Da Lusitânia a Portugal
De Diogo Freitas do Amaral
Bertrand Editora
Notas VII (sobre a obra)
A Grande Crise Nacional
de 1383 e 1384
Foi num contexto de grande instabilidade política, económica
e social que terminou a primeira dinastia, correspondente aos reinados de D.
Pedro I e de D. Fernando. As guerras generalizava-se na Europa Ocidental;
Inglaterra contra Escócia e País de Gales; França contra Inglaterra; Castela e
Leão contra Aragão e Navarra, Castela contra Portugal, etc.. Na Igreja Católica
vivia-se o Grande Cisma do Ocidente. A
peste negra e a fome devastavam
populações. Surgiram as Primeiras
Revoltas Populares, pós-Roma, na
Inglaterra e em França.
Era o final do Óptimo Climático Medieval, que decorreu,
aproximadamente entre os séculos X e XIV, período no qual se verificaram
temperaturas ambientais superiores às atuais, a que sucedeu a Pequena Idade do Gelo, que duraria até
meados do século XIX. Esta circunstância terá tido influência na difusão da
peste, na escassez da produção agrícola na proliferação da fome e que, no caso
português, terá contribuído para a expansão marítima iniciada em 1415, com a
conquista de Ceuta.
Do drama de Pedro e
Inês de Castro, amor “impossível” entre o herdeiro ao trono e a aia da noiva D.
Constança, que veio para Lisboa em 1340, ficou a frustração da incompleta vingança
dos seus algozes; escapou Diogo Lopes Pacheco, o assassino, uma vez que, D.
Pedro I não conseguiu obter a sua extradição de Aragão, onde se refugiara. Já
os seus cúmplices, Álvaro Gonçalves e Pêro Coelho, foram assassinados pelo Rei
de Portugal. Este, com os irmãos de Inês, devastaram os senhorios dos nobres
homicidas situados na região de entre Douro e Minho, conflito que só viria a
terminar pelo Acordo de Marco de Canavezes efetuado em 1356, devido ao empenho
da rainha D. Beatriz. O assassinato ocorreu
em 1355 e o seu mandante, D. Afonso IV, morre em 1357. Falta apurar as
circunstâncias da morte deste e o seu relacionamento com o infante D. Pedro no
período pós-assassinato. O episódio foi imortalizado nos Lusíadas, em A Castro de
António Ferreira (1560) e La Reine Morte de
Jean Anouilh. Nesta fase de
construção da europa, a defesa da integridade territorial justificava todos os
sacrifícios.
A crise de 1383
ocorreu em virtude de D. Fernando, casado com D. Leonor Teles ter falecido sem
deixar filho varão. Mais uma vez, à semelhança do que ocorreu com D. Tereza,
está o iberismo como pano de fundo da crise. A verdade é que, no Acordo de
Salvaterra de Magos realizado em 1383 entre D. Fernando e D. João I de Castela,
para celebrar a paz entre os dois reinos, tinha ficado estabelecido o casamento
deste com D. Beatriz - à data com apenas 10 anos -, que herdaria os reinos de
Portugal e Algarve - à falta de filho varão do pai -, assumindo D João I o
trono de Portugal. Em caso de ausência de filho varão de D. Beatriz, D. Leonor assumiria
a regência dos reinos de Portugal e Algarve; ou até aos 14 anos do filho varão
da filha, o qual assumiria a titularidade daqueles reinos. Portanto, em
qualquer dos cenários do Acordo, estava consignada a continuidade da
independência do reino de Portugal face ao de Castela.
Portugal dividiu-se
entre os que apoiavam o Acordo de Salvaterra, o partido castelhano constituído sobretudo por boa parte do clero e
da nobreza e os que queriam um rei português e, no interregno, um regente,
também português, constituindo o partido
português.
O pomo da discorda
estava na desconfiança que grande parte da população nutria por D. Leonor
Teles, desde a sua chegada à corte, apesar da sua ascendência aristocrática.
Talvez o facto de estar casada quando conheceu D. Fernando e ter obtido a
anulação do casamento esteja na origem dessa aversão, dadas as raízes
profundamente católicas da população. Circunstância agravada com o seu
relacionamento com o castelhano Andeiro, ao que parece, ainda em vida do
marido, o qual teria grande influência nos negócios do reino. Um receio
sustentado por dois séculos de guerras quase ininterruptas com nuestros hermanos, asturianos, galegos,
leoneses e castelhanos. As uniões familiares entre as coroas eram paradoxais;
normalmente serviam para fazer a paz pondo termo a guerras mais ou menos
duradouras e, muitas vezes, foram a causa de muitas outras, como neste caso.
