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sábado, 3 de outubro de 2020

Os Bastidores do 28 de Setembro

   Vinte e nove de Setembro de 1974, com as barricadas ainda nas ruas o General Spínola chama Sanches Osório - Ministro da Comunicação Social do 2º Governo Provisório - para, na sequência dos acontecimentos do dia anterior, esgotadas todas as outras opções, lhe comunicar a sua decisão de resignar. A comunicação ao país seria feita no dia seguinte, pelas 11 horas, diretamente do Conselho de Estado, perante os microfones da Emissora Nacional e as câmaras da RTP. No gabinete, onde além de Spínola e Osório se encontrava também a secretária particular daquele, Maria Luísa, entra, exaltado e comovido, o Major Zuquete da Fonseca protestando contra a decisão de resignação, incentivando o General a lutar de armas na mão e declarando-se pronto a sair com as unidades fiéis. Acalmando-o o General Spínola disse-lhe que não se derramaria sangue no País por sua causa ou por seu intermédio.

A 26 de Abril realizara-se um Conselho de Ministros com a principal incumbência de deliberar acerca de anunciada manifestação da “Maioria Silenciosa”. Os partidos andavam apreensivos com as alegações de Álvaro Cunhal em defesa da proibição. Dizia tratar-se de uma manobra da “reação”, que os camaradas o tinham informado de que os fascistas se iriam manifestar usando abusivamente o nome do Presidente da República, e que, independentemente da decisão do Governo, a iriam inviabilizar. Ostensivamente, Álvaro Cunhal mostrou que o Partido Comunista dispunha de um serviço de informações próprio e que a obediência ao Governo estava condicionada ao seu exclusivo interesse. Tal como atualmente relativamente à Festa do Avante.

Salgado Zenha e Melo Antunes defenderam a proibição da manifestação apesar dos alertas de ilegalidade de Sanches Osório que defendeu a realização da mesma. Almeida Santos - Ministro das Colónias -, adiantou que seria possível ilegalizar a manifestação a partir de interpretação a contento da Lei da Reunião. Já a Salgado Zenha - Ministro da Justiça -, bastava publicar um Decreto-Lei legalizando a proibição, algo sem importância face à necessidade de impedir a realização da manifestação. Para estes dois ministros do 2º Governo Provisório, considerados ilustres democratas, a Lei manipulava-se de forma a ajustar-se aos seus interesses políticos.

A coerência de Salgado Zenha pode ser aferida pelas declarações que fez, como Ministro da Justiça, sobre presos políticos; enquanto à imprensa portuguesa tinha declarado não haver presos políticos em Portugal, à imprensa estrangeira disse nunca ter havidos tantos.

Sobre o mesmo assunto o ilustre académico Magalhães Godinho - Ministro da Educação -, no seu estilo áspero, considerou antipedagógico, impensável e incoerente para o processo democrático a realização de tal manifestação. Mais tarde, numa entrevista à “Vida Mundial”, Magalhães Godinho queixou-se da “institucionalização fracionada do poder” e da gravidade do compadrio ideológico dos comunistas, que consistia na ocupação dos lugares públicos, acusando-os de andarem a brincar com a Pátria.

Era quinta-feira e nada ficou decidido quanto à manifestação da “Maioria Silenciosa”, sendo evidente a tendência geral para a proibição.

Outro assunto dividia os membros do Governo e foi debatido no mesmo Conselho; a tourada organizada para essa noite pela Liga dos Combatentes; a proposta de proibição apresentada por Álvaro Cunhal foi rejeitada depois de animada discussão com Firmino Miguel - Ministro da Defesa -, Costa Brás - Ministro do Interior -, Vasco Gonçalves - Primeiro-Ministro - e Sanches Osório - Ministro da Comunicação Social. Spínola, através daquele, informou o Conselho de que segundo a tradição e dada a sua condição de combatente iria à tourada, instando à presença de alguns membros do Governo prevenindo qualquer hipótese de reação. O Conselho recebeu com frieza a informação tendo vasco Gonçalves, a contragosto, assegurado a sua presença. Almeida Santos e Salgado Zenha foram convidados pelo Presidente a juntar-se a Sanches Osório no evento.

