Da Lusitânia a Portugal
De Diogo Freitas do Amaral
Bertrand Editora
Notas VIII (sobre a obra)
A Grande Crise Nacional
de 1383 e 1384
A crise da sucessão foi resolvida nas Cortes de Coimbra
realizadas de Março e Abril de 1385, graças à argumentação do Dr. João das
Regras, Chanceler do Regente D. João.
Antes de mais,
sublinhe-se a “faceta democrática” das Cortes, uma vez que, desde D. Afonso
III, que estas integravam “os três Estados”: Clero, Nobreza e Povo, ao que
parece, uma novidade para a época. Ora vejamos como era composta: 11 bispos, 70
fidalgos e 70 homens bons (representantes dos municípios por eleição)! O Povo
representado ao nível da Nobreza, à época, é motivo de enaltecimento para a
Monarquia Lusa. Não sei se estou certo, mas julgo que a participação do povo em
Cortes ou Assembleias Legislativas só veio a ocorrer, no Reino Unido, após a
Revolução Gloriosa de 1689, e em França, após a Revolução Francesa de 1789.
João das Regras considerou
o trono vago, após esvaziar, com eloquência, a legitimidade de três dos
candidatos; D. João I de Castela, por ter violado o Acordo de Salvaterra de
Magos invadindo Portugal, e dos Infantes D. Pedro e D. Dinis, por não ter sido
reconhecido pelo Vaticano o casamento de seus pais, D. Pedro I e D. Inês de
Castro, e por terem levantado armas contra Portugal ao serviço dos reis de
Castela, respetivamente, Henrique II e D. João I.
Quanto a D. João I
de Castela, duas outras causas da sua deslegitimação à sucessão, consistiriam;
uma, na condição de herege com que fora punido por Urbano IV, por ter reconhecido
o antipapa Clemente VII, outra, pela sua linha dinástica ao trono luso ser do
lado materno - a sua mãe era irmã da mãe de D. Fernando.
Já do lado de D
Beatriz a deslegitimação assentava na dúvida quanto à paternidade de D.
Fernando e na irregularidade canónica do seu casamento, uma vez que, o seu
marido, D. João I de Castela, era também seu parente - primos em 2º grau; a mãe
de D. João I de Castela era tia-avó de D. Beatriz.
O vínculo dinástico
do Mestre de Avis era tão ténue - a mãe do futuro D. João I seria,
eventualmente, plebeia - que João das Regras nem o invocou, limitando-se a
referi-lo. Porém, conhecedor da doutrina do famoso escolástico São Tomás de
Aquino, que professara cerca de um século antes em Bolonha e Paris, usou-a para
sustentar a legitimidade das Cortes para eleger o Rei.
São Tomás de Aquino,
Albertus Magnus, e outros,
desenvolveram a epistemologia - análise da natureza, origem e consequências do
pensamento - sucedendo ao platonismo - orientação do comportamento pela Fé -,
dedicando-se à formulação da filosofia cristã. Em consequência, operou-se uma
transformação vital, no Ocidente, na interpretação da origem divina do poder;
assim, enquanto segundo o Apóstolo São Paulo, fundador do Catolicismo, omnis potestas a Deo (todo o poder vem
de Deus), segundo Aquino, omnis potestas
a Deo per populum (todo o poder vem de Deus através do Povo) e, ad populum pertinet electio principi (ao povo pertence eleger os príncipes).
Foi com à luz desta
filosofia que João das Regras sustentou a legitimidade das Cortes para eleger
um Rei, definindo desde logo o perfil adequado ao novo Rei de Portugal,
indicando o Mestre de Avis como detentor de tais características.
Refere o autor que,
nos séculos XV e XVI, a monarquia portuguesa terá sido a mais democrática do
mundo conhecido, à época, porque o Povo participava nas Cortes - em paridade
com a nobreza -, e estas elegiam ou aclamavam os reis. Notável e enaltecedor,
sem dúvida.
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