O certo é que, nem o genro D. João I de
Castela, que viera em seu socorro, invadindo Portugal, confiava nela, tendo-a enviado
para um convento a norte onde viria a falecer. Não é certo que D. Fernando não
tivesse filho varão uma vez que há documentação que indicia a gravidez de
Leonor Teles à data do falecimento do seu marido. O caso é que poderá
constituir, esta, a razão do seu afastamento pelo genro, para quem constituiria
um estorvo perante a aspiração deste ao trono de Portugal. Afinal, Castela
estava nos primórdios do seu desígnio imperialista o qual, numa primeira fase
viria a abarcar toda a península ibérica exceto Portugal. Este contexto é, sem
sombra de dúvida, enaltecedor para a nação portuguesa.
D. João, Mestre de
Avis, filho bastardo de D. Pedro I, com a ajuda de dois cúmplices e o apoio do
antigo chanceler de D. Pedro I e de D. Fernando, Álvaro Pais, liquida -
assassina - o conde castelhano João Fernandes Andeiro. Para o sucesso da
empreitada, Álvaro Pais, aguardava o sinal do sucesso da empreitada, logo que o
pajem enviado pelo Mestre acorreu, anunciando ao povo a tentativa de
assassinato deste no Paço, com a sua comitiva, percorreu as ruas da cidade,
convocando o povo de Lisboa a acudir em socorro de D. João, o que veio a
ocorrer, tendo-se deparado com este, são e salvo, a atirar pela janela, o
castelhano. Um caso de manipulação da opinião pública já então instrumento de
acesso ao poder, tal como hoje se verifica. Não houve revolta popular, mas
houve excessos de um povo sem freio, cujas vítimas foram o bispo de Lisboa,
castelhano, o prior de Guimarães e o notário; escaparam os judeus por ação de
D. João. D. Leonor fugiu para Alenquer.
Consta que o
assassinato de Andeiro foi um projeto congeminado ainda pelo próprio D Fernando
e D. João, pelo qual este se sentiria vinculado após a morte daquele.
Fez-se, “O Mestre de
Avis”, nomear, pela Câmara Municipal de Lisboa, Regedor e Defensor do Reino,
nomeando, por sua vez, o Dr João das Regras para chanceler. Filho de Rei,
apesar de ilegítimo, D. João, não quis receber o poder da rua. Efetivamente, o
município “alfacinha”, apesar de, episodicamente, ter poderes de representação
das Cortes, não tinha mandato para este caso. Por seu lado, D. Leonor, estava
no direito de pretender preservar o trono para a filha, D. Beatriz, e seu
eventual futuro neto, não abdicando do cargo de regente e estabeleceu-se em
Santarém pedindo ao genro, D. João I de Castela, auxílio militar. Tal reacendeu
a ira do povo, dividido nas duas fações, e sobreveio a guerra.
O “Mestre”,
necessitando de aliados, depois de garantir o apoio do Rei Eduardo II de
Inglaterra, beneficiando dos Tratados de Tagilde
e de Westminster, que seus pais tinham
retificado, respetivamente, com D. João
de Gant em 1372 e Eduardo II em 1373,
foi um mãos largas a distribuir benesses - tal como ocorreu na fase de expansão
precedente e, afinal, ainda hoje sucede. Em Castela, o Conselho Régio estava,
também, dividido, e o soberano, finalmente, assumiu a ambição de conquistar o
trono para si. D. Leonor, furiosa, tentou matá-lo, mas, vencida, foi mandada
enclausurar em Tordesilhas, pelo genro, onde viria a falecer. Ficou pois
demonstrada a boa, e legítima, intenção de D. Leonor - que, ao que consta, terá
mesmo rejeitado um pedido de casamento do Mestre de Avis - mas também os
fundados receios dos que duvidavam das intenções do Rei Castelhano.
Isso mesmo motivou a
divisão dos portugueses; do lado do Mestre de Avis: Lisboa, Porto Coimbra,
Aveiro, Viseu, Lamego, Évora, Elvas, Beja e Faro! Do lado Castelhano: Viana do
Castelo, Guimarães, Braga, Bragança, Chaves, Guarda, Santarém, Leiria, Alenquer
e Vila Viçosa! Impressionante! Este episódio demonstra, mais uma vez, a recetividade
ao iberismo de parte da população lusa, realidade que, julgo, perdura; afinal,
uma grande nação ibérica seria, hoje, poderosa, na Europa e no Mundo.
Sucederam-se as
batalhas de Atoleiros, Arronches, Alegrete e outras, todas ganhas pelo jovem
Nuno Álvares Pereira - fidalgo de 24 anos que aderira ao partido de D. João -
aos Castelhanos. Seguiu-se o cerco de sete meses de “nuestros hermanos” a
Lisboa fracassado pela emergência e propagação da peste entre as forças
sitiantes.
O interregno
seguinte permitiu ao Mestre e a D. Nuno - espécie de “Chefe de Estado Maior” -
planearem a inevitável escalada da guerra, acordando desde logo, a necessidade
de aumentar a carga fiscal aos três Estados, a reunir em Cortes a realizar na
Primavera de 1385.
Peniche, 25 de Junho de 2018
António J. R. Barreto
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