Num exercício de maquiavelismo que o caracterizou, Álvaro Cunhal alertou Firmino Miguel e Costa Brás de que a “reação” “os tinha debaixo de mira”. Vasco Gonçalves assumiu então o “sacrifício” da exposição aos atentados apresentando-se no evento em representação do Governo. Nem por um momento ocorreu ao “herói-pateta” e ao seu mentor que os Combatentes não tinham qualquer motivo para assassinar aqueles dois camaradas. A ideia do atentado traduziu um dos principais recursos do Partido Comunista que marcou o pós-25 de Abril; a capacidade de inventar ameaças para justificar a ilegalidade dos seus atos. Tratou-se pois de uma das várias “inventonas” que permitiram aos comunistas dominar o processo revolucionário sobrepondo o poder da rua ao poder institucional.

Adiou-se então a reunião do Conselho para recomeçar no dia seguinte, sexta-feira, 27 de Setembro.

A tourada realizou-se nessa tarde e decorreu sem incidentes de maior. Cantou-se o Hino Nacional e deram-se vivas a Portugal no início e no final. O apoio entusiástico dos aficionados ao General Spínola e as vaias ao Brigadeiro Vasco Gonçalves foram a característica dominante. Os aplausos a Spínola ocorriam sempre que assomava na tribuna e a cada sorte, contrastando com os repetidos apupos a Vasco Gonçalves e seu séquito. Finda a tourada, no exterior, uma pequena manifestação organizada pela União dos Estudantes Comunistas e liderada por dois oficiais da Comissão Coordenadora da Armada, fazia-se ouvir contra “os fascistas” e a “reação”. Presentes, como observadores, estavam Francisco Sousa Tavares, Piteira Santos, Sanches Osório e acompanhantes. A GNR fez algumas detenções entre os manifestantes.

O povo ali simbolizado pelos aficionados, mostrava de que lado estava na fratura que começava a definir-se entre as cúpulas da Nova Ordem. Demonstrava-se o papel decisivo de Spínola na adesão do Povo ao golpe de abril. Um embuste; aquele ainda não se tinha apercebido que fora instrumentalizado. Ninguém no MFA queria saber das suas ideias para o país, interessava-lhes apenas a popularidade que granjeara como herói militar junto da população.

 No dia seguinte, 27 de Setembro, pela manhã, o General Spínola informa Sanches Osório de que decidira autorizar a manifestação e tinha intimado o 1º Ministro a fazer uma declaração pública inequívoca disso mesmo. E que sindicatos e partidos deviam acabar com a instigação à violência e com as coações físicas e psicológicas.

No Conselho de Ministros dessa manhã discutiram-se os saneamentos e a manifestação. Sobre esta, em oposição ao Presidente da República, os partidos manifestaram-se pela proibição. Melo Antunes apresentou uma declaração para ser lida pelo Governo. Andou de mão em mão, como batata quente, cada um endossando a outro a responsabilidade da divulgação. A outra declaração que, nessa manhã, Galvão de Melo, em nome da JSN, entregara a Sanches Osório, fora rejeitada por Vasco Gonçalves. Naquele jogo de sombras, entre hesitações e equívocos, forjava-se a traição à esperança dos portugueses. Magalhães Godinho percebia o equívoco da sua participação no Governo. Vítor Alves, incomodado, considerava o assunto, delicado e, como o 1º Ministro, afirmava que os partidos continuariam a trabalhar para isolar a manifestação. Terminada a reunião, durante o almoço, Sanches Osório veio a saber, por um casal amigo que estavam a revistar os automóveis na estrada do Norte. Tinham começado as barricadas.

Surpreendentemente, pelas 19 horas do mesmo dia, realizou-se nova reunião do Conselho de Ministros desta vez sob a presidência do General Spínola. Momentos antes este é informado por Sanches Osório de que o 1º Ministro rejeitara a declaração da JSN e das tergiversações do Conselho relativas à manifestação. Por sua vez, O General Spínola informa-o da sua decisão de “despedir” o Governo e censurar duramente o 1º Ministro.

