(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)
As democracias partidárias:
A promiscuidade entre empresas e partidos
políticos, flagelo das democracias atuais, é exemplificada com a descoberta
acidental do caso de uma empresa dependente do Estado que se dedicava ao
tráfico de matérias-primas e cujo diretor geral entregava a certo partido parte
dos fundos obtidos. Ficara estabelecido em contrato que, em caso de mudança de
Governo, aquele diretor seria promovido a Presidente daquela empresa. Alertado
o Primeiro-Ministro, este limitou-se a sugerir a Alexandre de Marenches que
lhe desse um “valente susto”! Os casos deste tipo abundam também em Portugal,
depois da abrilada.
A neocolonização de África:
A República francesa tinha relacionamento privilegiado com quase todos
os países do norte e centro de África em consequência da sua história colonial,
apesar de tardia. O envolvimento das respetivas populações teve grande impacto
na formação dos futuros quadros africanos, beneficiários do sistema de ensino
gaulês. Leopoldo Senghor, Presidente
do Senegal e Houphouet-Boignhy,
Presidente da Costa do Marfim, são referidos como exemplos excecionais de
assimilação da cultura francesa - a ponto de terem contribuído na elaboração da
respetiva constituição em vigor à época - e de equilíbrio institucional na
gestão dos países dos quais foram fundadores. Foi no contexto de potência
protetora ex-colonizadora que a França auxiliou militarmente o Chade contra a
ambição de domínio territorial de Khadafi
que, apesar disso, ainda logrou os seus intentos numa faixa setentrional
daquele país.
Do Chade à República Centro-Africana Khadafi
tinha em marcha um plano de conquista territorial até ao Planalto Central e
daí para o Corno de África. A expansão da influência soviética pela mão de Khadafi ameaçava todo o norte e centro
do continente africano. À semelhança do que se passava em Angola e na Etiópia
os franceses temiam a entrada em cena de forças cubanas ou alemãs (de leste). Bokassa, o autoproclamado
“imperador-palhaço” da futura República Centro Africana apoiado pela França,
tornou-se incómodo e perigoso. Numa operação, realizada em Bangui, semelhante à
que a Mossad realizara em Entebe, os serviços secretos franceses depuseram
o “imperador fantoche” substituindo-o por David
Dacko, um francófono local a residir em Paris.
A década de setenta foi especialmente turbulenta em África, as potências
da época disputavam as valiosas matérias-primas que por lá abundam. Foi o caso
do Zaire, concretamente, na província de Saba - rica em cobre, diamantes,
cobalto, manganês, cádmio, chumbo, estanho e petróleo -, em Maio de setenta e
oito, a cidade de Kolwezi foi sitiada por cerca de quatro mil polícias
catangueses, que a soldo do governo de Luanda, Cuba e dos países do leste da
Europa, chacinaram centena e meia de europeus e muitos indígenas.
O risco de balcanização do Zaire e consequente vulnerabilização da
região à expansão comunista justificou a intervenção da França através dos
serviços secretos e da Legião Estrangeira, ante a inépcia belga.
A relação privilegiada de Alexandre
de Marenches com o rei marroquino Hassan II permitiu-lhe persuadi-lo a usar
a sua influência junto dos seus pares africanos e reunir um contingente militar
interafricano, o primeiro da história de África, constituído por forças de
Marrocos, Gabão, Senegal, Costa do Marfim e Togo, com o qual lograram controlar
o Zaire.
No relato deste episódio, o Diretor do SDECE, refere a importância
estratégica de Marrocos para o Ocidente enquanto tampão à influência comunista
na margem sul do estreito de Gibraltar e canal de apoio francês a Jonas Savimbi,
que considerava o “herói da resistência anticolonialista em Angola”.
Até ao consulado de Giscard
D’Estaing a estratégia de expansão da influência francesa na África
meridional passava pela aposta numa Angola livre da influência soviética, razão
do seu apoio ao movimento de Jonas Savimbi, ao qual reconheciam
representatividade dos negros autóctones.
Idolatrado pelos angolanos do interior, Jonas Savimbi, que escrevia num
francês soberbo, era considerado por Alexandre
de Marenches um gigante intelectual e moral, um líder carismático,
prodigioso, de imensa coragem que, depois de combater o colonialismo português
se batia contra o colonialismo soviético, infinitamente mais poderoso. Cubanos
e alemães de leste mantinham em Angola um contingente militar de trinta a
quarenta mil homens ao serviço da URSS. Alexandre
de Marenches comparava Savimbi ao general D’Gaulle e aos afegãos que resistiram à ocupação das forças
soviéticas.
A partilha dos recursos do país acordada na Trilateral1,
sobrepunha-se às divergências políticas das duas grandes potências da época. Paradoxalmente
o principal financiador do regime de Angola, a Gulf Oil - através dos
rendimentos da exploração petrolífera de Cabinda -, gozava da proteção militar
cubana a expensas da união soviética. Da convergência de interesses
geoestratégicos entre adversários políticos resultou o abandono do apoio geral
à causa de Savimbi com exceção do da França até ao consulado de Giscard D’Estaing. Este, receoso de
afrontar os interesses soviéticos, cancelou-o, à revelia da recomendação dos
seus serviços secretos. Foi o fim da Unita. “Os países burgueses são de tal
forma estúpidos e gananciosos que, um dia, eles próprios nos vão vender a corda
com que os enforcaremos”, frase atribuída a Lenine.
Rosa Coutinho é referido como agente comunista que fizera toda a carreira
militar na marinha, na época salazarista e que entregara as chaves de Angola
aos representantes dos países do Leste. Com o desabamento do império lusitano
minado pelo interior e a perda de Moçambique para o marxismo e a fome, Alexandre de Marenches considerava que
se deveria ter impedido a entrada cubana e soviética em Angola.
Alexandre de Marenches
António Barreto
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