios políticos da
extinta União Soviética.
António Barreto
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