Abrindo a sessão o General Spínola exigiu do Governo o compromisso de restaurar a lei e a ordem sob pena de lhe retirar a confiança. Traçou o quadro geral do país destacando o caos económico, a recessão e o desemprego resultantes do afastamento dos investidores nacionais e estrangeiros devido ao estado de anarquia que se vivia. Responsabilizou a Esquerda e Extrema-Esquerda pela informação tendenciosa que provocava instabilidade nos espíritos e nas relações de trabalho. Culpou diretamente Álvaro Cunhal pelo pânico que o excessivo avanço do seu partido induzira na população. Ameaçou ilegalizar o PCP por se tratar de um partido às ordens de Moscovo em vez de nacional. Concluiu, sempre num registo firme e calmo, sublinhando a instabilidade provocada pelos meios de comunicação social ao instigar os trabalhadores contra os patrões, aos quais nunca reconheciam razão.

Respondeu Vasco Gonçalves em defesa do Governo com estafados “chavões” e palavras de ordem numa leitura delirante da situação acabando por assegurar a realização da manifestação apesar de a considerar reacionária.

Defendeu-se Álvaro Cunhal afirmando a extrema moderação do seu partido e o seu empenho na democracia, considerando as acusações infundadas. Afirmou possuir provas do envolvimento da “reação” na manifestação da “maioria silenciosa” e considerou positivo o papel que, até então, os órgãos de informação tinham desempenhado.

As restantes intervenções foram destituídas de relevância; Maria de Lurdes Pintassilgo congratulou-se com as reformas de fundo que podia fazer - apesar de interditadas pelo programa do MFA, que só as autorizava no âmbito da Assembleia Constituinte - e Salgado Zenha, em nome dos “companheiros” não identificados, hostilizou o Presidente da República. Sanches Osório insurgiu-se contra o policentrismo do regime e pela necessidade de restabelecer a autoridade sem a qual não seria possível governar.

Ouviu-se uma gravação da “Rádio Ribatejo” incitando a população ao levantamento de barricadas para impedir a manifestação marcada para 28 de Setembro, sem que houvesse reação do Conselho de Ministros.

Todos os que apoiaram tacitamente as barricadas tiveram medo, incluindo o “valente” Álvaro Cunhal, que correu a refugiar-se numa embaixada de um país socialista, a “descansar”!

Com o General Spínola estavam, no Gabinete Militar da Presidência, Galvão de Melo, Silvério Marques, Diogo Neto, Fontes Pereira de Melo, Firmino Miguel, Engrácio Antunes, Xavier de Brito, Simas, Dinis de Melo e Castro, Sanches Osório e outros não identificados, a que se juntaram os Generais da Junta de Salvação Nacional para debater o assunto. Foi convocado o Primeiro-Ministro que, ao entrar, se dirigiu ao General Galvão de Melo estendendo-lhe a mão:

“- Como está meu General?

Perante a indiferença de Galvão de Melo:

- O meu General não me aperta a mão?

- Não, eu não falo a filhos da puta. Respondeu calmamente Galvão de Melo.

- O meu General é um estupor! Disse o Primeiro-Ministro.

Para evitar que chegassem a vias de facto o General Diogo Neto interpôs-se, de frente para Vasco Gonçalves e, levantando a mão, exclamou:

- Tu és uma vergonha! Meu comunista ordinário, que queres levar o país para uma guerra civil. Se abres a boca parto-te a cara.”

Sanches Osório expôs ao Primeiro-Ministro a situação acusando o Governo de, em simultâneo com a emissão dum comunicado pela realização da manifestação, tê-la boicotado ao incitar os partidos a isolarem-na.

Respondeu Vasco Gonçalves:

“- Isso é uma calúnia. O senhor está a insultar-me.

- Não estou. Respondeu Sanches Osório.

- Isto são os factos tal como se passaram e eu não posso nem devo esconde-los.”

Interveio o General Diogo Neto dirigindo-se ao Primeiro-Ministro:

“- És um merdas.”

