(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)
A Guerra Fria:
Nas dez toneladas de documentos dos arquivos da Gestapo entregues a Marenches em 1970, quando assumiu a
Direção do SDECE, encontraram-se coisas horrorosas; alguns franceses
“ilustres”, considerados “resistentes exemplares” foram, de facto, agentes da
Gestapo ou dos serviços italianos. Os soviéticos porém, acederam a todos os
arquivos dos países europeus ocupados pelos nazis. De posse de informação
comprometedora sobre ocidentais influentes, os comunistas usaram-na na guerra
fria, chantageando-os, levando-os a trair o seu próprio país.
Por entre o caos e os excessos dos populares na França recém-liberta De Gaulle, recorrendo aos bons ofícios
do conde, fracassou na tentativa de obter do presidente Eisenhower o apoio de que carecia para o fabrico da bomba atómica.
Este com o caso Rosenberg ainda bem
fresco - roubo dos segredos atómicos americanos por um simpatizante de Estaline
-, temia, com razão, a infiltração comunista no aparelho francês. A deceção,
porém, não dissuadiu o general gaulês de escolher o mundo livre na crise dos
mísseis de Cuba que ocorreu logo após a guerra da Coreia.
De Gaulle prevendo o
desequilíbrio demográfico que veio a verificar-se entre as populações africanas
e europeias, temendo o risco da ocorrência de uma França argelina por via do
processo eleitoral facilitou a independência da sua colónia Magrebina.
Para Alexandre de Marenches, Georges Pompidou, dotado de inteligência, sensibilidade, humor e
modéstia, foi o melhor presidente de França do seu tempo; um autêntico homem de
Estado que se caracterizou pela capacidade de encarar as más notícias e de relativizar
as boas. O seu falecimento - vítima de uma septicemia - terá sido uma
infelicidade para a França e para a Comunidade.
A mudança frequente das estruturas governativas nas democracias,
constitui ma das suas grandes fraquezas. A CIA mudou seis vezes de dirigentes
nos onze anos do mandato de Marenches.
Algo que não se verificou nos opositores soviéticos que ainda alocavam aos seus
serviços de informações abundantes meios humanos e verbas quase ilimitadas.
Embaixadas e consulados tinham entre os seus funcionários agentes que
faziam espionagem a ocidente na maior liberdade. Os japoneses faziam-na recorrendo
a equipas técnicas sob a capa de operações comerciais correntes, que visitavam
as fábricas, documentando fotograficamente tudo o que lhes interessava. Por
outro lado a imprensa americana é apontada como perigosa por atuar contra os
interesses dos Estados Unidos ao condenar ao fracasso operações estratégicas
publicando-as antecipadamente.
O caso de Kurt Waldheim,
suspeito de crimes de guerra nazis, eleito presidente da Áustria e Secretário
Geral da ONU, é referido como um entre muitos em que, personalidades destacadas
do pós-guerra, comprometidas com o 3º
Reich, caíram nas mãos dos soviéticos graças aos arquivos que estes
possuíam e documentavam essas ligações.
As Nações Unidas são descritas como uma espécie de “queijo gruyére” infiltradas por agentes dos
serviços de informação de vários países. Foi assim que, durante numerosos anos,
o diretor do pessoal do serviço internacional da ONU foi um coronel do KGB. Um
caso que ajuda a explicar muito do que hoje ocorre no seio daquela organização.
Alexandre de Marenches
Peniche, 14 de Março de 2020
António Barreto
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