(Notas da entrevista de Alexandre de Marenches a Christine Ockrant em 1986)
Neocolonização de África. Parte II:
O
propósito do chefe espião em África era o de criar, desde Tânger à fronteira
sul de Angola, uma zona de influência cultural francesa. Segundo dizia, dando o
exemplo de Portugal em que havia uma espécie de cidadania comum com o Brasil -
que fazia com que qualquer brasileiro se sentisse em casa em Portugal -,
congregando cerca de cento e trinta e cinco milhões de pessoas, a cultura é que
conta (atualmente, em 2020, 226 milhões, 290 milhões incluindo Angola,
Moçambique, Guiné, São Tomé, Macau e Timor).
China e África do Sul foram parceiros ocasionais da França no apoio a
Savimbi; os primeiros pela disputa sistemática que tinham com a União
Soviética, os segundos num quadro de pragmatismo contranatura, já praticado pelo
“sábio” Presidente do Malawi, Dr. Hastings
Kamuzu Banda (por sinal, amigo íntimo do famoso português Jorge Jardim).
No decurso da narrativa vem à baila infiltração comunista no generalato
da marinha sul-africana (tal como em Portugal com Rosa Coutinho e Vitor Crespo)
e a estratégia soviética de aproveitar todo e qualquer sinal de
descontentamento, onde quer que fosse, para o organizar e transformar em
conflito desestabilizador do respetivo regime. Com representação diplomática em
todos os países da região e o quartel-general em Lusaca (onde foram redigidos
os acordos dos nacionalistas africanos com os golpistas portugueses, mas também,
em 1973, os acordos de Jorge Jardim com a Frelimo para a independência de
Moçambique).
Ao ceder a primazia soviética em África os EUA perderam terreno no controlo
dos minérios estratégicos dos quais só passaram a controlar quatro enquanto a
URSS controlava oito. Disso mesmo deu conta Alexandre
de Marenches a Ronald Reagan, completo ignorante na matéria.
No domínio da designada “Guerra Fria” o espião gaulês refere a abismal
diferença de esforço entre a URSS e os países Ocidentais; enquanto nestes
escasseavam os meios de financiamento, naqueles são ilimitados. No domínio dos
recursos humanos idêntica diferença; abundância de candidatos à atividade de
espionagem, elevada qualidade dos centros de formação e estabilidade nos cargos
de chefia no bastião comunista, escassez de procura e de formação e
instabilidade nas chefias, nos EUA.
Conflito israelo-árabe:
Relativamente ao conflito israelo-árabe, refere três circunstâncias
curiosas e, aparentemente ignoradas do grande público. A primeira diz respeito
ao desequilíbrio demográfico em Israel onde população árabe cresce a um ritmo
muito superior ao da população judaica A segunda relaciona-se com o
financiamento americano aos israelitas, bem superior em ambiente de guerra do
que em paz. A terceira tem a ver com a hostilidade tribal entre os árabes, tão
variada e profunda que só o ódio aos israelitas os une. Estas são as razões que
levaram Alexandre de Marenches a
convencer-se de que nenhuma das partes está interessada no fim da guerra razão
pela qual esta se prolongaria no futuro. Trinta e cinco anos depois,
efetivamente continua.
Alexandre de Marenches
António Barreto
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