O General Silvino Silvério Marques acrescentou:

“- Olha-me bem de frente. Eu tenho quatro estrelas, mas só duas são da revolução; deixo-tas aqui, atiro-tas à cara. Tu vais dar ordem ao teu partido (PCP) para acabar com a rebelião.“

Acabara de entrar o Presidente da República que presenciou o final da cena. Num ambiente de grande tensão dirigiram-se para a sala do Conselho de Estado onde já se encontrava o General Costa Gomes, que recordo foi interveniente no fracassado golpe de Botelho Moniz ensaiado em 1961.

 O Presidente da República abriu a sessão referindo a situação melindrosa em que o país se encontrava. Sanches Osório pediu a palavra e voltou a colocar a questão da autoridade concluindo que nem a Junta de Salvação Nacional, nem o Governo Provisório, nem a Comissão Coordenadora do MFA, nem o Estado Maior General das Forças Armadas mandavam no país; o poder estava na rua e esta era controlada pelo PCP. Perante a reação negativa de Vasco Gonçalves exemplificou com os casos da TAP, paralisada e em greve em presença dos militares, e da Lisnave, que fez uma manifestação, apesar de proibida, vangloriando-se do feito. O General Costa Gomes desvalorizou os incidentes relatados com vagas explicações. O General Spínola, impressionado, ordenou a redação imediata de um comunicado exortando o povo a pôr fim às barricadas pois era obrigação de todos garantir uma manifestação pacífica.

Rejeitado o comunicado redigido por Sanches Osório - Vasco Gonçalves considerou-o demasiado violento e Costa Gomes alegou falta de meios para o fazer cumprir - a JSN aprovou outro elaborado e assinado pelo Primeiro-Ministro que, mais tarde, haveria de o mandar roubar para não ser desmascarado.

Já na Emissora Nacional, ocupada pela P.S.P., Sanches Osório entregou o comunicado a Manuel Alegre, que parecia liderar o grupo de civis que lé se encontrava. Confirmada a autenticidade do documento, este foi lido pela primeira vez pelas 0300 horas e a cada meia hora durante a emissão de música clássica.

  Em Belém, para onde regressara Sanches Osório, vivia-se um ambiente de exaltação. Otelo dava ordens pouco convincentes ao COPCON. Iam chegando notícias das barricadas. Costa Gomes decidiu ir com Otelo para a sede do COPCON - Alto do Duque - para daí dirigirem as operações. Tal preocupou os restantes participantes no Conselho de Estado que, desconfiados, propuseram que se lhes juntassem o General Silvino Silvério Marques e o Almirante Pinheiro de Azevedo. Por decisão do Presidente da República acompanharam Otelo e Costa Gomes, Firmino Miguel - Ministro da Defesa - e o seu Chefe de Gabinete, Coronel Robin de Andrade. Decisão fatal. Aqui começou a ruir a esperança de uma democracia pluralista em Portugal.

Pela manhã Firmino Miguel informa Sanches Osório de que as estações de rádio e de televisão poderiam reabrir e que o problema das barricadas estava resolvido. O Presidente da República decidira, na manhã do dia 28, que a manifestação da “Maioria Silenciosa” era inoportuna. No dia seguinte reunir-se-ia de novo o Conselho de Estado. Continuaram as barricadas, cuja senha eram os panfletos do PCP, segundo testemunho de Vítor da Cunha Rego. O PCP engolira o 25 de Abril.

O boicote à manifestação da “Maioria Silenciosa” foi sustentado na denúncia da eminência do desembarque de 40 mil armas no Algarve, em Porto Covo e em Peniche, destinadas à “reação”, mentora da manifestação. Tais armas nunca apareceram. Pinto Balsemão, informado pelo seu jornalista Inácio Teigão de que tinham sido infrutíferas as buscas que efetuara durante todo o dia ao carro funerário que traria armas num féretro, recusou-se a publicar a notícia, para “não desmobilizar as massas”! Com esta atitude Pinto Balsemão renegou o seu próprio passado tornando-se num mero oportunista e apoiante ativo do estabelecimento dum regime socialista em Portugal.

A falsa ameaça das armas foi o pretexto para a perseguição e prisões arbitrárias de opositores dos comunistas - foram presas 62 individualidades -sob proposta do MDP/CDE (PCP) ao COPCON e todas elas assinadas pelo General Costa Gomes, esse grande “democrata”. Era Ministro da Justiça Salgado Zenha, outro “grande democrata”.

Um episódio passado na noite de 26 de Setembro pode ajudar a perceber a mudança de decisão de Spínola e a arbitrariedade de quem detinha o poder de facto. Nessa noite 20 homens à paisana, comandados por um oficial do COPCON, o Aspirante Maurício, invadiram a casa dos sogros de Sanches Osório para prenderem o tio de sua mulher, José Arantes Pedroso dos Santos. Como não estava e os presentes - avô e pai da mulher de Sanches Osório - se negavam a informá-los do seu paradeiro, o comandante da força decidiu fazer refém o Eng.º António Fuschini Serra - cunhado de Sanches Osório -, levando-o para o RAL 1, onde ficou preso.

Informado do episódio, Sanches Osório, procura o tio e decidem comparecer no RAL 1 onde fizeram a troca, sem que qualquer deles soubesse a causa do mandato de captura. Vinte e dois dias depois, José Arantes foi libertado pelo COPCON, que atribuiu a detenção a má-fé! Tarde demais! José Arantes faleceu uns dias depois, por não ter sido tratado à doença que tinha e que declarara quando foi detido.

Consta-se que vários dos prisioneiros notáveis afetos ao Presidente da República foram ameaçados de fuzilamento caso este se recusasse a proibir a manifestação.

Rejeitada pela JSN a proposta de Estado de Sítio do Presidente da República, depois de este ter recomendado a demissão de Vasco Gonçalves ante o próprio e Costa Gomes, aquele decidiu-se pela resignação.

Consta do seu discurso de resignação:

“O programa do Movimento previa também que a substituição do regime deposto teria que processar-se sem convulsões internas que afetassem a paz, o progresso e o bem-estar do Povo Português. A situação é, infelizmente, bem diferente. Forjam-se reivindicações, postas nas mãos dos trabalhadores por burgueses frustrados do velho regime, subitamente titulados também de trabalhadores. A paz, o progresso e o bem-estar da Nação são comprometidos pela crise económica para que caminhamos aceleradamente, pelo desemprego, pela inflação incontrolada, pela quebra do comércio, pela retração dos investimentos, e pela ineficácia do poder central. Isto porque quanto se vem fazendo à sombra do Programa do Movimento das Forças Armadas pouco menos é do que o assalto aos meios de produção; é a reivindicação com decisões tomadas a níveis sem competências nem legitimidade para o fazer; enfim, é a inversão das estruturas, à margem da sanção democrática do Povo.”

Sanches Osório demitiu-se do Governo, das Forças Armadas e, mais tarde, na sequência do 11 de Março teve que fugir para não ser detido, preso e, talvez, morto.

Do II Governo Provisório faziam parte, e foram cúmplices:

Vasco Gonçalves, Vítor Alves, Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Magalhães Mota, Almeida Santos, Salgado Zenha, Rui Vilar, Silva Lopes, Mário Soares - à data dos factos encontrava-se no estrangeiro, convenientemente -, Vitorino Magalhães Godinho, Costa Martins e Lurdes Pintassilgo.

Assim se “fintou” o 25 de Abril e comprometeu o futuro de Portugal.

Texto de opinião cujas fontes são; “O Equívoco do 25 de Abril” (de Sanches Osório) e “Portugal Traído” (de Fernando Pacheco Amorim)

                                          

                                                              General António de Spínola

Peniche, 03 de Outubro de 2020

António Barreto

 

 

domingo, 16 de agosto de 2020

Anatomia de Uma Revolução (notas)

 

Anatomia de uma Revolução

A Reforma Agrária em Portugal, 1974 – 1976

(António Barreto)

 

   Esta obra de António Barreto é a síntese, em português, da sua tese de doutoramento efetuada em 1984 na Universidade de Genebra, e foi elaborada com base em investigações realizadas de 1979 a 1982 no Gabinete de Estudos Rurais da Universidade Católica.

   Vinculado a factos comprováveis, o livro “Anatomia de uma Revolução” mostra as dinâmicas sociais e políticas que revolucionaram o mundo rural do Alentejo, através das quais, o Partido Comunista assegurou a hegemonia política na região que se prolongou até à atualidade.

   Publicado em 1987 este livro é uma espécie de “livro maldito” dada a forma algo misteriosa como se tornou inacessível ao público e ignorado pela generalidade da crítica e comunicação social. Tal facto leva-nos a supor, à semelhança do que sucedeu noutros casos - como no livro de Rui Mateus “Memórias de um PS Desconhecido” - que há censura de facto em Portugal relativamente a qualquer obra que se debruce sobre as vicissitudes do regime, e, ou, das principais forças políticas que o compõem.

   A iniciativa desta publicação, confirmada pelo autor, foi, sobretudo, da historiadora Fátima Bonifácio, mas também de Maria Filomena Mónica e de Rui Ramos, todos eles com obras relevantíssimas relacionadas com a história política social e económica de Portugal.

  A escrita simples e eficaz de António Barreto, associada ao tipo de letra e qualidade do papel adotado pelo editor tornam a leitura fácil, agradável e recomendável.

     A Reforma Agrária no Alentejo, mais propriamente, Alentejo e Ribatejo - Zona de Intervenção da Reforma Agrária, ZIRA -, consistiu na ocupação de propriedades rurais por trabalhadores, assalariados agrícolas e agricultores, organizados pelo Partido Comunista (PC), incentivados pelo Governo e apoiados pelas Forças Armadas e GNR, com pretexto no alegado absentismo e ineficiente utilização agrícola da terra.

   Na sequência do 25 de Abril, do 28 de Setembro e do 11 de Março, o PC, beneficiando da passividade e, ou, cumplicidade dos restantes partidos a braços com as tarefas inerentes à sua própria organização interna, assume o controlo do Movimento das Forças Armadas, da Junta de Salvação Nacional e do Governo - primeiro Governo Provisório, de Vasco Gonçalves - ocupando ou controlando o aparelho estatal, os organismos cruciais centrais, regionais e locais.

   Revogada a constituição de 1933 e correspondentes atualizações, sustentando-se nas novas estruturas do poder e na “legitimidade revolucionária”, a partir de Lisboa, o PC destaca para o Alentejo membros do seu Comité Central e militantes urbanos, os quais, juntamente com os escassos militantes locais e o aparelho do Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE) - movimento político supostamente independente mas na verdade controlado pelo PC -, desenvolvem intensa atividade, desdobrando-se em reuniões, palestras, comícios e manifestações, mobilizando as populações para as ocupações, constituindo comissões, grupos de trabalho, sindicatos e, consumadas aquelas, organizando as tristemente célebres Unidades Coletivas de Produção.

   Apesar da instabilidade do operariado rural alentejano, caracterizado pelos baixos salários e precariedade, resultante do predomínio dos proprietários, beneficiários de relações privilegiadas com o poder cessante, não havia conflitos sociais no Alentejo antes da Revolução dos cravos.

   A adesão do proletariado rural tinha por motivação não o acesso à propriedade da terra mas sim à estabilidade do emprego e do salário. Por outro lado, a adesão inicial de alguns camponeses, pequenos proprietários, visava, sobretudo, obter um pouco mais de terra para cultivo.

   Os resultados dos Grupos de Trabalho constituídos para identificação das terras abandonadas e mal cultivadas destinadas às ocupações, goraram as espectativas dos revolucionários; toda a terra arável estava bem cultivada, com exceção de alguns casos - onde as culturas não garantiam a melhor produtividade - calculados pelos técnicos em cerca de 10 % da área total.

   Ante a inesperada deceção foram desativados os grupos de trabalho e definidos novos critérios de ocupação. Instituiu-se uma fórmula de cálculo por pontos, mediante a qual seriam objeto de ocupação todas as terras com mais de 50 mil pontos.

  Naquela fórmula entravam variáveis como a qualidade da terra, as culturas instaladas, as alfaias e os equipamentos disponíveis em cada propriedade. Foi assim que, como o próprio Ministro da Agricultura da época explicitou publicamente, o objeto das ocupações deixou de ser as terras abandonadas ou mal exploradas para ser as melhor equipadas e cultivadas, constituindo um desincentivo ao investimento dos proprietários.

   Impulsionada pelos sindicatos, comissões e grupos de trabalho comunistas, a dinâmica do processo revolucionário não conhecia limites, estendendo-se as ocupações a propriedades de qualquer dimensão, violando o princípio da proteção da pequena propriedade tal como Álvaro Cunhal expressou publicamente. Assim, foi alienado o apoio dos pequenos proprietários, os quais, subitamente, se viram a braços com a necessidade de defender, pela força, as terras que tinham granjeado ao longo dos anos com muito suor e privações.

   Atabalhoadamente, sem qualquer apoio governamental ou partidário, proprietários e pequenos agricultores, constituíram as Associações Livres de Agricultores (ALA) e outras organizações, as quais, diga-se em abono da verdade, não eram vistas nem achadas na regulamentação da atividade agrícola promovida pelos sindicados e sancionada pelo Governo, como os Contratos Coletivos de Trabalho. Estes, inicialmente de âmbito local, passaram a rapidamente a regionais e nacionais, com um articulado totalmente decidido, discricionariamente, pelos sindicatos comunistas, sem negociação ou qualquer tipo de intervenção dos proprietários.

   Os sindicatos investiram-se, nesta época, de poder institucional, implicitamente reconhecido pelo MFA e pelo Governo, agindo como extensão do aparelho governamental, legitimando ou não, o que entendessem adequado à Revolução Agrária.

  Foi neste âmbito que foi instaurado o emprego compulsivo, processo em que os sindicatos comunistas impunham aos proprietários quotas de trabalhadores de acordo com o seu próprio critério, baseado exclusivamente na disponibilidade de mão-de-obra, dissociado das efetivas necessidades e possibilidades das explorações.

   Os conflitos motivados pela resistência dos proprietários, quando ocorriam, eram dirimidos pela GNR e, ou Forças Armadas - entre as quais se destacou o tristemente célebre Regimento de Vendas Novas cujos operacionais, nas suas tarefas revolucionárias, chegaram a ornamentar-se com boinas ilustradas com a figura do assassino Guevara - que, invariavelmente, tomavam o partido dos trabalhadores.

      Ocupadas as propriedades e constituídas as UCP, estas foram autorizadas a apropriar-se do produto das colheitas das sementeiras efetuadas pelos proprietários. Nos casos em que as ocupações tivessem ocorrido após as colheitas, os organismos estatais envolvidos no processo de comercialização, retinham o produto da respetiva venda e entregavam-no aos sindicatos que, por sua vez, o disponibilizavam à correspondente UCP.

   Desapossados das suas terras e equipamentos, os proprietários, com a cumplicidade ativa das estruturas governamentais, foram ainda vítimas do confisco do produto das suas sementeiras. As reservas que o Governo lhes prometera nunca lhes foram atribuídas. A alguns porém, aos que viviam exclusivamente da atividade agrícola, foi atribuída uma pequena pensão a título de sobrevivência.  

   Passada a euforia inicial, a falta de meios para pagamento de salários e preparação das sementeiras, emergiu como travão natural às ocupações. O Governo, além de incentivar e legalizar estas a posteriori, passou a autorizar, com garantia do Estado, o financiamento bancário das UCP. Esta decisão do 6º Governo Provisório, liderado por Mário Soares, deu um impulso decisivo ao movimento ocupacionista - que, rapidamente, ultrapassou o milhão de hectares -, paradoxalmente, numa fase em que o PC começou a perder influência no aparelho estatal e no MFA., devido à oposição política, cada vez mais intensa, dos restantes partidos. O Partido Socialista (PS), que desempenhou papel decisivo na instauração da democracia, ficou indelevelmente associado à fase mais intensa das ocupações decorrentes da reforma Agrária. 

   Instituída a Nova Ordem, as UCP, na sua grande maioria incapazes de superar as dificuldades decorrentes da exploração, foram ficando pelo caminho, insolventes, deixando ao Governo o ónus da liquidação das correspondentes dívidas bancárias.

   Ironicamente, o PC, historicamente defensor dos aumentos salariais dos trabalhadores, passou a queixar-se dos elevados salários praticados pelos escassos proprietários privados que sobreviveram às ocupações, alegando risco de inviabilidade económica das UCP!

   À resistência política, tardia, dos partidos moderados, PS, PPD e CDS, e à oposição dos elementos, igualmente moderados, no seio do MFA, correspondeu uma fortíssima oposição no terreno por parte dos agricultores, finalmente agregados na Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Desdobrando-se em centenas de comícios por todo o país, promovendo barragens nas vias principais, de que ficou célebre a de Rio Maior, a CAP mobilizou o mundo rural e a população civil em geral para a “meia” contrarrevolução que veio a culminar no 25 de Novembro de 1975.

   A Constituição de 1976, apesar de elaborada sob coação das forças comunistas e, por isso, eivada de referências de matriz socialista, inauguraram o Novo Regime de direito democrático, designado por terceira República.

  Há quem afirme que a verdadeira razão da origem do 25 de Novembro terá sido a declaração de independência de Angola ocorrida em 11 de Novembro do mesmo ano. Segundo os defensores desta tese, o prolongamento do período revolucionário imposto pelo PC, recusando perentoriamente eleições, tinha por objetivo garantir a entrega incondicional de todas as Colónias aos movimentos de inspiração comunista, como, efetivamente, veio a ocorrer.

   Garantido o objetivo principal o PC deixou “correr o marfim” da Contra Revolução, aliviando a pressão interna a troco da garantia de um lugar à mesa da democracia. Esta foi-lhe concedida pelos vencedores do 25 de Novembro nas pessoas de Melo Antunes e Ramalho Eanes. Um elevado preço que ainda hoje está a ser pago pelos portugueses, consubstanciado no elevado endividamento e num pífio crescimento económico, resultante, em grande parte, do crescimento desmesurado do aparelho estatal e dos privilégios cumulativamente atribuídos ao funcionalismo público.

   António Barreto foi Ministro da Agricultura do 1º Governo Constitucional em 1977, e autor da famosa Lei Barreto que desagradou aos comunistas a ponto de estes exigirem a sua demissão a Mário Soares a troco dos votos de que o PS necessitava após o fracasso das negociações com o PSD.

   No final deste processo em que foi destruído, quase completamente, o aparelho produtivo nacional, gastas a quase totalidade das reservas do país, sem acesso aos mercados financeiros, O Governo, insolvente perante uma inflação galopante, acabou por pedir a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1977. O ciclo do “orgulhosamente sós”, como os “democratas” classificam o regime de Salazar, estava, finalmente, concluído.

   Autor de uma reforma agrária completamente forjada a partir das estruturas militares e governamentais, o Partido Comunista conquistou a sua base social de apoio que, mais coisa menos coisa, lhe confere, ainda hoje, a escassa relevância social que detém e o desproporcionado poder corporativo que, entretanto, adquiriu pela via sindical.

   Um livro oportuno que, além de mostrar as vicissitudes da Reforma Agrária aos mais novos e “refrescar” a memória dos menos novos, ilustra como a convivência do Partido Socialista com a extrema-esquerda que hoje se verifica, vem de muito longe. De facto, as cumplicidades dos membros fundadores do PS com a extrema-esquerda é muito anterior a 74, nomeadamente, no exílio dourado em Argel, em que aqueles alinhavam simultaneamente com os comunistas e com Humberto Delgado, e na candidatura de Norton de Matos à Presidência da República no longínquo ano de 1948 em que, Mário Soares, então militante comunista, a mando do PC foi o Secretário-geral daquela candidatura encarregue ainda de comunicar ao candidato a ordem de desistência emanada do Comité Central.

  O futuro constrói-se sobre os erros do passado.

                                                            

                                                                         António Barreto 

Peniche, 16 de Agosto de 2020

António Barreto